Tração animal

Carroças ganham emplacamento em Petrolina

Cerca de 400 já foram cadastradas. Conheça as histórias contadas pelos carroceiros

Emanuel Andrade
Cadastrado por
Emanuel Andrade
Publicado em 16/01/2015 às 22:09
Fotos: Emanuel Andrade/Especial para o JC
FOTO: Fotos: Emanuel Andrade/Especial para o JC
Leitura:

PETROLINA – Uma das cidades que mais cresce no interior do Nordeste, Petrolina (com mais de 300 mil habitantes segundo o IBGE) é destaque junto com outros municípios pela produção de vinhos no Vale do São Francisco. Carrega a fama de vender a melhor carne de bode da região. Esbanja carros de luxo e o trânsito é ordenado pela Empresa Petrolinense de Trânsito e Transportes Coletivos (EPTTC).

Um dos desafios da EPTCC é organizar o transporte por tração animal, as populares carroças. Em setembro passado a Prefeitura iniciou a campanha de emplacamento de mais 400 carroças, que passaram a ter que ter alvará de circulação. A meta do órgão é disciplinar as carroças em trânsito na área urbana e rural. Alguns carroceiros aprovaram, outros torceram o nariz. Independentemente de todo o processo, as carroças fazem parte da cultura e da história do município há mais de um século.

Há carroceiros que se comportam como profissionais e são reconhecidos na comunidade. Esses são unânimes na luta em defesa dos animais que, muita vezes, são maltratados nas ruas ou até abandonados. Entre os carroceiros da área urbana, João Avelar de Souza, 65, se considera um dos mais antigos. Marchante, ele conta que desde os 15 anos, órfão de pai, passou a ter usar carroças para ajudar a mãe e irmãos. Nessa época, atravessava muito a ponte para Juazeiro (BA) para fazer entregas e arrumar fretes. Sua burra sem nome tem 14 anos e é cuidada com esmero.

“Está cada dia mais difícil andar no trânsito porque os motoristas acham que estamos atrapalhando e acabam xingando. Os piores são os motoqueiros. Mas há gente educada como um motorista que certa vez parou o carro atrás e pediu que seguisse devagar, sem ter de bater o chicote", conta seu João. Quando ele não está transportando carne para a feira da Areia Branca, usa a carroça para fretes. 

Só reclama que sua burra dá muito trabalho porque “quer comer tudo que encontra, é muito faminta”. Ele se diz defensor dos animais, evita maltratá-la e faz de tudo para que ela coma capim e milho que, segundo ele, tem mais nutrientes. Sobre o emplacamento da carroça (CDR 7385), diz que já fez por uma questão do controle no trânsito. “Mas a falta de respeito nas ruas é grande”. 

Jailson sustenta a mãe e uma sobrinha com o que ganha com a carroça e suas duas burras -
João Avelar, 65 anos, é marchante, transporta carne e pega frete com a carroça -
Rogério: carroça ajuda muita gente pobre que não pode pagar frete de caminhonete -
Fotos: Emanuel Andrade/Especial para o JC
Nilton com Jaqueline e a burra Doralice. A burrinha o ajudou a chegar em casa, embriagado - Fotos: Emanuel Andrade/Especial para o JC

 

MORENA E LAGARTIXA

Desde criança Jailson Lima, 37, aprendeu a trabalhar na roça com os pais e o primeiro veículo que usou foi uma carroça. Hoje ele sustenta a mãe e uma sobrinha com duas burras que ele alterna nos serviços. Uma se chama Morena e a outra Lagartixa. É com elas que de segunda a sábado presta serviço para uma empresa de material de construção, fazendo entregas. No final do mês, recebe um salário pelos serviços. Nos feriados e domingos, faz bico juntando entulhos e fazendo pequenas mudanças. 

“Quando uma está trabalhando, a outra descansa, assim, a gente cuida melhor de cada animal, sem judiar no calor forte do Sertão”, diz. Lagartixa ele comprou recentemente, por R$ 600. As duas comem farelo de trigo e milho pisado. A carroça ainda não foi emplacada, mas está na fila da EPTTC. 

COROA

Rogerio de Souza, 29, é um apaixonado por sua a carroça. Para ele, ser carroceiro é ajuda muita gente pobre que não tem como pagar um frete de caminhonete. Sua burra se chama Coroa e foi comprada por R$ 600. Ele, que tem seis filhos e mulher para sustentar, diz que não pode viver sem o animal. 

O animal já lhe deu um susto e quase perdeu a vida. “Coroa estava comendo capim em um terreno baldio quando um marginal empurrou uma faca, arrancando os músculos do peitoral. Ela sofreu muito. Até chorei, Queriam que eu a sacrificasse, mas cuidei com plantas e remédio. Gastei muito mas consegui salvá-la”, lembra Rogério, enquanto transportava uma mobília do bairro João de Deus para o Fernando Idalino. 

DORALICE

Nilton Sergio Alves, 32, e Jaqueline Santos Severo, 26, são biscateiros e vivem juntos. Há sete meses “adotaram” uma burra que o primo dele queria vender. Compraram o animal por R$ 300, com a carroça. “Trabalha como pedreiro, fiquei parado e ai meu primo passou a bichinha pra frente. Comprei e tem sido pra trabalhar, mas ela já é querida como uma pessoa da família”, releva Nilton.

Antes sem nome, a burra foi “batizada” de Doralice. Os dois não escondem o amor que têm pelo animal e fazem questão de dizer que ela (Doralice) é amorosa com todos da família, incluindo dois sobrinhos que eles criam em casa. De acordo com os donos, Doralice se comunica com gestos e é bem tratada. Todos os dias toma banho com sabão e come ração. Quando a bacia está vazia, Doralice bate com a cabeça na porta da pequena casa onde eles moram no bairro Ouro Preto.

“A maior felicidade dela é se banhar numa bica de água fria. Quando a gente a leva para beira do Rio São Francisco, ela reclama, tem medo de se aproximar da água”, diz Jaqueline. O fato e que Doralice é mesmo sentimental. Certa vez, conta Nilton, estava em um bar da periferia completamente embriagado e sozinho com o animal. Ele deitou na carroça e ordenou que Doralice seguisse para casa. “Era bem longe e dormi, só sei que acordei em casa, não sei como ela acertou o caminho e não bateu em nada. Acho que era domingo e o trânsito estava tranquilo “, completa Nilton.

Últimas notícias