Frankfurt

Chimamanda Ngozi Adichie leva sua potência política para Frankfurt

Grande nome da ficção e do feminismo, a escritora nigeriana trouxe debates sobre dignidade humana para Feira do Livro de Frankfurt

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 12/10/2018 às 11:23
Foto: AFP/Reprodução
Grande nome da ficção e do feminismo, a escritora nigeriana trouxe debates sobre dignidade humana para Feira do Livro de Frankfurt - FOTO: Foto: AFP/Reprodução
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Quando era criança, um dos locais preferidos da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, um dos principais nomes da ficção e do feminismo no mundo, era a igreja católica próxima a sua casa. Quando voltou à Igreja, já adulta e depois de morar fora do país, o padre responsável havia mudado: a paróquia, antes aberta, era agora comandada por um homem diferente, que "queria comandar o corpo das mulheres". Qualquer uma que fugisse do padrão era barrada na porta da Igreja – fosse uma senhora de idade ou a própria Chimamanda que, de mangas curtas, "estava mostrando muito do braço".

Indignada, ela decidiu escrever um artigo na imprensa denunciando a situação. "Era um homem que não via mulheres como pessoas, mas como meros corpos. Criava regras para proteger os homens deles mesmos", contou na conferência para a imprensa na abertura da 70ª edição da Feira Internacional do Livro de Frankfurt, que começou ontem. Chimamanda, pelo texto escrito, recebeu várias críticas públicas. Resolveu então voltar para a congregação: entrou mesmo sem permissão e discutiu com o padre. Nem o artigo e nem a discussão mudaram muita coisa. "Eu tinha uma noção idealizada de que dizer que algo é absurdo podia resolver o problema. Não resolve, mas é preciso dizer porque o silêncio é sempre pior", comentou na palestra.

Grande estrela da abertura da Feira de Frankfurt – principal evento para o negócio dos livros no mundo –, Chimamanda foi a convidada perfeita para um evento que celebra os 70 anos da promulgação da Declaração dos Direitos Humanos. Afinal, uma das argumentações fundamentais da escritora é a de que é preciso acabar com a ideia de que tudo pode ser resolvido em narrativas únicas, com os mesmos pontos de vista de sempre (normalmente, de homens brancos, descendentes de colonizadores) sobre mulheres, negros, imigrantes. Contar sempre a mesma história é uma forma de manter o silêncio.

Representações e complexidade

"Precisamos de narrativas mais complexas. Não é só preciso dizer o que um imigrante sofreu, mas falar de como sua dignidade é sempre minada, de como as leis transformam pessoas em imigrantes", falou a autora de Americanah e Sejamos Todos Feministas. "A história dos direitos humanos não é feita só da opressão do estado, mas das narrativas pessoais, íntimas e coletivas a um mesmo momento.”

Entre críticas ao descrédito de mulheres que denunciam abuso ("conheço mulheres que querem ser famosas, mas não conheço nenhuma mulher que quer ser conhecida por ter sido assediada", afirmou), Chimamanda ainda fez uma defesa apaixonada da escrita: “A literatura é a minha religião. Ela é a prova de que somos cheios de falhas, e ainda assim somos capazes de fazer coisas boas”.

Tanto na conferência de imprensa como na abertura oficial do evento, a defesa da dignidade humana foi a protagonista. Em diversos discursos, a Declaração dos Direitos Humanos foi o mote para ressaltar o papel das narrativas na quebra de esteriótipos e na promoção da diversidade, além de uma constante cobrança pela liberdade de expressão e na luta contra narrativas e notícias falsas (tema que interessa bastante ao Brasil). Mais de uma vez a Turquia, que tem prendido e perseguidos jornalistas e escritores que se opõem ao regime de Erdorgan, foi citada.

"Não estamos aqui para defender abstratamente a declaração: é preciso usá-la o tempo todo para mantê-la viva", afirmou Heinrich Riethmüller, presidente da Associação Alemã de Editoras e Livrarias. Sobre o mercado editorial, ele comentou que houve uma pequena queda nas vendas desse ano, mas o motivo para otimismo é que as pessoas não perderam o apreço pelos livros, só têm menos tempo para eles. Para Jürgen Boos, CEO da Feira da Frankfurt, o livro é "o espaço da liberdade". "E qualquer um que usa o espaço da feira ter que saber que essa liberdade é concedida por todos nós, como sociedade", ressaltou.

O repórter viajou a convite do Consulado Geral da Alemanha no Recife

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