Vício da tecnologia

Nomofobia: o perigo do uso excessivo do celular no dia a dia

Saiba como controlar o uso do celular e não se tornar um viciado, ou nomofóbico

ISABELA VERÍSSIMO
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ISABELA VERÍSSIMO
Publicado em 03/03/2018 às 13:01
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Saiba como controlar o uso do celular e não se tornar um viciado, ou nomofóbico - FOTO: Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Ir ao banheiro com o celular, dormir com o dispositivo embaixo do travesseiro e até sentir o aparelho vibrar por engano são atitudes mais corriqueiras do que se imagina. Febre ou vício, uma abreviação (do inglês ‘no-mobile-phone phobia’) concretiza o desconforto ou angústia de viver offline: a nomofobia. No estudo "Global Mobile Consumer Survey 2016", realizado pela Deloitte, dos 2,5 mil brasileiros ouvidos, 48%  admitem utilizar sempre, ou quase sempre, seus smartphones. Somente 6% dos entrevistados afirmam que nunca usam seus aparelhos no horário de serviço. Foi justamente a relação direta entre o mundo digital e o trabalho da estudante de Odontologia e blogueira Milena Paiva, de 18 anos, que fez ela sentir de perto os primeiros sintomas da nomofobia.

Ainda que tente controlar, a blogueira assume o aumento da ansiedade, do imediatismo e o diagnóstico de tendinite há um ano, por consequência do uso excessivo do dispositivo e movimentos repetitivos no aparelho. “Me questiono até que ponto é lazer ou necessidade. Dependo do celular na minha vida profissional, mas me vejo chegando em casa cansada e adiando o meu sono para ficar um pouco mais no WhatsApp e no Instagram”, conta.

Além do blog que administra há dois anos, Milena precisa lidar com a puxada rotina de um estudante de Odontologia. “É engraçado como outras pessoas do meu convívio que não trabalham na área digital também são viciadas”, diz. A mãe da blogueira, Anna Karina Paiva, de 42 anos, se encaixa nesse meio. “Ainda que Milena mexa muito, eu sei que excedo-me um pouco. Ela, às vezes, até reclama de mim. Eu como e assisto televisão olhando o celular”, afirma.

A vida de blogueira, no entanto, foi bem aceita na casa. “Não coloco limites no tempo de uso. Já estamos bem acostumados porque desde o início do blog, tudo aqui em casa virou filme. Até as brincadeiras que fazemos com os nossos ajudantes, ela grava”, conta a mãe de Milena.

Fugindo dos limites

Ainda que seja de outra geração, Ana Cláudia Negromonte, de 46 anos, é a prova de que era digital alcançou todo mundo. Há quem diga que as crianças já nascem digitando, mas a gerente de transporte de cargas também parece não lembrar como era a vida antes do WhatsApp. O vício é tão grande, inclusive, que já trouxe prejuízo. Há menos de um ano, ela sofreu a primeira multa de trânsito cometendo infração gravíssima pelo uso do dispositivo enquanto dirigia. Depois disso, Ana Lúcia despertou a desconfiança de estar viciada no aparelho eletrônico.

Ana dorme com o celular ao lado do travesseiro e, se acordar durante a madrugada, não hesita em olhá-lo. “Muitas vezes adormeço com o celular na mão. É a primeira e última atividade do meu dia. Ando com duas baterias extras na bolsa para nunca descarregar”, conta. Questionada sobre uma possível mudança de hábitos, é firme. “Muito pelo contrário! Quer me ver mudar de humor? Fique me policiando! Minha filha me cobra atenção em todos os lugares que vamos. Quando digo que estou prestando atenção, ela me pergunta qual foi a última frase que eu falei. Sinceramente? Às vezes não sei”, relembra, em meio a risos.

Agora, apesar de ser uma assídua usuária confessa do gadget, Ana Cláudia sabe se policiar quando o assunto é trabalho. Uma de suas táticas é silenciar alguns grupos do WhatsApp para aumentar a produtividade na rotina profissional. “Na hora que começa o barulhinho (das mensagens chegando), eu fico com vontade de olhar, mas muitas vezes estou analisando relatórios e conferindo planilhas. Se fico ouvindo, a curiosidade não me deixa trabalhar”, assume.

CID-NOMOFOBIA-WEB

De fato, esse uso exagerado dos aparelhos eletrônicos insere os indivíduos em uma perspectiva de necessidade relacional, de interação, estar conectado a outras pessoas. Na sociedade, a correria rotineira, por exemplo, limita o estreitamento desses elos. O surgimento da conexão instantânea fica com a tarefa de promover um contato social, ainda que ilusório. Assim, é criada uma falsa impressão de que se está vivendo. A nova era veio para ficar, e  tanto Milena quanto Ana Cláudia afirmam que não é só o trabalho e os relacionamentos que ficam concentrados no mundo virtual. “São livros em PDF, grupos da faculdade e até consultas marcadas pelo celular. É difícil ficar uma semana sem usar. Por mais que eu tente evitar, a cabeça fica pensando no que está acontecendo o tempo todo”, explica a blogueira.

Ação e reação

Em linhas gerais, a principal consequência da nomofobia é o comprometimento na atenção das atividades. “Comprometimento que reflete em diferentes áreas da saúde, ainda que não seja uma doença consolidada”, explica o psiquiatra Tiago Queiroz. A primeira, referente às funções fisiológicas, pode acarretar alterações no sono do indivíduo, provocar insônia e até desestabilização na rotina. “São atitudes comuns que são fortemente influenciadas por esses excessos. Se alguém troca de roupa mexendo no celular, certamente irá demorar mais e pode se atrasar para o compromisso. Um exemplo claro é o de perder a hora de ir para a academia por ficar mexendo no celular e deixar de fazer exercícios físicos, comprometendo a saúde”, alerta Queiroz.

O psiquiatra ainda explica que, para o nomofóbico, a ausência do celular traz a ansiedade de saber o que está acontecendo enquanto o indivíduo está offline. Ou seja, ele não consegue se concentrar nas atividades necessárias. Porém, esse comportamento se repete até quando a pessoa está com o aparelho, afinal, todas as atenções ficam direcionadas para o ambiente digital. “A fixação é tão grande que atrapalha a capacidade de julgamento do ambiente externo e afeta o discernimento pleno de entender o contexto”, explica Queiroz. Estes sintomas podem estar diretamente ligados à depressão, ser comparados à dependência química e afetam a saúde psíquica do paciente.

A insatisfação pessoal é mais um dos frutos dessa dependência comportamental. O uso compulsivo acaba colocando o indivíduo em contato com realidades diferentes, assumindo padrões que afetam, inconscientemente, a racionalização e contentamento do próprio eu. “No cérebro, temos neurônios espelhos, células nervosas de comparação que, ao serem expostos de maneira frequente a um mesmo padrão, acabam tentando reproduzir o cenário. Isso serve para grandes perfis de viagens, ‘corpos perfeitos’ e demais exemplos que trazem sentimento de inferioridade”, explica.

Quando a dor se torna física

Mais do que as questões emocionais, psíquicas e afetivas, toda estrutura física corporal é prejudicada.  O fisioterapeuta Eduardo Vieira conta que já recebeu um paciente de oito anos que tinha o hábito de usar aparelhos eletrônicos por mais de oito horas por dia e desenvolveu uma tensão que acomete adultos de 30 anos. Em seu consultório, ele notou que as reclamações de dores cervicais e musculares progrediram com o avanço dos dispositivos tecnológicos. “O celular tem sido um grande vilão para todas as idades. É preciso minimizar o tempo, fazer alongamento e, para crianças, optar por atividades lúdicas que movimente o corpo inteiro e não uma movimentação pontual. É questão de equilíbrio”, aponta.

Quanto pesa o equilíbrio?

Para o psiquiatra Tiago Queiroz, a prevenção conta como forma base de tratamento. O uso consciente é o primeiro passo para não se enquadrar no quadro nomofóbico. O tratamento da síndrome se baseia na intervenção comportamental, já que não é possível adotar uma medicação específica. “Aumentar o intervalo de checagem das mensagens diminuindo o número de acessos e não usar durante as refeições são medidas que interferem direto no vício”, aponta.

Fazer o cérebro dissociar o uso do celular antes de dormir pode ser difícil, mas é necessário para uma melhora do funcionamento biológico. “Além de ativar o cérebro, a luz azul do aparelho atrapalha o aprofundamento do sono. Unido à má alimentação, traz consequências negativas claras ao corpo. É preciso se policiar”, finaliza.

Assista o programa Casa Saudável da TVJC: 

 

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