CRÍTICA

O pós-terror é mais que o susto: resenha do livro de Santiago Nazarian

Autor paulistano acaba de lançar sua 'Neve Negra'

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 27/08/2017 às 9:00
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Autor paulistano acaba de lançar sua 'Neve Negra' - FOTO: Foto: Divulgação
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O que seria de uma história de suspense se o perfil psicológico dos personagens fosse revelado logo de início? Santiago Nazarian parece responder a essa pergunta no primeiro capítulo de seu novo livro, Neve Negra (208 pgs, R$ 39,90, Cia. das Letras), de maneira metalinguística, a partir da fala de seu protagonista. “Personagem explicado, perfil esclarecido não teria tanta graça”, analisa o personagem a respeito de um assunto que – no enredo – nada tem a ver com literatura.

E Nazarian parece seguir a premissa de seu protagonista à risca: o leitor precisa aguardar alguns capítulos para descobrir que Bruno Schwarz é um artista plástico badalado de meia idade, já cinquentão, que se preocupa em fazer uma arte voltada para o grande público – algo palatável e de fácil entendimento, analisada em diversas passagens com autoironia. Bruno é também esposo de Bianca e pai de Alvinho, um menino de sete anos.... “bem, talvez já sejam oito”, como ele mesmo reflete ao demonstrar que não vem estando muito presente na vida familiar nos últimos tempos.

Seu caráter blasé, sedutor e o fato de ser muito bem sucedido em sua profissão é, entretanto, entregue sem delongas ao leitor, que acompanha nas primeiras páginas a chegada de Bruno a Santa Catarina natal, após uma viagem de trabalho – em um voo internacional na classe premium, claro. Seguindo para a pequena cidade de Trevo do Sul, onde mora, Bruno escuta uma entrevista na rádio local e, neste diálogo radiofônico, Nazarian introduz o primeiro elemento inusitado da história: a neve. Esta é a noite mais fria do ano e, durante as horas que se estendem até a madrugada, é que todo o enredo vai se desenvolver, a não ser pelos vários flashbacks da memória de Bruno (através dos quais é possível conhecer um pouco mais de sua história).

Mas atenção, Neve Negra não é nem um thriller policial nem somente uma história de suspense, mas sim – segundo definição do próprio autor – um livro de pós-terror. É fácil analisá-lo como tal após terminar a leitura, mas nas 60 primeiras páginas impera apenas um leve clima de tensão, construído entretanto de maneira instigante e misteriosa. Por que a esposa não acorda com o grito de Alvinho após um pesadelo? Porque o filho não responde corretamente às indagações do pai sobre o porquê de ele ter animais empalhados no quarto? Como se deu a perda da filha que o casal teve na juventude? Quais os motivos que levaram a relação amorosa deles esfriar? A reviravolta na aparente normalidade da noite e do lar da família Schwarz é quebrada com a aparição do neto do Velho Grüne, o vizinho taxidermista, até então desconhecido de Bruno. Seria ele um alter ego de Santiago Nazarian? Thomas é um jovem escritor, de cabelos pretos e que tem predileção por histórias noturnas e lendas urbanas de assombração e sua presença vai trazer ainda mais dúvidas sobre o filho de Bruno e o que vinha acontecendo até o momento de sua chegada naquela noite.

O encontro com o vizinho também vai deslocar um pouco o cenário principal da noite para o lado de fora, fazendo o artista sair de sua casa. Esta última é um ponto de encontro entre o passado e o presente da vida do protagonista: ela pertenceu a seu avô, depois a seu pai e, quando o casal Schwarz decidiu que era chegada a hora de sair de São Paulo e procurar um lugar mais próximo da natureza, a referência catarinense da infância de Bruno se revelou como a melhor opção.

Não é de todo acaso que as figuras marcantes das duas gerações anteriores à do personagem sejam masculinas. Intrínsecas ao suspense do livro estão questões de paternidade, suspeita de infidelidade e morte, tríade que Nazarian soube usar para construir uma boa história. Neve Negra ambienta todas essas temáticas num cenário invernal, onde os acontecimentos que envolvem o protagonista permanecem na linha tênue entre delírio e surrealismo.

Confira um trecho do livro:

"Há algo de errado com meu filho. E não posso dizer que me surpreendo. Esperei a vida toda por isso. Desde o primeiro dia, desde antes, espero algum sinal de anomalia. A mancha vermelha na testa desapareceu, então esperamos os primeiros passos. Ele engatinhou e se levantou, então esperamos as primeiras palavras. Alvinho falou – acho que foi algo previsível como mamá– e esperamos as convulsões. A cada frango servido, esperava o osso da sorte a travar-lhe a garganta. Sempre que eu voltava de uma viagem, sempre que, de longe, perguntava sobre ele, esperava, temia, ansiava pela má notícia que acreditava ser inevitável recair sobre meu filho."

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