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Bob Dylan revisita Frank Sinatra em seu 37º disco de estúdio

Fallen Angels, o novo álbum de Dylan tem clima de fim de noite

JOSÉ TELES
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Publicado em 14/05/2016 às 10:55
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Fallen Angels, o novo álbum de Dylan tem clima de fim de noite - FOTO: foto: divulgação
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Shadows of the Night, disco de 2015, em que Bob Dylan presta uma homenagem a Frank Sinatra (no ano do centenário do cantor), causou surpresa. A voz de Dylan não é exatamente o padrão clássico, sobretudo para o repertório que ele gravou, de standards do American Songbook, pautado por canções de letra e música refinadas. Acrescente­se o agravante de que foram gravadas pela voz mais aclamada da canção popular do século 20. Francis Albert Sinatra.

Mas Bob Dylan transgrediu mais regras. Afinal, elas existem com suas exceções. Com sua voz de lixa, cada vez mais rascante e intimista, Dylan recriou cada uma das canções, reinterpretou suas nuances, enfatizou detalhes poéticos, fazendo de Shadows of the Night um dos melhores discos de 2015. Quando anunciou mais um álbum este ano, o 37º, aventou-­se a possibilidade o retorno do Dylan autoral. Porém ele surpreende até quando, supostamente, se repete. Fallen Angels (Sony Music/Columbia), com lançamento oficial no dia 20, ma já circulando na rede, é uma continuação de Shadows of the Night. Apenas uma composição, das 12 que ele fisgou na fornida e refinada biblioteca de clássicos da música popular americana, não foi gravada por Frank Sinatra.

Até a sonoridade é idêntica a do álbum anterior. Ele é acompanhado pela mesma banda. Persiste o clima onírico, cinematográfico, de Shadows of the Night. Fim de noite, uma casa noturna em decadência, à meia luz. Nas poucas mesas ocupadas, um casal sonolento, um cara solitário tem como companhias, um uísque e um cigarro. Dois amigos trocam confidências, a língua solta pela bebida. Um solitário no balcão, pedindo mais uma saideira. No dancing um casal faz lentas evoluções no compasso de um fox. Àquela altura a banda não toca mais para ninguém. A madrugada vai escorrendo lentamente para o alvorecer.

O crooner puxa pela memória antigas canções. Ele e a banda fazem agora o que gostam: tocam para eles mesmos, sem ter que atender a pedidos, nem tocar números que estão nas paradas. Que tal On A Little Street Of Singapore (Peter de Rose/Bill Hill)? Alguém da plateia porventura lembrará desta? Foi lançada por Harry James e sua Orquestra, em novembro 1939. Frank Sinatra era o crooner. Tinha apenas 19 anos. Ou então, da mesma época, mesma orquestra, mesmo crooner, On A Melancholy Mood? (Vick R Knight and Walter Schumann) "Melancholy mood forever haunts me/steals upon me in the night/forever taunts me/Oh, what a lonely soul am I".

"Que alma solitária a minha". O sentimento de melancolia e solidão permeia Fallen Angels, assim como permeava Shadows of the Night. Mesmo numa canção de andamento mais rápido como Polka Dots And Moonbeams (Jimmy Van Heusen, Johnny Burke), a steel guitarra acrescenta tons cinzas à canção. Foi gravada em 1940, por Tommy Dorsey e Sua Orquestra, e se tornou o primeiro sucesso radiofônico do iniciante crooner Frank Sinatra. Dylan escolheu algumas músicas anteriores a Sinatra, caso de It Had to Be You ((Peter de Rose/Bill Hill), considerada uma das maiores canções pop de todos os tempos, só gravada por Sinatra 55 anos depois de lançada por Ruth Etting, em 1936.

Bob Dylan aos 75 anos, abriga­-se num mundo fantasmagórico, pré-­rock and roll. Um tempo que à distância passa a impressão de que se vivia no melhor dos mundos. Não é apenas uma viagem nostálgica, até porque parte das canções foi gravada quando ele nem era nascido. Mesmo as mais recentes, e mais conhecidas, como All The Way (Jimmy Van Heusen, Sammy Cahn), são de sua adolescência. Foi gravada por Frank Sinatra em 1957, da trilha do filme The Joker is Wild, de King Vidor, e ganhou o Oscar de Melhor Canção Original.

All or Nothing At All (Bert Kalmar, Harry Ruby) também é de 1939, quando Frank Sinatra dava a arrancada para a fama, com Harry James (Bob Dylan nasceria dali a dois anos), que logo trocaria pela orquestra mais classuda de Tommy Dorsey. É um canção que exige do intérprete, um fox que obriga o cantor a escalar tons altos, e aí a voz de Dylan claudica, mas ele não permite retoques, a imperfeição aqui realça ainda mais a canção, enquanto a banda afasta-­se do country e vai ao jazz, o que se repete em pelo menos metade das faixas.

Em Old Black Magic (Harold Arlen/Johnny Mercer), que Sinatra gravou em 1947, Dylan canta com uma dicção invejável, e a banda o acompanha num andamento que se aproxima do rock­a­billy, porém sempre se mantendo pianinho. É uma das melhores faixas do álbum. Embora do repertório de Sinatra, não é a ele a quem Dylan recorre na sua versão. Em Maybe Youll Be There ((Ruber Bloom/Sammy Gallop). Ele se espelha na gravação original, de 1947, de Gordon Jenkins e Sua Orquestra (Frank Sinatra a gravou dez anos depois), curiosamente, com Dylan a canção termina com uma sutil citação a Somewhere Over The Rainbow.

 

Em boa parte destas canções, Bob Dylan procede como Sinatra, garimpa o vasto filão do Great American Songbook. Come Rain or Come Shine (Harold Arlen/Johnny Mercer) foi gravada originalmente em 1946, pela Orquestra de Tommy Dorsey (com Sy Oliver de crooner). Sinatra a gravou em 1962, mas antes dele, muita gente gravou esta, inclusive o comediante Jerry Lewis, que fazia dupla com Peter Lawford, um dos integrantes da turma dos Rat Pack (espécie de Clube dos Cafajestes, de Hollywood, liderada por Sinatra).

Como Bob Dylan raramente concede entrevistas, ficam nas conjecturas o motivo gravar dois álbuns de canções em tons sépia, algumas empoeiradas, como a citada On A Little Street In Singapore, que foi popular até os anos 40, e relegada ao esquecimento, feito o detetive sino-­americano Charlie Chan, que fazia sucesso quando esta canção frequentava as paradas.

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