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Devotos lança livro sobre trajetória no Alto José do Pinho neste sábado

O livro 'Música Para o Povo Que Não Ouve' será lançado na Rua Severino Bernardino Pereira, no Alto José do Pinho, às 16h, com show da Devotos

Duda Lapenda
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Duda Lapenda
Publicado em 01/09/2018 às 11:11
Fotos: JC Imagem/Divulgação
O livro 'Música Para o Povo Que Não Ouve' será lançado na Rua Severino Bernardino Pereira, no Alto José do Pinho, às 16h, com show da Devotos - FOTO: Fotos: JC Imagem/Divulgação
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Passando das páginas policiais para as páginas culturais dos principais jornais de Pernambuco, o Alto José do Pinho da década de 80 para cá foi reduto de um intenso movimento cultural. Quem diria que seria o punk rock, alvo de tantos preconceitos sociais, o propulsor de uma cena que se contrapusesse à violência no bairro, que era superexplorada pela mídia na época?

Principal expoente musical daquela comunidade, a banda Devotos tem parte de sua história contada de maneira pop no livro Música Para o Povo Que Não Ouve, que o baixista e vocalista Cannibal lança neste sábado (01), a partir das 16h, na Rua Severino Bernardino Pereira, s/n, Alto José do Pinho, a principal do bairro. A obra traz, além de registros históricos do grupo, todas as letras das músicas da Devotos, que, sem a sonoridade agressiva do punk, revelam-se discursos poéticos de protesto a partir de um olhar sensível e crítico em relação ao sistema.

Uma obra que reflete, também, o que influenciou o líder da banda a ingressar no movimento punk. “Foi a letra que fez eu entrar no movimento. Quando eu li sobre “Os Inocentes”, a banda que me influenciou, eu me apaixonei pelo que eles estavam falando, pela entrevista deles, depois foi que eu procurei a banda”, explica Cannibal, acrescentando que a importância do ritmo se dá porque ele constrói a identidade do grupo.

O músico faz questão de recitar todas as letras antes de tocar ao vivo, quando a acústica não é, muitas vezes, favorável, principalmente antigamente. “Tem umas músicas muito hardcore e muito rápidas que esse público que não é do punk não está acostumado, então eu faço questão de citar o que eu vou cantar. Fora isso, tem toda aquela massa sonora naquele turbilhão todo, que pra assimilar a letra é muito difícil”, justifica Cannibal.

Toda essa preocupação, que se consuma no livro, tem a ver com o anseio de Cannibal pelo ativismo, que ainda não tinha relação com tocar e fazer música. “Quando conheci o movimento punk, aos 17 anos, não queria fazer música, queria panfletar, participar de passeatas, fazer parte das organizações dos shows, mas tocar não!”, diz trecho do livro.

Depois de vaguear pelas SS–20, Moral Violenta e Câmbio Negro, em 1988 surge a Devotos fazendo a primeira apresentação no 3º Encontro Anti Nuclear, dia 6 de agosto do mesmo ano, na Academia de Kung Fu (Av. Conde da Boa Vista). O show aconteceu com Cello na bateria, Cannibal no contra-baixo, Anselmo na guitarra, e Altamir no Vocal. Só depois, com a saída dos dois últimos, Neilton passou a compor o grupo, compondo a formação que perdura até hoje.

“Agora está valendo para Devotos do Ódio” diz título da matéria publicada pelo Jornal do Commercio em 22 de fevereiro de 1997. Ela anunciava a primeira conquista da banda: a gravação do CD Agora Tá Valendo (1997), que seria lançado no Abril Pro Rock ainda naquele ano. Futuro Inseguro, uma das músicas tocadas no primeiro show dos recifenses, compõe o álbum. Ela e outras da obra indicam a preocupação social que era predominante nas letras de todas as músicas. “Crianças abandonadas, pedem e roubam na calçada. Se passam fome, cheiram cola, Alguns viciados pelas drogas”, diz trecho da letra que está no livro.

Trinta anos depois, o sentimento é de orgulho pela história traçada e pelo trabalho de resgate da autoestima realizado na comunidade do Alto José do Pinho. Tudo isso, como explica Cannibal, rompendo com o preconceito em relação a adolescentes que iam na contra-mão do brega, samba, axé e maracatu que predominavam na comunidade. O preconceito era tanto, lembra o músico, que só chegaram a tocar no Alto após 4 anos, durante o evento Gestos, Atitude, e Rock and Roll (1992), organizado por eles próprios.

“Todo preconceito que a gente sofreu, a gente transformou em respeito pela gente e pelo próprio bairro. Hoje os moradores têm orgulho de dizer que moram no Alto josé do Pinho, coisa que antes das bandas ninguém dizia. Diziam que moravam em casa amarela com vergonha. Eu lembro que no começo da banda o bairro era conhecido pela violência e a gente meio que canonizou toda essa violência pra música”, reflete Cannibal.

Em matéria do Jornal do Commercio assinada por Ricardo Novelino, de 16 de outubro de 1994, a mudança desse cenário é muito bem descrita. O que a Devotos e outras bandas de punk e hard-core estavam fazendo no Alto José do Pinho já era descrito como “Movimento Cultural responsável pela reviravolta de 360 graus no circuito do Recife”. Tal fenômeno, explica Cannibal, rompeu com o medo que as pessoas tinham de subir o Alto pela violência e pela estrutura do local. “A cena é capaz de aglutinar, nas festas quinzenais, gente que um dia conheceu a localidade através dos jornais devido aos problemas infra-estruturais enfrentados pela população”, diz trecho da reportagem.

Apesar das conquistas, Cannibal lembra com clareza os momentos em que seu trabalho era boicotado através da repressão policial. “Toda vez que a gente ia tocar e voltava, a gente levava um baculejo da polícia e era uma coisa agressiva de mandar você deitar no chão, abrir a perna, aí eles viam que só tínhamos os instrumentos e mandavam a gente ir embora. A gente foi muito forte. Eu digo que Devotos é uma resistência cultural. Eu vi várias vezes o afoxé querendo fazer evento aqui e o carro da polícia passar por cima do palco para acabar o evento. Tudo que a gente faz aqui na comunidade é um ato de resistência”, afirma em um tom paradoxal de lamento e orgulho.

Serviço

l Lançamento do livro Música Para o Povo Que Não Ouve. Sábado (01), a partir das 16h. Na Rua Severino Bernardino Pereira, s/n, Alto José do Pinho. Valor: R$ 30 (impresso) e R$ 7,90 (E-book).

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