POESIA

Poesia completa de Alberto da Cunha Melo é lançada

Poeta da Geração 65 deixou um legado vasto e precioso, que foi organizado pela viúva, Cláudia Cordeiro

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 03/01/2018 às 15:06
Foto: Assis Lima/ Divulgação
Poeta da Geração 65 deixou um legado vasto e precioso, que foi organizado pela viúva, Cláudia Cordeiro - FOTO: Foto: Assis Lima/ Divulgação
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Alberto da Cunha Melo sempre respirou poesia, mas quando, aos 22 anos, começou a publicar não imaginava o quanto seus versos – junto com os de seus amigos Domingos Alexandre, Jaci Bezerra e José Luís de Almeida Melo – seriam símbolo de um dos mais importantes movimentos literários pernambucano do século 20. Os quatro poetas deram início à famosa Geração de 65, que naquele momento ainda se chamava Grupo de Jaboatão, fazendo alusão à cidade onde moravam, Jaboatão dos Guararapes. Alberto faleceu em 2007, e dez anos depois a Record lança sua Poesia Completa (652 páginas, R$ 92,90), livro organizado pela viúva do poeta Cláudia Cordeiro.

Alberto sempre escreveu muito poeticamente falando, mesmo com seus outros afazeres profissionais – além de poeta, ele foi jornalista e sociólogo. Esta vasta produção literária sempre foi, ao longo as décadas, publicada, e todos os seus 33 livros estão reunidos neste volume único. Além dos poemas já conhecidos do público, Cláudia decidiu acrescentar inéditos e garimpos. “No mínimo, trinta por cento da obra são de livros e poemas inéditos e outros publicados em jornais, revistas, fanzines panfletos, etc., em data remota, dos quais raros leitores têm conhecimento. Além disso, fizemos uma investigação exaustiva a partir dos arquivos de originais manuscritos e também datilografados, inclusive os inacabados e intocados há décadas”, relata a organizadora do livro, inventariante e curadora da obra de Alberto.

Ter Poesia Completa em mãos é passear por quatro décadas da vida de Alberto da Cunha Melo. Seu primeiro livro, Círculo Cósmico, publicado em 1966 está aí, mas seus dois últimos, Cantos de Contar e Orazione Per Il Poema (ambos republicações de 2012) também. E neste ínterim, muitas mudanças, amadurecimento e ousadia. O crítico literário Martim Vasques da Cunha, que assina a orelha da obra, ressalta o caráter extremamente criativo na forma poética do pernambucano, como a recuperação a “métrica do octossílabo branco, nos poemas da primeira fase; e a criação inovadora da ‘retranca’ (...) durante o seu período de maturidade.”

INOVAÇÃO

Basta uma breve pesquisa sobre a vida de Alberto da Cunha Melo para perceber que seu feitio inovador ia muito além de sua poesia. No final da década de 1970, ele se uniu à escritora Eugênia Menezes e ao seu colega Jaci Bezerra para criar a editora Pirata. O nome não foi escolhido em vão: no início, os livros eram produzidos às escondidas, na gráfica da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife.

Logo em seguia, juntaram-se ao trio Maria do Carmo de Oliveira, Nilza Lisboa, Amarindo Martins de Oliveira, Andréa Mota, Vernaide Wanderlei, Ednaldo Gomes, Myriam Brindeiro e Celina de Holanda. A casa de Alberto chegou inclusive a ser um dos primeiros QGs da Pirata, entre 1979 e 1984. Além de ter publicado três de seus livros, a Pirata também editou nomes como Gilberto Freyre, Rubem Braga e Lêdo Ivo.

“Alberto era essencialmente poeta. Fez sua primeira trova aos quatro anos de idade e nunca mais parou. Ele tinha um poder de concentração excepcional e escrevia onde estivesse. Ele andava com uma pequena caderneta de anotações e canetas no bolso para esse fim. Mas quando faltava esses apetrechos, ele usava o que tivesse ao seu dispor, guardanapos, o verso de boletos. Esses primeiros esboços ele guardava e depois datilografava, mas o destino de muitos era a lixeira. O exercício poético era um hábito indissociável de sua personalidade”, relata Cláudia. Após anos de pesquisa e projetos, ela finalmente reuniu o volume que faltava na bibliografia deste que foi um dos grandes representantes pernambucanos no cenário literário nacional.

Leia o poema "Círculo Cósmicos" (1966):

"Quando distanciar-me das altas nuvens, onde sempre habitei,/ devo levar algumas delas/ para que saibam minha pátria.
Após soltar de espaço a espaço/ as cascas vivas da memória/ devo levar para a cidade/ o corpo, esta palavra forte.
Só meu corpo vai realmente/ pisar nos jardins e nos pátios/ e com mãos novas sacudir/ as grandes árvores por perto.
Vou conduzi-lo com o cuidado/ de livro muito alvo na tarde:/ É minha única esperança/ de estar bem vivo entre vocês.
Só meu corpo sabe virar / todas as páginas do tempo/ e só ele foi publicado/ completo, para ser seguido."

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