Polêmica

Obra de Lourival Cuquinha sofre ameaça no Rio

Bandeira de Israel confeccionada com dólares incitou protestos na ArtRio

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 15/09/2015 às 6:24
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Bandeira de Israel confeccionada com dólares incitou protestos na ArtRio - FOTO: Divulgação
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A crise econômica e a ausência de compradores pareciam as questões mais prementes da ArtRio 2015 – o evento internacional de arte contemporânea, iniciado, no Rio de Janeiro, no dia 5 – quando o artista pernambucano Lourival Cuquinha se viu envolvido em polêmica da feira de artes, uma das mais importantes do País, encerrada no último domingo (13).
Notório no circuito internacional pelas obras questionando o poder do capital, inclusive no mercado artístico, Cuquinha expôs uma bandeira de Israel confeccionada com cédulas de dólares: foi o suficiente para ser alvo de protestos e ameaças de grupos que viram na obra um desrespeito e incitação ao antissemitismo.
Na sexta e no sábado, Laura Marsiaj, da Marsiaj Tempo Galeria, representante do trabalho de Cuquinha no Rio de Janeiro, recebeu a visita de várias pessoas que se declaravam judias. “Eles ameaçaram a galeria de antissemitismo, de preconceito contra o Estado de Israel. O que é um absurdo, porque não se trata da bandeira de Israel, mas da obra de um artista”, disse ela, por telefone, do Rio, ao JC.
No domingo, a galerista compareceu à feira com um exemplar da Constituição Brasileira. Uma forma de se proteger dos ataques. “Sem se identificar, eles procuraram a direção da feira e exigiram que a obra fosse retirada”, diz a galerista, que se recusou a esconder a bandeira de Cuquinha. “Seria um gesto inconstitucional, já que nossa Constituição permite o direito de expressão artística”, diz. Como houve também ameaça verbal de que a bandeira seria queimada, a galerista precisou solicitar segurança extra para o estande.
Obra do Magen David Financial Art Project III, exibida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro ano passado, a bandeira é composta por 124 notas de dólares e 900 de shekels, a moeda israelita, costurados com linha de algodão, mastro de aço, moedas de cinco centavos de real e fio de cobre. Cuquinha lembra que “obra não é nada enigmática”. Ou seja, questiona, em ternos financeiros, as óbvias relações entre os Estados Unidos e o Estado de Israel.
“Essa bandeira eu não fiz agora, fazia parte da exposição no MAM, ano passado. Laura resolveu mostrar na feira, e achei pertinente por toda a questão do Oriente Médio, essa questão toda caótica, com todo o belicismo que acontece por lá”, diz ele, que na instalação relativa à série, tem outra bandeira feita de dólares cobertos com petróleo. Cuquinha tem ainda uma série de bandeiras recentes em que evidencia a presença e os descaminhos do capital na trajetória das migrações contemporâneas, sintetizando a biografia de migrantes e refugiados que encontra pelo mundo.
A exposição Territórios e Capital: Extinções é a culminância recente da investigação artística de Cuquinha sobre a preponderância do dinheiro no mundo – e também na arte. A obra teve início entre 2007 e 2008, quando o artista, morador de Londres, leu uma notícia no The Sun, informando que 80% dos ingleses não perceberiam se 1.000 libras fossem subtraídas de suas contas bancárias.
Ele começou, então, a usar o dinheiro como matéria e argumento de uma série de obras confeccionadas com cédulas verdadeiras, obtidas em seu trabalho como puxador de um táxi manual conhecido como riquixá e com doações de amigos investidores, depois recompensados com a valorização concreta e simbólica do dinheiro ao ser convertido em obra de arte. O trabalho de Cuquinha já foi exposto em galerias e instituições de arte da Europa – sem nunca ter sofrido retaliações como a do último final de semana no Rio de Janeiro.

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