Em agosto de 1970, depois de um show do Velvet Underground, no Max Kansas City, em Nova York, onde a banda não tocava há três anos, Lou Reed anunciou que estava saindo do grupo. Voltou para a casa dos pais, em Freeport, Long Island, que ele definia como "o lugar mais chato do mundo". "A melhor coisa do lugar, é que você sabia que ia cair fora dali", dizia. Porém ele volta para Freeport, para seu antigo quarto, como um fracassado. Sem dinheiro e um junkie deprimido.
A vida atribulada, sem glamour, de um dos mais influentes nomes da história do rock é narrada com minúcias em Transformer A História Completa de Lou Reed (Editora Aleph), de Victor Brockis (tradução de Bruno Federowski e Marcia Men), cuja primeira edição é de 1994, mas foi devidamente atualizada em 2014, ano da morte do biografado. Os episódios básicos da vida de Lou Reed já são bem conhecidos por quem tem o mínimo interesse por ele ou pelo Velvet Undeground.
O garoto de filho de classe média, que se descobriu homossexual aos 13, que foi submetido a sessões de eletrochoque para se "curar", do problema. A mudança para Nova York, o encontro com John Cale, o surgimento do Velvet Underground, a associação com Andy Warhol, os conflitos dentro da banda, principalmente com a cantora alemã Nico. Os relacionamentos com homens e mulheres, as drogas, e uma das mais consistentes obras criadas por um músico popular no século 20. Tudo isso é Lou Reed.
O que o experiente jornalista inglês (que mora nos EUA) faz é se aprofundar nesses fatos que afloraram à superfície e podem ser conferidos nos centenas de livros, artigos e publicações afins sobre Lou Reed, que poderia ter todos os defeitos, e tinha quase todos, menos o do fingimento. Ele não escamoteava o que sentia, seja humilhando Nico, imposta ao Velvet Underground por Andy Warhol, ou ao abrir o caminho para a dissolução do VU quando demitiu o galês John Cale, em 1968.
O bissexual que viveu com mulheres e homens, com uma queda para drag queens, que tratava violentamente a ambos, temia o pai e a mãe, com os quais teve um relacionamento de amor/ódio, fonte de inspiração para canções como Kill Your Sons. A suburbana e tranquila Freeport habitou até o final os desvãos de suas memórias afetivas, a ponto de batizar com o nome da rua em que morou, sua editora musicai, a Oakland, ou dar o nome de Coney Island a um de seus álbuns dos anos 70.
Matamorfose ambulante, Lou Reed sacou John Cale da banda porque ele questionava o viés pop que Reed queria aplicar no VU, enquanto Cale vinha da vanguarda novaiorquinha de La Monte Young e ouros nomes da música erudita contemporânea. No entanto, sempre que o sucesso se avizinhou dele, Lou Reed o tratou com desdém. Ao fim de quatro álbuns com o VU, nenhum bem sucedido comercialmente, embora imensamente influentes nos anos seguintes,
Lou Reed decidiu iniciar carreira solo, gravando na Inglaterra onde o Velvet Underground era cultuado, além de Londres ser mais aberta à experimentaçõ
Porém, feito um estreante, ele deixou para a gravadora a produção inteira. Quando Lou chegou ao estúdio, tirou a guitarra da case e levantou a cabeça, teve um susto. Diante de si estava um grupo de músicos que, naquele tempo, seria a banda dos sonhos de muita gente. Mas um pesadelo para Lou Reed. Três deles do grupo de rock progressivo Yes os tecladistas Rick Wakeman e Tony Kaye e o guitarrista Steve Howe e ainda o guitarrista Caleb Quayem, que tocava com Elton John. Nenhum deles comungava da menor afinidade com a sua música.
Pior. O repertório gravado com os ingleses era de sobras do Velvet Underground. Da capa à mixagem, tudo deu errado no disco, teve críticas desfavoráveis até de Lester Bangs, admirador confesso de Lou Reed. O álbum vendeu apenas sete mil cópias. Coincidentemente chegou às lojas com o Velvet Underground Live At Maxs Kansas City, gravação do último show de Lou Reed com o VU, que recebeu resenhas elogiosas e vendeu até mais do que os álbuns originais do grupo. Desde que Andy Warhol deixou ser o produtor do Velvet Underground, dispensado por Lou Reed, a quem chamou de "Rato", os dois tinham pouco contato.
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)