São João 2017

Xico Bizerra Vê São João e Forró com Pessimismo

Compositor Acha que Sertanejo Contribui para Alienação

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 24/06/2017 às 10:58
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Compositor Acha que Sertanejo Contribui para Alienação - FOTO: Crédto: Divulgação
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Cearense, do Crato, morando no Recife há 47 anos, Xico Bizerra é um personagem diferente no cenário do forró. É compositor, porém não cantor. Fornece músicas para dezenas de intérpretes do gênero, de Elba Ramalho a Flávio José, passando por Alcymar Monteiro e Dominguinhos, com quem dividiu o álbum Luar Agreste no Sertão Cariri (2013), décimo disco do Forroboxote. O projeto foi iniciado em 1999, com composições gravadas por diversos intérpretes.

 Auditor aposentado do Banco Central, Xico Bizerra, não vive do dinheiro que ganha com música, mas milita nas hostes do forró e tem participado de discussões sobre a participação cada vez maior de sertanejos na mais nordestina de todas as festas, o São João. Xico Bizerra encerra uma série de matérias publicadas pelo Jornal do Commercio, ao longo deste mês, com intérpretes e compositores sobre o tema.

 Para ele a discussão não pode ser resumida a forró autêntico versus sertanejos e outros ritmos sem afinidades com o período junino:

 "Sou contra esta ótica simplista de analisar a questão, que é bem mais profunda. É preciso questionar a missão do Estado. Ela seria o entretenimento ou o fomento cultura? Duas coisas distintas uma da outra. Em Barretos, ninguém tem que reclamar nada, quem está pagando a conta é quem vai lá assistir. O contrário são essas festas públicas, porque são patrocinadas pelo nossos impostos. Você pode gostar de Wesley ou de Petrúcio, pode nem ir ver um ou outro, mas está pagando. Me incomoda muito isso. Como me incomoda a desunião da classe. Esta coisa em torno do Devolva Meu São João. Na hora do pega pra capar todo mundo se une pra defender seu espaço, mas não o forró enquanto instituição", comenta Bizerra.

 Ele chama atenção ao cada um por si, que predomina no meio do forró. "Tem gente que reclama da grade de determinada cidade, mas não a da cidade que contrata ele. Precisava de um seminário sério, num fórum adequado, pra discutir todas estas questão, os artistas, as sociedade, os contratantes, o Estado, até o Ministério Público. Não tenho provas, mas creio que há um desvirtuamento no pagamento de cachês, de R$ 500 mil, R$ 600 mil, como aconteceu em Limoeiro agora, que está pagando R$ 900 mil a três atrações", pondera.

 Xico Bizerra põe em cheque o argumento dos gestores municipais de que contratam ídolos do pop sertanejo, ou bandas de fuleiragem: "O povo pode até querer, mas o governo desvirtua sua função, usando o que deveria empregar pra educação, estrada, saúde. Claro que o povo pede, só conhece aquilo, não tem opção. E o político proporciona o que pedem, pensando que o povo vai votar nele porque trouxe Safadão, e irá trazer novamente se eleger novamente este político."

ESTAGNAÇÃO

 Xico Bizerra aponta para a estagnação dos vários ritmos que formam o coletivo forró, lembrando que os últimos grandes sucessos do gênero aconteceram há mais de uma década: "Caboclo Sonhador, por exemplo, aconteceu há vinte anos, Meu Cenário, de Petrúcio também tem vinte anos. Santanna estourou com Ana Maria, que é uma regravação. Sucesso meu, Se Tu Quiser, que tem 210 regravações, é o mais recente dos sucessos do forró e já tem 16 anos. Teve aquela de Targino Gondim, Esperando na Janela, mas que foi divulgada pelo filme (Eu, Tu e Eles), mas é um caso à parte", comenta, Bizerra, ressaltando que o povo JC se interessa cada vez menos pelo forró: "Não conhecem a música de Jackson, de Maciel, de Elba, porque não toca e não ouve ninguém cantar. O espaço foi invadido pelo sertanejo".

O compositor acredita que o predomínio do sertanejo e de bandas ocasiona a alienação política dos forrozeiros: "Dificilmente você vê alguém emitir uma opinião ideológica. Eles têm medo de expressar sua opinião para não deixar de ser contratado pelo poder público. Dominguinhos foi vítima quando contestou um partido e apoiou outro. Santanna também fez um jingle pra Jarbas, que perdeu a eleição, e ele passou um tempo sem fazer show. Esta coisa do show público tem o viés de castrar o senso crítico do artista, que teme expressar sua opinião para não deixar de ser contratado".

 Indiferente ao mercado, Xico Bizerra conta que continua compondo, sem compromisso de lançar disco com data marcada. Seu último projeto é de 2015, Valsas, Canções e Tudo Mais que Há, Vol. 2: Um Amor Maior que Imenso, composições fora do universo do forró: "Estou preparando um disco, terá doze músicas, em parceria com Flavio Leandro. Pra mim, Maciel Melo e ele são os dois melhores autores da atualidade no forró. Estamos compondo, ele lá e eu cá. Venho fazendo muita música e escrevendo para livro. Tenho pronto o Breviário Lírico de um Amor Maior Imenso, de crônicas poéticas, que chamo de proesia. Tenho também um livro infantil, Pequeninas Histórias Para gente Pequenina. Vou dando vazão ao que escrevo em blogs, site, jornais", conta.

 Xico Bizerra vê com pessimismo o futuro tanto dos festejos juninos quanto da música que já foi sua trilha sonora. "Estou indo para o festival de Itaúna, que é estritamente de forró, não admite nem guitarra, mas já tocam por lá Dorgival Dantas ou Tom Oliveira, que também mistura as coisas, se bem que faz isso, este negócio que chamam de forró, mas também tem músicas muito boas, joga nas duas. Mas está acontecendo muito. Ouvi um disco de um amigo nosso, que é todo forró estilizado. Ele entra nesse negócio, sem ter a mesma estrutura. Vai acabar perdendo o espaço que já tinha, e não vai chegar no público do estilizado".

 A música de Luiz Gonzaga não será esquecida, acha Xico Bizerra, o forró autêntico continuará, porém cada vez mais com menor espaço: "Quando sair o breganejo, vai vir outra moda, comercial de capital, coisa de produtor. Este Forró da Capitá, que fazem aí, na verdade é o Forró do Capital, Para ser sincero, eu ainda vejo um luz no fim do túnel, meio apagada, mas está lá".

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