Artes cênicas

Morre Tônia Carrero, um ícone do cinema, teatro e televisão

Atriz de 95 anos passava por uma cirurgia numa clínica particular quando teve uma parada cardíaca e não resistiu

JC Online com informações da Estadão Conteúdo
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Publicado em 04/03/2018 às 7:06
Foto: Reprodução da internet
Atriz de 95 anos passava por uma cirurgia numa clínica particular quando teve uma parada cardíaca e não resistiu - FOTO: Foto: Reprodução da internet
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Faleceu, na noite deste sábado (3), no Rio de Janeiro, a atriz Tônia Carrero, uma das mais consagradas artistas brasileiras, com passagens marcantes pelo teatro, cinema e televisão. Segundo familiares, Tonia Carrero estava passando por cirurgia numa clínica particular da Gávea, quando teve uma parada cardíaca e não resistiu. A pedido da família, a clínica não divulgou maiores detalhes. Ela tinha 95 anos de idade. 

Atriz de uma beleza clássica, Tônia Carrero foi a grande estrela da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que marcou época na cinematografia brasileira.  Atuou em filmes como “Apassionata” (1952), de Fernando de Barros; “Tico-tico no Fubá” (1952), de Adolfo Celi; e “É Proibido Beijar” (1954), de Ugo Lombardi. 

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Na televisão atuou por muitos anos na TV Globo, onde se destacou em papéis como o da sofisticada Stella Fraga Simpson de "Água Viva" (1980), novela de Gilberto Braga, e "Louco Amor" (1983), também de Braga, onde interpretou Mouriel. Também participou de "Senhora do Destino", "Um Só Coração", "Esplendor", "Sangue do Meu Sangue", "Kananga do Japão", "Sassaricando", "Cara a Cara", "Uma Rosa com Amor" 

Foi do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e depois montou sua própria companhia, ao lado do amigo Paulo Autran e do então marido, Adolfo Celi. A Tônia-Celi-Autran celebrizou-se pela montagem de grandes clássicos do teatro. O repertório eclético, iniciado com o clássico "Otelo", passando por "Entre Quatro Paredes" de Sartre e "Seis Personagens à Procura de um Autor", de Pirandello, permitiram à atriz um aprimoramento reconhecido pela crítica.

Amigos para sempre

Sobre Autran, que se tornaria um dos mais aclamados atores brasileiros, uma história curiosa de como Tônia o arrastou para o mundo do teatro. Em 1949, quando Tônia montou ao lado do diretor Fernando de Barros uma companhia de teatro, Paulo Autran era advogado e ator amador. E não pretendia se profissionalizar, ganhava muito bem como advogado, estava satisfeito, o teatro era secundário em sua vida. Numa última cartada, ela pediu-lhe que estipulasse seu salário. Para se ver livre do assédio, Autran pediu um valor absurdamente alto, e ela pagou. Mais tarde, já consagrado, ele repetiria muitas vezes essa história, ao recordar sua longa carreira.

Assim, ambos, Tônia e Autran, que se tornariam 'amigos para sempre' estrearam juntos, profissionalmente, na peça "Um Deus Dormiu Lá em Casa", de Guilherme Figueiredo, sob direção de Silveira Sampaio. Ambos receberam prêmios de revelação e a trupe ganhou fôlego. No ano seguinte, Ziembinski foi convidado para dirigir o espetáculo "Amanhã se Não Chover", de Henrique Pongetti. E no outro ainda, o trio - Tônia, Barros e Autran - se transfere para São Paulo para atuar na Cia. Cinematográfica Vera Cruz e no Teatro Brasileiro de Comédia, ambos empreendimentos do italiano Franco Zampari. O cinema não foi sua principal forma de arte, mas ainda assim até 1977 já tinha participado de 13 filmes.

Em 1968 surpreende ao despojar-se de sua beleza e elegância para encarnar a prostituta Neusa Suely numa montagem de "Navalha na Carne", de Plínio Marcos, dirigida por Fauzi Arap, a quem ela reputava como um de seus mestres na fase da maturidade. Atuação que lhe vale os principais prêmios do ano, entre eles o prestigiado, e cobiçado, Molière.

 

Biografia

Seu nome de batismo era Maria Antonietta Portocarrero Thedim e ela nasceu no Rio de Janeiro, em 23 de agosto de 1922. Tônia era filha do general Hermenegildo Portocarrero, chamado de Barão por causa de um título dado à sua família em gerações anteriores. Engenheiro, o general foi por muitos anos diretor do Colégio Militar. Seus dois filhos mais velhos eram militares como ele.

Mas o general era também um homem das artes, admirador do teatro e amigo de Procópio Ferreira, Walter Pinto, Jaime Costa, Carlos Machado, Oscarito, Dulcina de Moraes e tantos outros nomes célebres. Desde cedo a pequena Maria Antonietta demonstrou interesse pela a dança e o teatro e isso contrariava muito a sua mãe, Zilda, uma dona de casa severa que achava que a filha devia viver para casar e constituir família, como ela e a maioria das mulheres de sua geração.

Tônia formou-se em educação física. Casou-se muito cedo com o artista plástico Carlos Arthur Thiré, com quem começou a namorar aos 14 anos e com quem teria seu único filho, Cecil Thiré. Com Carlos Arthur Tônia morou em Paris, onde estudou teatro. Foi no retorno ao Brasil que sua carreira engrenou. 

Ao completar 80 anos Tônia contou parte de sua vida no palco, no solo "Amigas para Sempre", dirigido pelo gaúcho Luiz Arthur Nunes, autor do roteiro criado a partir de entrevistas .

No palco, revelou então nunca ter abandonado a 'persona' Mariinha - como era chamada pelos íntimos - e relembrou com leveza e bom humor a festa que se tornara sua vida, já casada, na Ipanema da década de 40. Nessa época passou a conviver com intelectuais e artistas sobretudo na casa do escritor Aníbal Machado, pai da autora de Pluft, o Fantasminha, Maria Clara Machado. "Hoje não existe mais uma casa assim, ponto de encontro até para estrangeiros de passagem pelo Brasil", relembrava em cena. Ali conhecera os poetas Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o músico Ronaldo Bôscoli e o cronista Rubem Braga. Muitos caíram de amores por aquela mulher de rara beleza, bronzeada pelo frescobol na praia.

No mesmo solo narrou, para delícia do público, a paixão do escritor de Rubem Braga por ela, 'resolvida' num namoro meteórico. E contou ainda que mesmo Drummond, o mineiro reservadíssimo, não resistiu ao galanteio ao conhecê-la na 'casa do Aníbal'. Mas nem tudo era festa. Tônia tinha ambições. Formada em Educação Física, queria ser atriz, mas ninguém levava tal projeto a sério. Em uma época de raras escolas de teatro, deixou o filho pequeno com a babá e partiu para a França, onde fez um curso livre de iniciação teatral com Jean Louis Barrault

"Até bem pouco tempo era feio ser atriz. Era pobre, triste ter na família uma mulher se exibindo no palco, na tela de cinema ou de TV", contou em seu livro de memória "O Monstro dos Olhos Azuis" (LPM). Seu pai era militar e alcançou a patente de general. Seus irmãos seguiram a mesma carreira. Só ela, contrariando toda a família, inclusive a mãe, optou pela arte. Ao escrever sua biografia, depois de 60 anos de trajetória em palcos e telas, do cinema e da TV, Tônia Carrero tinha motivos para se orgulhar da atitude corajosa e da persistência de Mariinha. Só lamentava, em entrevistas, o inevitável envelhecimento. Saudade, só da beleza estonteante da juventude. Nada mais compreensível.

Com a saúde debilitada, há cerca de nove anos ela havia perdido a fala e os movimentos das mãos e das pernas. Em 2000 ela foi diagnosticaca com hidrocefalia oculta e vivia reclusa em sua casa, na Zona Sul do Rio. Além do filho, Cecil, Tônia deixa quatro netos. Três deles são atores, como ela e Cecil: Miguel Thiré, Luísa Thiré e Carlos Thiré.

  

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