Reflexão

27º Festival de Curitiba aposta em peças que discutem o contemporâneo

Com curadoria de Guilherme Weber e Márcio Abreu, festival faz edição provocativa

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 04/04/2018 às 12:16
Nana Moraes/Divulgação
Com curadoria de Guilherme Weber e Márcio Abreu, festival faz edição provocativa - FOTO: Nana Moraes/Divulgação
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Em momentos de recrudescimento da intolerância, como o vivido agora pelo Brasil, a arte se reafirma como uma trincheira de resistência contra o obscurantismo. As artes cênicas, particularmente, respondem com uma urgência singular às turbulências do contemporâneo, como é possível observar em várias produções em destaque no 27º Festival de Curitiba. O maior evento do gênero no país tem programação até domingo, com espetáculos que tocam em assuntos espinhosos da nossa sociedade.

Pelo terceiro ano, a maratona cênica tem curadoria de Guilherme Weber e Márcio Abreu e dá continuidade à proposta de tensionar a crise política e social pela qual atravessa o Brasil. Um dos exemplos dessa proposta de incitar o debate e a reflexão é o espetáculo Domínio Público, apresentado na semana passada, que reuniu Elisabete Finger, Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz, artistas que se viram no centro de polêmicas envolvendo censura e arte. O trabalho foi apoiado pelo Festival de Curitiba e busca provocar o público a respeito da censura. Maikon, por exemplo, chegou a ser preso ano passado, em Brasília, por atentado ao pudor, durante apresentação da performance DNA de DAN.

“Não foi apenas uma decisão curatorial entrar neste lugar, mas uma necessidade em relação ao mundo. Quando entramos na curadoria, coincidiu com uma mudança na conjuntura mundial, na política, na forma como os jovens encaram os papéis sociais etc. Acho que foi uma resposta do festival a este público que buscava espetáculos com propostas mais críticas e provocativas. O teatro tem uma característica na sua origem efêmera que é poder responder muito rapidamente a qualquer tipo de repressão. É uma arte que pode ser desenvolvida artesanalmente, por qualquer pessoa, em qualquer esquina. O teatro serve muito bem para esses questionamentos emergenciais”, reflete Weber.

Essa inquietação citada pelo curador é refletida, direta e/ou indiretamente em várias obras da mostra principal do evento, como em Manual de Autodefesa Intelectual, da Kiwi Companhia de Teatro; o solo Denise Stoklos em Extinção, que estreia amanhã e é inspirado no provocador livro Extinção, de Thomas Bernhard; Preto, dirigido por Márcio Abreu, que aborda as temáticas de gênero e raça; e Vamos Fazer Nós Mesmos, espetáculo do coletivo holandês Wunderbaum que, a partir da premissa do fim do estado do bem-estar social, pergunta: o que queremos de um governo?

Para definir o recorte da curadoria foi utilizada a frase que abre a autopsia do cineasta e poeta Pier Paolo Pasolini, assassinado em 1975 e homossexual assumido: “Se é de corpos ou cidades que devemos falar”.

“O cadáver dele era muito incômodo para toda a sociedade porque toca em questões muito delicadas e incita muitas questões (o artista era homossexual assumido). Então, lançamos o olhar para os corpos à margem e suas relações com a cidade, que tipo de narrativas e pensamentos inspiram esses corpos anárquicos, queer, o corpo violentamente fora do escopo da aceitação da sociedade?”, enfatiza o curador.

Weber afirmou ainda que ele e Abreu devem permanecer na curadoria do festival, no máximo, por mais dois anos. Isso porque eles acreditam que é necessário um tempo para que se desenvolva uma assinatura, germine novas possibilidades, mas que a renovação do pensamento é necessária.

“Toda curadoria é feita de repertórios pessoais, redes de relações artísticas e, por isso, uma mudança de curadoria transforma tudo. Cinco, seis anos é o tempo necessário para deixar um legado e, ao mesmo tempo, não se tornar viciado na mesma estrutura. Cabe aos curadores fornecer perguntas, mas deixar que os artistas respondam”, pontua.

CONSOLIDAÇÃO

Criado em 1992 por Leandro Knopfholz, o Festival de Curitiba se tornou uma referência nacional, realizando anualmente mais de 400 apresentações para um público estimado de 200 mil pessoas. Atualmente, o orçamento do festival gira em torno de R$ 6,5 milhões.

Para Knopfholz, ao assumir um caráter mais crítico, o festival não sofreu qualquer tipo de revés em relação aos patrocinadores ou público. Pelo contrário, ganhou novo fôlego.

"Guilherme e Márcio trouxeram uma proposta de uma manifestação mais política, um posicionamento. Acho que o festival tem essa missão de se posicionar politicamente quanto às situações sociais do Brasil. Hoje, nossa receita é 80% patrocínio e 20% bilheteria. A gente não vende uma programação específica; os patrocinadores confiam na nossa visão. Isso mostra que há uma confiança no nosso trabalho porque os patrocinadores podem até não concordar com o posicionamento de algumas obras, mas confiam na proposta do evento. Quanto ao público, este ano, a venda de ingressos já é 16% maior do que no ano anterior”, enfatiza o diretor do festival.

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