CINEMA

Gabriel e a Montanha leva cinema brasileiro para o Festival de Cannes

Filme de Fellipe Barbosa teve estreia mundial na Semana da Crítica

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 22/05/2017 às 7:36
Pedro Sotero/Divulgação
Filme de Fellipe Barbosa teve estreia mundial na Semana da Crítica - FOTO: Pedro Sotero/Divulgação
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Em 17 julho de 2009, o economista carioca Gabriel Buchmann, então com 28 anos – o último passado na Ásia, no Oriente Médio e na África, onde andou por 26 países - estava a pouco mais de uma semana para voltar ao Brasil. A viagem era a preparação de um PhD que Gabriel iria fazer numa universidade americana, para estudar maneiras de ajudar as populações mais pobres do mundo. Naquele dia, porém, Gabriel subiu a montanha Mulanje, no Malaui, após dispensar um guia local, e não desceu. Ele foi encontrado 19 dias depois, sem vida, vítima de hipotermia.

A história da viagem e da morte de Gabriel Buchmann é contada no longa-metragem Gabriel e a Montanha, que fez sua première mundial ontem, na Semana da Crítica, uma das mostras paralelas do Festival de Cannes. Quem dirigiu o filme foi Fellipe Barbosa, amigo de Gabriel, ambos estudantes do Colégio Pedro II. Eles se separaram quando Fellipe foi estudar cinema e Gabriel, economia. O tradicional colégio carioca, frequentado por alunos de classe média alta, foi um dos palcos de Casa Grande, o primeiro longa-metragem de ficção do diretor, lançado em 2014.

Fellipe Barbosa se detém nos últimos quatro países africanos que Gabriel percorreu, cerca de 70 dias antes de subir a montanha: Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Maláui. Para refazer os passos de Gabriel, ele teve acesso às fotos que o amigo tirou, diários de viagem, e-mails familiares, as confidências da namorada Cristina e dos amigos feitos durante a viagem, que também participam do filme. Apesar de tantos elementos reais, Gabriel e a Montanha não é um documentário, embora tenha comentários das pessoas pessoais e seja ilustrado com as fotos encontradas em sua câmera.

Como amigo de longa data, Fellipe não só conhecia Gabriel – numa excelente intepretação João Pedro Zappa, de Boa Sorte - como também seus sonhos. Ele mostra que, apesar de pertencer a uma elite, Gabriel não queria seguir modelos pré-estabelecidos e por isso correu o mundo, nunca como turista, para sentir na pele como viviam os pobres. Armado de muita empatia, ele dividia a grana com as famílias locais para poder dormir na casa delas, muitas vezes partilhando a mesma cama. Vestido com uma camisa do Flamengo e falando que era brasileiro, Gabriel não queria ser apenas um Mzungu (branco), mas alguém que carregava um carinho ancestral pelas pessoas comuns daqueles países.

CONTRADIÇÕES

Ao mesmo, Gabriel era contraditório, tinha espírito aventureiro, conquistador e temerário, pois gostava de escalar montanhas. No Quênia, por exemplo, subiu o Monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África, ao lado de um guia. Com a namorada Cristina (Caroline Abras, de Sangue Azul), Gabriel visitou as Cataratas Vitória, na Tanzânia, e um safári na Zâmbia. Namorados recentes, os dois ainda estavam acertando algumas contas do início do relacionamento, que Fellipe não deixa de colocar no relato.

Novamente com a parceria do diretor de fotografia pernambucano Pedro Sotero, o mesmo dos filmes de Kleber Mendonça Filho, Fellipe reconstrói a história de Gabriel Buchmann com rigor e respeito, tanto pelos lugares quanto pelas pessoas que o conheceram. Por isso, a imagem está sempre a serviço da narrativa, sem precisar chamar a atenção. O som do filme também é outro elemento vivo, com o registro ora caótico ora silencioso das cidades, aldeias e montanhas visitadas por Gabriel e Cristina. Mas, acima de tudo, Gabriel e a Montanha é um lamento e a tentativa de um amigo à procura de respostas sobre o destino de alguém que estava querendo fazer a diferença, na construção de uma política humanitária para além dos gabinetes.

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