São João

Joquinha Gonzaga Pede Mais Respeito ao Forró

Ele diz que forró pé-de-serra é escalado para palcos secundários

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 27/05/2017 às 9:34
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Ele diz que forró pé-de-serra é escalado para palcos secundários - FOTO: foto: Divulgação
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Chama-­se João Januário Maciel, é cantor e sanfoneiro. Fluminense, de Duque de Caxias, mora em Exu, no sertão do Araripe pernambucano desde 1993. É conhecido pelo nome artístico: Joquinha Gonzaga. O Gonzaga vem do tio, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Dos parentes em segundo grau de "Seu" Luiz é o último forrozeiro da família na qual está o DNA do forró, o coletivo de vários ritmos nordestinos estilizados por Gonzagão, nos anos 40. Joquinha foi aconselhado por ele a dar continuidade à música que herdou do sanfoneiro Januário. Há 42 anos tornou­-se forrozeiro profissional. Fala com orgulho de sua descendência,
mas tem dúvidas quanto ao futuro do forró, o do estilo que chamam de pé de serra.

Joquinha é filho Muniz, apelido de Raimunda Januário, irmã de Luiz Gonzaga: "Nasci no Sítio dos Gonzaga, em Duque de Caxias, vivi no meio de grandes artistas, eles vinham muito ao nosso lugarzinho, Jackson do Pandeiro, Sivuca, Trio Nordestino, Dominguinhos, Abdias, Marinês. Tio Gonzaga e Jackson eram meio cismados, porque ele era muito sério e Jackson não ficava atrás. Então se olhavam assim de rabo de olho, mas se davam bem. Meu tio não se dava bem era com Zé Gonzaga, houve uns arranca­rabo ente os dois. Zé Gonzaga era muito brincalhão, vivia dizendo que tio Gonzaga era muito ruim de mulher, que era muito ruim de volante. E no volante era mesmo muito ruim, ia dirigindo, e querendo que o os outros saíssem do meio", ri quando conta episódios do tio turrão.

Joquinha entrou em 1975 no grupo que acompanhava Luiz Gonzaga. Só deixou de tocar com Lua em 1989, quando ele morreu. Viveu, portanto, várias fases do forró. Ele não se conforma com o descaso com que o gênero está sendo tratado em sua própria região, muito menos o rumo que tomou o São João, a maior festa do povo nordestino. "Todo ano tem esta confusão, sertanejos invadindo nossa área, os funkeiros, a MPB do Sul. Os prefeitos não estão nem aí, colocando Luan Santana, Safadão, artistas que estão na mídia nacional. O que não me entra na cabeça é que estamos passando uma crise, todo mundo procurando enxugar, e estão contratando artistas de 400, 500 mil reais. Por que não contratam a gente, os autênticos forrozeiros, com cachês de R$ 20 mil, R$ 30 mil?".

Para ele, esses artistas deveriam se apresentar em outras épocas. "No aniversário da cidade, na festa do padroeiro, no Natal. Mas não, na época junina, que consideramos o 13º dos forrozeiros. A gente passa o ano esperando por ela, então este pessoal chega invadindo nosso espaço. Numa grade de cinco ou seis dias de festa, 80% são de fora, sertanejos, artista nacional de MPB. Tem grade em que nem a gente entra".

Para constatar o que diz Joquinha Gonzaga basta dar uma conferida na programação da cidade que se afirma como dona do maior São João do mundo, Campina Grande (PB). Na grade dos festejos juninos (que vai de 2 de junho a 2 de julho), sertanejos e bandas de fuleiragem music são maioria absoluta, com a presença dos sertanejos e sertanejas da vez, Maiara e Maraisa, Wesley Safadão e Luan Santana, entre muitos outros: "O pessoal diz que bota Luan Santana por causa dos jovens. Claro, eles gostam de Luan porque tá na TV Globo, na mídia. Mas a obrigação do poder público é botar nossa cultura em cima do palco. Deixar que ela tenha seu
lugar nos nossos municípios. Aquele dinheiro ali é pra investir em cultura, e não pra fazer festa, nem pra juntar muita gente. Se trazem Luan Santana, naturalmente, vai juntar 50 mil pessoas, e daí? A gente pode juntar 5 mil pessoas, não é a quantidade de pessoas que deveria importar".

DEVOLVAM


Joquinha Gonzaga não é voz isolada no protesto contra a descaracterização dos festejos juninos. Ele se integrou inclusive a uma manifestação nas redes sociais, iniciada por Chambinho do Acordeom, o forrozeiro que viveu Luiz Gonzaga no filme Gonzaga ­ De pai pra filho. Paulistano, criado no Piauí, inconformado com a predominância de sertanejos no São João nordestino, Chambinho postou uma selfie no seu perfil no Facebook com uma placa no peito e os dizeres: "São João Não é Festa do Peão. Devolvam Nosso São João", exortando os colegas a fazerem o mesmo.

Joquinha foi dos primeiros a seguir Chambinho: "Fiz a foto, ficou até parecendo com um presidiário, sério, com a plaquinha no peito, pedindo pra que não invadam nosso São João. Dá até vontade de juntar uns colegas para ir ao Rio de Janeiro ou São Paulo, bater na porta de uns sertanejos desses e pedir pra eles tirarem férias no mês de junho. Já que tocam o ano todo, poderiam tirar férias em junho, pra gente ter vez".

Ele dá como exemplo do distanciamento do nordestino da cultura da região a cidade em que mora. Exu, a 619 km do Recife, onde nasceu e está sepultado Luiz Gonzaga (com a mulher Helena, Januário, o pai, e Santana, a mãe, num mausoléu no Parque Aza Branca, onde fica a casa em que o rei do Baião morou nos seus últimos anos). As duas emissoras locais tocam pouco a música do seu filho mais famoso, e um dos mais influentes artistas da história da música popular brasileira (senão o mais influente):
"Aqui em Exu só toca Luiz Gonzaga em agosto, aniversário de morte, e em dezembro, aniversário de nascimento. Normalmente, as rádios só tocam Luiz Gonzaga às cinco horas da manhã, ou às sete da noite, quando todo mundo tá vendo novela. Nos outros horários se você ligar o rádio parece que está lá no Rio: é só pagode, sertanejo, funk. Quando chego na rádio fazem até cara feia porque sou muito crítico, e cobro muito. Só tem um locutor aqui que toca as coisas nossas no horário nobre, Nóbrega, da Rádio Acauã".·.

TOME XOTE
Joquinha Gonzaga aponta sua metralhadora também para as bandas de fuleiragem music, que cada vez mais  se aproximam do sertanejo universitário. Elas tocam a música que predomina no sertão, e não apenas no período junino, e influenciam até mesmo os que fazem o chamado forró pé de serra: "Outro dia eu conversava com um sanfoneiro, muito bom daqui. Ele me dizia que a gente não tem mais que fazer música falando em tristeza, em seca, a gente tem que ser romântico. Mas para ser romântico, o único ritmo nosso que cabe bem é o xote".

Desta forma as variedades rítmicas do forró ­ baião, xaxado, chamego, rojão ­ estão correndo perigo de extinção, acha Joquinha Gonzaga: "Então ultimamente só fazem em cima deste tema, e praticamente a mesma coisa. Aqueles que decantavam algum lugar, contavam histórias de personagens do interior, infelizmente Deus levou. Os novos que estão aí, ou não se interessam ou não sabem fazer, e ficam nesta coisa de música romântica com xote".

Joquinha Gonzaga está com uma agenda de cerca de dez shows neste São João (alguns ainda a serem confirmados), está inclusive na disputada grade de Caruaru, no polo do Alto do Moura, o que não o deixa ainda inteiramente satisfeito: "Eu fico achando até engraçado. Eles procuram um lugar pra botar a gente que faz forró, quem fica no palco principal são os que estão na mídia. Descobri que o nome forró, cultura e São João, eles só usam para conseguir patrocínio. Se vão fazer um projeto, eles citam o forró, mas na prática manda um ritmo totalmente diferente, é só banda de granja, nenhum forró autêntico. Os valores estão sendo
trocados. Tenho impressão de que futuramente vão botar até Roberto Carlos no São João".

O sobrinho de Luiz Gonzaga não é nem um pouco otimista em relação ao futuro do gênero formatado pelo tio com seus parceiros. "Quando começou este tipo de São João quem ficou de fora foram os pequenos. Agora são os médios. Daqui a um tempo vão ficar de fora os grandes, Santana, Flavio José, aí lascou tudo, não fica mais ninguém do forró. Acho que futuramente a gente tem que voltar ao passado, fazer nosso forró em casarões e palhoções, já que a gente quase não é mais contratado", queixa o sanfoneiro, herdeiro de um tradição secular.

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