EMPODERAMENTO

Empresas descobrem o potencial do mercado voltado para público negro

Abolição da Escravatura, lembrada neste dia 13, chama atenção para nicho esquecido por séculos

Luiza Freitas
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Luiza Freitas
Publicado em 13/05/2017 às 7:06
Foto: Alexandre Gondim/ JC Imagem
Abolição da Escravatura, lembrada neste dia 13, chama atenção para nicho esquecido por séculos - FOTO: Foto: Alexandre Gondim/ JC Imagem
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De cada dez brasileiros, três são mulheres negras. Considerando os dois gêneros, a população preta e parda (grupos que o IBGE usa na definição de negros) representa 54% de todos os nascidos no Brasil. Os números de dezembro do ano passado reforçam não só o peso dessa identidade de raiz africana, mas, para a economia, um mercado em potencial. De olho nessa parcela da população que pouco se reconhece na mídia, grandes marcas tentam se aproximar com produtos especializados enquanto pequenos negócios embarcam no empreendedorismo social para promover um consumo mais consciente. No fim das contas, ganha a maioria.

Foi em 2012 que O Boticário iniciou uma pesquisa para o desenvolvimento de produtos com diferentes tonalidades para sua linha de maquiagem. Com mais de três mil unidades no País e alta capilaridade em todas as regiões, a marca sentiu a necessidade de se aproximar do público negro. "Durante a fase de pesquisa de mercado, foram identificadas dificuldades e uma certa carência para encontrar produtos adequados à tonalidade de pele, textura e cobertura. Além disso, questões diversas em um país grande como, por exemplo, o clima, influenciam o comportamento e desejo dos consumidores nesta categoria", conta a gerente da categoria Maquiagem, Mirele Martinez, referindo-se às necessidades criadas a partir das condições regionais, que acabam se somando à procura pela tonalidade certa. Hoje a marca apresenta um portfólio com 12 cores capazes de atender a uma variação ainda maior de tons.

No bairro de São José, área central do Recife, o salão de beleza Afro Anastácia funciona há 12 anos para atender ao público específico, oferecendo, além do serviço de cuidados para cabelos, empoderamento à comunidade negra. "Algumas pessoas dizem que o cabelo afro virou moda. Eu não acho que seja uma moda. Elas resolveram assumir suas raízes. E aqui oferecemos também empoderamento a essas mulheres. São várias histórias de discriminação na família, de amigos", destaca a proprietária do salão, Ana Fabíola Nascimento.

MUDANÇA DE CENÁRIO

Para a bióloga sanitarista coordenadora Nacional de Saúde da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Conceição Silva, a indústria já percebe o potencial desse mercado, mas ainda está longe de atendê-lo completamente. "A gente ainda tem muita dificuldade de encontrar produtos adequados para cabelo, por exemplo. Nos Estados Unidos, a população negra representa apenas 13% do total. Aqui nós somos muitos mais, há uma diversidade muito maior. Com a internet, a disseminação da informação, esse cenário está melhorando, mas ainda há uma carência", pondera Conceição.

A coordenadora da instituição também critica a inclusão de produtos nos portfólios sem que o mesmo aconteça nas propagandas e identidade da marca. "Já vimos vários exemplos de grandes redes de moda, por exemplo, que criam uma coleção declaradamente inspirada na África, mas trazem apenas modelos brancas usando suas roupas", critica. 

Para ela, sem o cuidado de associar adequadamente o produto, sua fonte de inspiração e o público ao qual ele se reporta, as empresas acabam não ajudando a desconstruir o racismo.

O preconceito nas relações de consumo é um reflexo do padrão de beleza disseminado. Em 1998, a pernambucana Rishon Cosméticos, numa iniciativa inovadora, lançou uma linha voltada para cabelos crespos. Na época, porém, poucas eram as referências de mulheres negras com cabelos naturais e o resultado acabou sendo a retirada do mercado devido ao"fracasso" do produto, nas palavras da própria diretora da empresa, Marcelle Sultanum. Em 2015, diante de um novo cenário, a empresa insistiu no segmento e deu certo. "Depois da febre do alisamento, hoje percebemos uma escolha mais consciente. E o que mais amo no que está acontecendo é o empoderamento dessas mulheres e, se isso passa também pelos cabelos, nos deixa muito feliz", afirma.

A Rishon oferece atualmente duas linhas completas voltada para esse público. A primeira, chamada "Cachos", é focada nas pessoas que estão passando pela transição capilar - deixando de realizar procedimentos químicos. A mais nova é a "Black Power", para fios naturais. Juntos, esses dois segmentos representam 30% do faturamento da empresa, número expressivo diante de um passado recente em que vê-los nas prateleiras causava estranhamento.

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