Em abril de 2014, Márcio Almeida, 53 anos, e Daniel Santiago, 77, se encontraram para um café em Lisboa. O estabelecimento era o Nicola, que fica na Praça do Rocio. Ambos sem grandes pretensões que não fosse sorver o líquido da xícara e compartilhar um charuto.
Ainda sob efeito do jet lag (anglicismo que define o desnorteamento que nos assalta depois de um voo em direção a um lugar com fuso horário diferente daquele do Brasil), Márcio sentiu uma súbita nostalgia, não se sabe porque, aplacada com uma das estrofes do poema Navio Negreiro, de Castro Alves.
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto /Que o pavilhão se lave no teu pranto!... /Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra/E as promessas divinas da esperança...
Decidiram, ali mesmo, dirigir-se às margens do Rio Tejo para melhor arejar aquilo que, até então, Márcio reputava como “bobagem de brasileiro”, a saudade que dá tão logo nossos conterrâneos colocam o pé em terra estrangeira. Foi quando avistaram o pneu de um trator (ou seria caminhão) semi-enterrado nas margens e resolveram fazer o que eles chamaram de “fotoperformance”.
Daniel, então, trajando terno escuro, chapéu branco, bengala e um par de tênis Adidas, subiu no círculo de borracha, fez da bengala um remo e pôs-se a declamar o que conseguia lembrar do que foi escrito, em seis partes, pelo poeta abolicionista. A ação foi registrada em foto e em vídeo no local. O áudio, gravado em estúdio no Recife, fez o protagonista chorar, duas vezes. À performance foi dado o título Jet Lag.
Nascia ali a ideia de os dois atuarem juntos mais rotineiramente. Para isso montaram uma “equipe de dois” e batizaram-na de S/A, passando a desenvolver trabalhos que se inserissem no perfil de instalação, agrupando, além dos elementos audiovisuais ancorados em tecnologia, quaisquer outros que servissem ao propósito. “Quem diz o suporte a ser trabalhado é a ideia que você tem”, resume Márcio Almeida.
Hoje, a partir das 19h, na Galeria Amparo 60, o público poderá ver três elementos surgidos dessa simbiose, que os artistas também chamam de “corrupção”, no sentido de que um transforma outro no processo de se colocar artisticamente. O primeiro deles é um cartaz que traz os dizeres América Bela Madura e Doce. O objeto é um exemplo concreto da ação de dois artistas conceituais, apartados geracionalmente e novamente reunidos por afinidades.
A tipografia e o design, a cargo de Daniel Santiago, entram em conluio com uma colagem de Márcio Almeida, que utilizou a foto de Carmen Miranda (tirada da internet) como elemento central, tendo como complemento vários elementos bélicos (retirados de uma revista especializada), inclusive sobre seu turbante, no lugar das frutas. Cem reproduções viraram cartazes, numerados e assinados, que serão lançados hoje como gravuras para serem adquiridas.
Ainda em exposição estarão duas das fotoperformances assinadas pela dupla: a já referida Jet Lag e Tovarich camarada, em russo), na qual Almeida e Santiago confrontam-se diante de uma mesa de banquete, em ambiente senhorial, como se fossem a mesma pessoa, expostas à ação do tempo como um espelho.
Tempo, espaço, terra prometida, falsas promessas, aproximação, distanciamento, estereótipos e realidade dialogam o tempo todo. Como se a equipe S/A sugerisse que, sim, somos todos prisioneiros da mesma barca.
Lançamento Equipe S/A – Hoje, 19h, na Amparo 60. Av. Domingos Ferreira, 92, Pina, fone: 3033-6060