VERSOS

Cida Pedrosa investe na poética popular em 'Claranã'

No novo livro, a poeta concilia as formas rígidas do cancioneiro com suas temáticas políticas e urbanas

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 27/10/2015 às 5:54
Rick Rodrigs/Divulgação
No novo livro, a poeta concilia as formas rígidas do cancioneiro com suas temáticas políticas e urbanas - FOTO: Rick Rodrigs/Divulgação
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Ainda que nascida em Bodocó, lugar, como muitos do interior nordestino, em que impera a força da poesia popular, Cida Pedrosa sempre foi uma “poeta de bancada” – apelido dado pelos cantadores para quem só cria versos na reclusão, anotando em lápis e papel ou computadores –, associada sempre ao universo e aos temas urbanos. No entanto, vez ou outra, ela via surgir dentro de si os versos fluídos e rigidamente metrificados da cantoria popular, parte essencial da sua formação e criação no Sertão pernambucano.

Em 2010, Cida começou a dar mais atenção a seus trabalhos com glosas, galopes e outros formatos. Começava ali, com hesitações, a fazer seu primeiro livro com uma raiz poética popular. Nesta terça (27/10), ela apresenta ao público os 40 poemas do volume Claranã (Confraria do Vento) na Torre Malakoff, a partir das 19h. O evento ainda conta com um recital marcado pelo reencontro entre Cida, Susana Morais, Mariane Bigio e Silvana Menezes, do grupo Vozes Femininas.

O impulso do livro veio, em grande parte, por essa “dívida” com a ancestralidade da poesia popular, que andava escondida por um bom tempo. Outro empurrão foi a provocação de Sennor Ramos, companheiro de Cida, que dizia que ela “falava em 7 e arengava em 10 sílabas poéticas”. “Eu comecei a participar das pelejas virtuais do Interpoética, respondendo glosas ao lado de outros grandes poetas populares. As pessoas menosprezam esse tipo de verso, mas não sabem o quão complexo é fazer a poesia com uma rigidez imensa, respeitando a métrica e as entonações”, comenta Cida.

Claranã, título da obra, é uma referência à pedra que fica próxima a Bodocó. Na infância, Cida sentava ao lado do pai e ficava olhando o local de longe, imaginando o que havia lá. “Claranã significa clarão, e é isso que o livro é: uma clarão na minha vida literária”, define. “Eu estou saindo agora dos meus poemas em versos brancos e livres, para entrar em outra pegada, de algo antigo, que está sendo feito há 500 anos.”

A obra conta com um prefácio do escritor Braulio Tavares e xilogravuras de Marcelo Soares, além da colaboração de muitos amigos e mestres de Cida, que a provocaram com motes – estão lá Wilson Freire, Marco Polo Guimarães, Jorge Filó, Chico Pedrosa e Ésio Rafael, por exemplo. Mas, se as formas poéticas e a métrica trazem essa inspiração popular, a temática dos versos tenta fugir de abordagens já comuns.

O erotismo de Cida, já revelado com potência em As Filhas de Lilith, aparece aqui em rimas e versos cadenciados, gerando um galope (poemas com dez versos de onze sílabas) sobre um amor gay, por exemplo. “Desde que vim para o Recife, eu precisei negar a poesia do interior. Jovem sempre gosta de romper. Quando vi agora, tudo isso estava junto comigo. Esse livro é uma tentativa de me dar uma unidade, de unir o que eu sempre disse na minha poesia com os meus sons ancestrais”, descreve.

É por isso que Cida descreve o volume como um “paradoxo”: são os seus temas em formas poéticas que não são nada simples. A escrita da pernambucana era intuitiva na maioria das vezes e, para se preocupar com a metrificação, ela às vezes precisou trabalhar recorrentemente uma mesma ideia. Duas ajudas foram fundamentais: a de Sennor Ramos, que a ajudou a conferir os versos, e a de Meca Moreno, que fez a revisão final dos poemas da obra.

Da união desses dois universos é que nasce seu duplo nervosismo: Cida tem receio que o livro soe estranho tanto para quem conhece a sua poesia urbana como para quem é apreciador da poética popular. “Vou lançar o livro na sexta, em Bodocó, e a necessidade que eu tenho que a minha cidade me entenda é muito forte. Tanto que glosei motes de vários grandes mestres e reescrevia três ou quatro vezes porque queria fazer um poema digno daqueles versos tão bonitos. Eu precisava sentir que não estava enfiando o mote”, confessa.

Um dos poemas, feito em homenagem a Heitor Villa-Lobos, é especialmente ilustrativo da busca da autora. Começa dizendo que “fera que foge da jaula/ vira caça lá na trilha”, trecho que já sugere o medo do compositor, que unia o erudito com as raízes populares e temia ser criticado pelos dois universos, assim como Cida. Não é tarefa fácil, mas ela também se arriscou fora das próprias rédeas: Claranã é sua busca, bem dosada e bela, por “uivar para além da aldeia” e “voar de caravela”.

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