Fotografia

O Livro do Sol, do artista pernambucano Gilvan Barreto, confronta paisagens do Sertão com o mundo real

Embrenhado na maior seca das últimas décadas, fotógrafo cria uma obra que recusa os clichês regionais

Diana Moura
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Diana Moura
Publicado em 21/11/2013 às 6:10
Gilvan Barreto/Divulgação
Embrenhado na maior seca das últimas décadas, fotógrafo cria uma obra que recusa os clichês regionais - FOTO: Gilvan Barreto/Divulgação
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No campo da literatura, o Sertão é um território que pende entre dois eixos: a aspereza reta euclidiana e a sinuosidade fabulosa roseana. Os dois pontos se conciliam na obra de Ariano Suassuna – que alcança transitar pela força da prosa de Euclides da Cunha e pela imaginação poética de Guimarães Rosa –, que cria um mundo só seu, extraído do real, onde viveu, e consolidado na ficção. No campo da imagem, o fotógrafo e artista plástico Gilvan Barreto fez o mesmo percurso do autor paraibano para, descendo até o Sertão geográfico, voltar de lá com um universo novo, situado entre o político e o afetivo. O resultado está em O livro do Sol, que ele lança hoje, às 19h30, No Capibaribe Centro da Imagem.

A obra – um livro de fotografias – tem curadoria da antropóloga Georgia Quintas, textos do próprio Gilvan e da jornalista Adriana Victor. Bela e poética, a produção textual sublinha as imagens sem redundâncias.

Corresponsável pela edição final das imagens, Georgia explica que boa parte de seu trabalho foi levar o artista a se desapegar de algumas fotografias. “Coloquei certas questões para que ele rompesse com apegos, porque não era um trabalho de fotojornalismo, nem de fotografia editorial. Não era a proposta fazer mais um livro sobre o Sertão”, afirma a antropóloga. No processo de seleção, ela comenta que optou por retirar cenas que entregavam um Sertão fácil, de beleza extrema ou de reconhecimento imediato.

De fato, O livro do Sol não é mais um catálogo de clichês sertanejos. Mesmo quando temas recorrentes se fazem presentes, eles ganham contornos inteiramente novos pelo olhar do artista pernambucano, atualmente radicado no Rio de Janeiro.

Para chegar nesse resultado, Gilvan baixou a paleta das imagens. O Sol do artista, como faz questão de enfatizar, é o que se põe. Em vez da glória do dia que nasce, o artista optou por revelar o rastro silencioso de lamento e luto deixado pela bola de fogo que se arrasta pela terra. O livro do Sol é noturno, escuro e solitário, numa exuberância às avessas. 

Gilvan trafegou nas estradas pernambucanas para retratar a maior seca registrada no Nordeste nos últimos 60 anos. Extraiu de sua geografia paisagens que beiram o surreal mas que, de tão verdadeiras, colocam o observador diante de uma questão fundamental para a contemporaneidade: o que é o real? Que linha separa a fotografia sem retoques de Gilvan do sonho?

Como já havia percebido o filósofo francês Gaston Bachelard (1884 - 1962): “O devaneio alimenta-se de espetáculos variados; mas por uma espécie de inclinação inerente, ele contempla a grandeza”. São então a grandeza e o devaneio que, amalgamados, compõem O livro do Sol


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