Entrevista

Tulipa Ruiz para ser ouvida com o corpo

Em entrevista, cantora apontada como a mais potente de sua geração fala sobre seu disco dançante e avisa: "Se não estiver curtido, paro"

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 07/07/2015 às 6:26
Foto: Rodrigo Schmidt / Divulgação
Em entrevista, cantora apontada como a mais potente de sua geração fala sobre seu disco dançante e avisa: "Se não estiver curtido, paro" - FOTO: Foto: Rodrigo Schmidt / Divulgação
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Com um show por dia no Nordeste, Tulipa Ruiz chega na próxima sexta ao Recife de tantos amigos – onde divide, no mesmo dia, o palco com o pernambucano Johnny Hooker no aniversário de três anos do Baile Perfumado. Apresenta o show de Dancê, o terceiro e mais novo disco em que sua poética ganha versão turbinada para as pistas. “Quero que esse disco seja ouvido primeiro com o corpo”, diz a ex-jornalista que, nessa entrevista, relativiza também o peso de ser apontada como a cantora mais potente da cena contemporânea”.


JORNAL DO COMMERCIO – Você sente alguma responsabilidade por ter sido apontada em tão pouco tempo pela crítica especializada como a cantora mais importante de sua geração?
TULIPA RUIZ –
  Não, não sinto. Acho que isso tem a ver com o fato de eu ser filha do meu pai, que, além de músico, era crítico de música. Às vezes, eu não gostava das críticas dele, discordava. Eu cresci vendo meu pai escrever. Eu não fico empolgada demais com os elogios. Nem deprimida com as críticas negativas (risos). Acho mais engraçado que temeroso. Quando eu fiz o disco Efêmera, me perguntaram como seria o outro disco. E eu nem sabia se eu seria ainda cantora (risos). Se um dia eu não estiver mais curtindo, eu paro.

JC – Por que se isolar num sítio para fazer Dancê, um disco de uma complexidade tão urbana?
TULIPA RUIZ
–Não teve muito a ver com essa coisa de sair do ruído, tinha mais a ver com a ideia de ficar 24 horas fazendo música, com o projeto de ficar produzindo o máximo possível. A gente teve a sorte de ser num sítio delicioso. O (segundo disco) Tudo Tanto, por exemplo, nós fizemos em São Paulo, e tínhamos que matar um leão por dia, todo mundo disperso com outras agendas. Por acaso, não tinha internet e foi muito produtivo.


JC – Paulinho da Viola e Chico Buarque, por exemplo, passam anos para ter um conjunto de canções suficiente para um disco. O seu método de composição parece ser mais concentrado.
TULIPA –
  Eu adoro um prazo. Se me der dez dias, eu te entrego dez músicas. Se me der dez anos, eu talvez não faça uma música sequer. Meus parceiros ficam loucos: eu gosto muito de viver a turnê do disco inteira. Eu só comecei a fazer o Tudo Tanto depois do último dia do show do primeiro disco. Na turnê, as ideias aparecem, eu registro, anoto, gravo a melodia, mas elas ficam num banco. O dia 1 do disco é quando eu começo a editar isso que aconteceu no meio do caminho – e vão surgindo outras.

JC – A canção Megalomania surgiu no meio do caminho, né?
TULIPA -
Quando ela aconteceu, tinha certeza de que ela não entraria em disco. Aí, eu entendi os singles. Eu adoro o isolamento, preciso inventar coisas pra fazer no avião, um lugar onde eu escrevo e leio muito, um lugar de pavor e de eurecas. Megalomania não pertenceria ao próximo disco, ela aconteceu e teve que ser solta no meio do caminho, não tinha como pertencer a uma outra coisa. Eu faço um diário dos discos. Fui pra praia com o Gustavo (Ruiz, irmão e parceiro) e fiquei 15 dias. Meu diário do disco começou quando eu entro no carro pra ir para praia.


JC – Com três discos, você acha que já tem um conjunto que pode chamar de obra?
TULIPA –
Acho que eu to só começando... No sexto disco, eu poderia dizer que estou mais à vontade. Eu faço discos com onze músicas. E se tenho três discos, posso dizer que já tenho algo pra mostrar no futuro, pelo menos (risos).


JC – Na cena musical do Recife dos anos 1990, a “brodagem” foi uma instituição fundamental produtiva. O colaboracionismo é uma marca também da sua geração?
TULIPA –
Sim, meu primeiro disco é uma grande celebração disso. Eu comecei a cantar influenciada pelos meus amigos, eu era filha de músico, irmã de músico. Gravo com meu pai, meu irmão, com cantoras amigas (como Céu e Tiê). Nos fortalecemos com parcerias. Entendo que penso e distribuo meus discos e trabalho com a produtora da Heloísa Aydar, uma amiga. Com quem distribuímos Tom Zé, Anellis Assumpção. Os amigos vamos nos estruturando e se organizando.


JC – Você se vê trabalhando numa gravadora tradicional?
TULIPA -
Eu nunca vivi isso, se for legal para mim, poderia topar. Se eu achar justo, que vale à pena, poderia fazer. Mas as propostas que eu recebi eram para me dar assessoria de imprensa, distribuição, coisas que eu já fazia sozinha. Não sei, não sei ainda qual é a sedução.


JC – Como surgem as parcerias?
TULIPA –
A música me dá de presente a possibilidade de encontrar com pessoas que viveram na capa dos meus discos. Encontrar, por exemplo, João Donato (parceiro em Tafetá, do disco Dancê. Ele é uma pessoa que tem 80 anos, mas é um menino com olho brilhando e feliz com o que ele faz sempre.


JC – Como era seu trabalho como jornalista?
TULIPA –
Eu trabalhava numa agência de produção de música nas escolas. Escrevia eventualmente sobre música em jornais de Minas Gerais, onde vivia.


JC – O que a jornalista Tulipa Ruiz perguntaria à cantora Tulipa Ruiz?
TULIPA –
Nossa! (risos). Não tenho a mínima ideia.


JC – Como você e tornou cantora tardia, depois dos 30, toma algum cuidado específico para a voz?
TULIPA –
Há duas semanas, comecei a fazer fono e muito exercício físico, porque o Dancê é um show que exige muito de mim, tenho que ter muito compromisso, fazer mais ginástica, exercícios com o corpo ou com a voz. Eu fiz canto lírico quando eu tinha 18 anos e parei. Hoje, me concentro, aqueço a voz. Agora, meus cuidados são mais esmerados.


JC – Emagreceu, inclusive, pro show...
TULIPA –
  Emagreci porque rompi o ligamento do joelho e tenho que estar mais leve.

JC – Tuas letras tem, além de ironia, uma grande ironia... o que lembra muito a banda paulistana Isca de Polícia, da qual teu pai fez parte. A banda que acompanhava o Itamar Assumpção tá to teu DNA criativo?

TULIPA –  A Isca de Polícia tá na genética, claro. Mas na infância, eu ouvia mais o Rumo. Eu tinha medo das performances viscerais do Itamar, que eu só comecei a entender com 11, 12 anos. Claro que cresci ouvindo o Isca, mas tem muita mistura, não consigo decupar, é uma influência inconsciente.

JC – Em Proporcional, você fala de padrões físicos...
TULIPA –
  É, a letra diz que tudo pode, no amor tudo pode. Se a gente pode variar, se eu posso ser GG no peito, M no sapato, porque é que a gente quer padronizar tanto a gente. Por que tanta caretice, tanto moralismo? Tá podendo tudo.

JC – Ter gravado agora com o Lanny Gordon em Dancê, o guitarrista de discos referenciais da Gal nos anos 1970, reforça as semelhanças apontadas entre o teu canto e o dela?
TULIPA –
Sou apaixonadíssima por ela. Cresci ouvindo a Gal, os discos Cantar, Água Viva, Fatal. Fui educada musicalmente ouvindo esses discos. Eu comecei a cantar na vida ouvindo esses discos, as cantoras que cantavam na vitrola da minha mãe: Zézé Motta, Joyce, Ná Ozzetti, Joni Mitchel. Essas mulheres me fizeram apaixonada pelo canto. Há pouco, tive a sorte de cantar com ela no Festival de Jazz de Montreux. Essas mulheres me fizeram ser apaixonada pelo canto. Amo o Lanny nos discos da Gal, ele era o guitarrista mais genial dos anos 1970. Mas a influência dele tem muito mais a ver com o meu pai, que andava muito com ele quando eu tinha dez anos, do que com a Gal. Lanny chegou a dar aula de guitarra para o meu avô, já velhinho. Quando eu cheguei em São Paulo, com 23 anos, a primeira festa que fui foi o aniversário do Lanny. Ele faz parte da minha vida, não apenas da minha vitrola. E achamos que a canção tinha tudo a ver com ele.

 

 

JC – Como um concerto da cantora norte-americana Meredith Monk mudou sua vida?
TULIPA –
  Nesse show, eu entendi que o palco é um lugar sagrado, um lugar onde o sagrado tem que ter ritual, você pode ritualizar o sagrado. O show dela me fez sair do estado disperso em relação à música, sem estar lidando com esse sagrado. Isso me fez respeitar esse meu ofício. Perceber que esse lugar é um lugar de muito poder.

JC – Como no dela, seu fraseado não apresenta grandes fronteiras entre o cantar e o falar. Além de filha da atriz, você teve seu primeiro show no Oficina. O teatro te ajuda como cantora?
TULIPA
– Sim, a performance é algo que me atrai. Quando eu fui tocar sozinha, eu precisei entender que eu tinha que me comunicar com meu corpo, para as pessoas entenderem o que eu estou falando.

JC – O aspecto dançante do disco não diluiria o impacto das letras e narrativas sonoras?
TULIPA –
Eu quis que esse disco fosse primeiro ouvido com o corpo, pra depois ser decupado de outro jeito. Gosto quando a música bate primeiro no meu pé para depois bater na minha cabeça. Pensando em dança, tem gente que diz que dançar é uma forma de pensar com as pernas. Old boy não é necessariamente dançante, você pode ouvir de olhos fechados e pensar nos movimentos.

JC – Já tinha dividido o palco com o Jonny Hooker antes?
TULIPA
– Vai ser a primeira vez, e estou muito feliz, porque é o aniversário da (casa) de shows Baile Perfumado. Serão dois shows, primeiro o dele, depois o meu. Eu fui assistir ao Prêmio da Música Brasileira com o João Donato e vi o show dele com Alcione e Sabatella, eram três planetas, e ele se saiu muito bem. Estou muito curiosa pra ver o show dele.

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