Entrevista

Em conversa exclusiva com o JC, José Eduardo Agualusa fala sobre novo romance

O escritor angolano também confessa o seu afeto por Pernambuco

Adriana Victor
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Adriana Victor
Publicado em 19/07/2015 às 7:30
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O escritor angolano também confessa o seu afeto por Pernambuco - FOTO: Divulgação
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JORNAL DO COMMERCIO – Como surgiu A Vida no Céu? Havia uma ideia pronta, roteirizada, ou ela foi tomando vida enquanto ia sendo criada?

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA – Surgiu de um sonho. Sonhei com uma frase, essa frase, “a vida no céu”, e na manhã seguinte, enquanto ia despertando e organizando o meu dia, aquele mundo flutuante começou a crescer dentro do meu espírito. Ao final do dia, eu já estava a viver naquelas aldeias suspensas entre as nuvens, nos dirigíveis grandes como cidades, já sabia até como era nascer e crescer nas balsas e nas redes. Nos dias seguintes fui criando os personagens.

JC – Existia uma vontade de escrever para jovens?

AGUALUSA – Existia. Queria muito escrever um romance que pudesse interessar aos meus filhos. Na época a minha filha tinha8 anos, o meu filho 15. Enquanto escrevia, fui lendo o romance para eles, capítulo a capítulo. Fomos discutindo idéias. Algumas das reviravoltas que acontecem no livro, como a tomada do dirigível chamado Paris por um grupo de piratas, resultaram de sugestões deles.

JC – Este é um livro direcionado a jovens? Ou os “outros sonhadores” somos todos nós, de todas as idades?

AGUALUSA – Em Portugal, o livro alcançou todas as idades. Tenho noção disso por causa das feiras do livro e dos vários festivais literários em que venho participando. Há pessoas mais velhas que vêm ter comigo, comovidas com a leitura do livro, homens e mulheres. Devo dizer que, para mim, isso foi uma surpresa. Não imaginei que houvesse tantos sonhadores.

JC – Este é também um livro de poesia? 

AGUALUSA – Fico feliz se as pessoas acharem que sim. Sou um grande leitor de poesia, leio poesia antes de escrever, como exercício de aquecimento. A minha biblioteca inclui uma enorme secção de poesia. Então, é natural que a poesia se infiltre em tudo aquilo que escrevo.

JC – A poesia, a meu ver, espalha-se pela sua criação: “Mar: O céu em estado líquido”. “Noite: o vazio que há entre as estrelas”. 

AGUALUSA – Bem, o livro inclui um “brevíssimo dicionário filosófico do mundo flutuante para uso de nefelibatas amadores” – esse dicionário é um exercício poético, sim. Estou até pensando em publicar um dicionário alargado. O meu editor português manifestou-se interessado nisso. Não sei o que dirá o editor brasileiro.

JC – Você precisou usar uma espécie de couraça do romancista e prosador para poder libertar o poeta?

AGUALUSA – Não, não, escrevo nu. Um escritor, romancista ou poeta, não pode usar couraças. Tem de ter a coragem de se expor. Escrever é exposição. Exposição aos outros, sim, mas sobretudo exposição a tudo aquilo que nos rodeia e nos inquieta, amedronta, nos apaixona.

JC – Existe algum projeto ou ideia de publicação de um livro de poesia?

AGUALUSA – Sim, publiquei há muitos anos um mau livro de poesia. Gostaria de me tentar redimir.

JC – Há, em diversos momentos, citações ao livro, ao papel: “Acariciam as capas, cheiram as folhas com deleite”. Além disso, há Luanda, a aldeia-biblioteca. Você teme o fim do papel? 

AGUALUSA – Não sei se temer é a palavra certa. Acho inevitável, mas também acho que se isso acontecer é porque, entretanto, encontramos soluções melhores. Repare, o livro de papel também não é perfeito, inclusive de um ponto de vista ambiental. Tem custos grandes. Eu sou ecologista, aliás este é um romance ecologista, e não me custa abandonar o livro em papel, por muito que ame os livros em papel – e amo! – por um outro suporte mais ecológico, democrático e sustentável. De qualquer forma o importante é o conteúdo, não é o suporte.

JC – Você vai inventando um mundo, imaginário, fictício, e vai nos fazendo acreditar nele. Este é, afinal, o poder e objetivo maior da literatura? Levar-nos ao sonho?

AGUALUSA – Que bom que você diz isso. Sim, claro, a boa literatura é aquela que nos faz acreditar noutros mundos. É aquela que nos faz ser outras pessoas. Enquanto lemos o livro somos aquele narrador, somos um determinado personagem. Se isso acontecer, ao sairmos do livro sairemos sempre modificados. A boa literatura humaniza.

JC – A crítica social também está presente em diversos trechos do livro, mais notadamente em relação aos processos migratórios. Este é um assunto que o incomoda? A que ponto?

AGUALUSA – Claro. Vivo há muitos anos fora do meu país. Sou muito sensível a todas as questões que têm a ver com imigração, integração e identidade. Além disso são questões extremamente atuais.

JC – O livro é descrito como “um divertido exercício de imaginação”, que elevou mais de dois anos para ser escrito. Você teme por essa geração que usa muito mais o computador do que os livros?

AGUALUSA – Usa mesmo? Não tenho a certeza. Não conheço as estatísticas no Brasil mas parece-me bastanto claro que há hoje muito mais crianças e jovens a ler, e a ler boa literatura, do que há cinquenta anos. E não estou a falar em números absolutos. Estou a falar em números relativos. Viajo muito. Tenho estado em dezenas de festivais literários, no Brasil inteiro, e encontro sempre leitores jovens. 

JC – O que ainda há de Olinda e Recife em você?

AGUALUSA – Ainda?! Eu sou meio pernambucano. Sou mesmo. Eu me identifico com a música pernambucana, tão diferente da que se faz no resto do Brasil, e com o cinema e com a literatura. Eu ouço o Siba, o Alceu Valença, a Selma do Coco, e entendo o que eles estão a cantar. Rio do que eles estão a cantar. Me comovo. Eles cantam para mim. Cantam sobre momentos que eu vivi, sobre lugares que também me pertencem. Eu me sinto pessoalmente ofendido se ouço alguém fazer um comentário depreciativo sobre os nordestinos. A verdade é que eu gostaria de voltar a viver em Olinda. Quem sabe eu encontro uma noiva pernambucana e compro finalmente um casarão antigo, com uma varanda bonita, com uma mangueira grande no quintal, e volto para Olinda. 

JC – Considera-se um sonhador? E com o que sonhas?

AGUALUSA – Estou a escrever um romance sobre sonhos. Sou um sonhador no sentido literal. Sonho muito. Quando me deito para dormir estou a ir para o trabalho. Sonhar faz parte do meu ofício.


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