MOBILIDADE

TCE vê erros nos projetos para a Copa

Relatório aponta irregularidades que teriam reduzido os benefícios e aumentado os custos. Governo do Estado nega as acusações

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 01/06/2014 às 14:00
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Pela metade e mais caro. Assim será entregue o projeto de mobilidade para a Copa 2014 em Pernambuco, originalmente orçado em R$ 493 milhões. Num cenário de obras de menos e gastos de mais, o chavão governista de “legado do Mundial” perde força por aqui. Acompanhando o plano desde 2011, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez mais de 50 vistorias às obras e enviou alertas de irregularidades à Secretaria das Cidades de Pernambuco (Secid) e aos consórcios construtores. O TCE calcula em R$ 82,5 milhões os valores excessivos (e passíveis de devolução) nos contratos de quatro obras. 

Projetos básicos malfeitos transformaram o escopo inicial dos projetos num Frankenstein cheio de remendos e aditivos. Conselheira do TCE e relatora do processo de auditoria das obras da Copa desde 2013, Teresa Duere alerta para o custo do improviso no plano de mobilidade. “Mais uma vez, os erros no projeto básico se convertem em improvisações no planejamento e na explosão dos custos. A poucos dias da Copa, percebemos que poucas obras ficaram prontas. A secretaria estadual das Cidades, a empresa fiscalizadora (Maia Melo) e os consórcios construtores foram alertados com relatórios do Núcleo de Engenharia (NEG) do Tribunal para que a situação não chegasse onde chegou”, observa.

Os equipamentos de infraestrutura que serão entregues às cidades não refletem o desenho original dos projetos. A obra encolheu e os custos subiram. Um dos exemplos é o Corredor de Transporte Público Leste-Oeste, que liga o Recife a Camaragibe. Responsável pela obra, o Consórcio Mendes Júnior/Sevix vai entregar 55,8% do que foi projetado, com valor 8,69% superior ao preço global. O chefe do NEG, Ayrton Alcoforado Júnior, explica que, para não ultrapassar o limite legal de aditivos (25% sobre o valor total da obra), os consórcios retiraram itens dos projetos. No Leste-Oeste, por exemplo, ficaram de fora os elevados do Benfica e da III Perimetral, além do Viaduto da UPA. As reduções somaram R$ 64,2 milhões. “Essas supressões comprometem serviços importantes para o bom funcionamento do sistema e a melhoria da mobilidade”, pondera. 

O tira daqui e bota ali continuou na obra do Leste-Oeste. Contratos aditivos inflaram em R$ 76,4 milhões (52,5%) o valor inicial do projeto, orçado em R$ 145,3 milhões. Na lista de acréscimos aparecem o Túnel da Abolição, o Elevado do Bom Pastor, as estações do BRT (Bus Rapid Transit) e o Terminal Integrado da IV Perimetral.

O Elevado do Bom Pastor, na Avenida Caxangá, mais que dobrou de valor. Majorado em 127,8% passou de R$ 16,3 milhões para R$ 37,1 milhões. A justificativa para o reajuste foram mudanças nas fundações e na infraestrutura do viaduto, que já tem estrutura de ferro cedendo, antes mesmo de ser liberado para uso. Outra obra que também não foi concluída para a Copa e o preço explodiu foi o Túnel da Abolição (no cruzamento da Caxangá com a Real da Torre). O projeto inicial era de R$ 9 milhões, mas o consórcio pediu um aditivo de R$ 8,6 milhões e o contrato ficou em R$ 17,7 milhões. 

“A justificativa é sempre a necessidade de reparar erros no projeto básico. Seja por problemas de desapropriação, de estrutura ou no traçado. Tem um exemplo de um viaduto no Ramal da Copa (via que liga o Terminal Integrado de Passageiros de Camaragibe à Arena da Copa), que o preço multiplicou por quatro. O consórcio Mendes Júnior/Servix alegou que foi necessário mudar a localização da obra, por conta de dificuldades nas desapropriações. Nesse novo local, a estrutura de concreto armado precisou ser alterada para aço, numa clara demonstração de equívoco no planejamento”, aponta Teresa Duere.

O Ramal da Copa teve um acréscimo de R$ 31,6 milhões no valor do contrato original, projetado em R$ 167,7 milhões. Atrasada, a obra precisou ter um viaduto retirado do projeto. A previsão era entregar uma avenida com corredores exclusivos para transporte coletivo, faixa de rolamento para tráfego misto e ciclovia. Mas o que vai ficar pronto agora em junho é apenas uma passagem para os BRT. Pelas contas do TCE, o equipamento é o que teria maior valor para ser devolvido aos cofres públicos (R$ 35,4 milhões) no Plano de Mobilidade para a Copa.

Das principais obras de mobilidade para o Mundial, o que de fato vai ficar pronto é a Passarela Aeroporto-Metrô e o TI Cosme e Damião, em São Lourenço da Mata. O TI é o principal ponto de embarque e desembarque dos passageiros que vão para a Arena da Copa, enquanto a Passarela liga o Aeroporto à linha Sul do Metrô (por meio de uma esteira rolante), sem precisar atravessar a Avenida Mascarenhas de Moraes, no bairro da Imbiribeira. Apesar de também estarem atrasadas, as duas obras foram as que apresentaram menores problemas no relatório do TCE.

O relatório do TCE também aponta que a Secretaria das Cidades de Pernambuco (Secid) vem descumprindo recomendações do Tribunal, no que se refere ao pagamento da execução de serviços. Desde março de 2013, a Secid vem pagando valores mensais acima do estimado no contrato. Ao invés de desembolsar parcelas mensais de R$ 294,4 mil, a secretaria paga cerca de R$ 500 mil. Isso gerou um descompasso entre os valores liquidados e executados. Em agosto do ano passado, a Secretaria pagou 100% das despesas com o item “administração local e manutenção do canteiro de obras” do contrato, quando o índice de serviços executados estava em apenas 37,63%. Além de receber os pagamentos adiantados, o consórcio Mendes Júnior/Sevix ainda pediu um aditivo R$ 4,9 milhões (dividido em 12 parcelas) para alcançar o “reequilíbrio econômico-financeiro” nesse mesmo item.


Abaixo, estão as perguntas enviadas pelo JC e, em seguida, as respostas enviadas pela Secretaria das Cidades, do Governo do Estado. No fim da página, o áudio da entrevista do titular da pasta, Evandro Avelar, que complementa o material.

- O TCE aponta para valores excessivos nas obras do Leste-Oeste, Norte-Sul e Ramal de Acesso da Copa, calculando os valores passíveis de devolução em R$ 81,9 milhões.
- No caso do Elevado do Bom Pastor, houve um acréscimo de 127,8% no valor da obra, passando de R$ 16,3 milhões para R$ 37,1 milhões. O que provocou esse o ágio?
- No Leste-Oeste foi proposta a construção de 16 estações provisórias. Quantas foram concluídas? O que será feito delas depois do Mundial? Serão necessários novos aditivos para torná-las definitivas? 
- No caso do Leste-Oeste, o escopo inicial da obra foi reduzido em 44,2% sem diminuição do valor do contrato. - Ao contrário, houve um acréscimo no valor de 8,69% (R$ 12,2 milhões).
- As obras apresentam várias supressões e aditivos: Elevado da Benfica foi retirado do projeto. Túnel da Real da - Torre subiu de R$ 9 milhões para R$ 17,7 milhões. Estação Tipo 1 passou de R$ 5,8 milhões para R$ 28,1 milhões. Inclusão de estações de ônibus convencionais (R$ 5 milhões) e Terminal de Timbi (R$ 720 mil).
- O Leste-Oeste também teve problemas com desapropriações, que provocaram atrasos nos cronogramas físicos. 
- Segundo o TCE, a SECID fez pagamentos antecipados para serviços de ?administração local?. Enquanto a execução da obra estava em 37,63%, os valores globais já haviam sido pagos. 
- Segundo o TCE, no início de 2014 a SECID formalizou o 6º aditivo para incluir 12 parcelas dos itens administração e manutenção de canteiros ao custo R$ 4,9 milhões. (Considerado passível de devolução)
- No corredor Norte-Sul, foi alterado o projeto das estações de passageiros, de concreto armado para estrutura metálica. Segundo o TCE, sem apresentação de justificativas técnicas. Por que essa alteração, em quantas estações?
- No caso do Ramal da Copa houve um aumento de custos da ordem de 25%, apesar da supressão de um viaduto. Necessidade de mudança conceitual no projeto. Essas novas despesas fizeram o TCE orientar a necessidade de devolução de R$ 32,7 milhões.
- Está confirmada a operação comercial do BRT para 7 de junho? Com quantas estações em funcionamento em cada um dos corredores?

Resposta de Evandro Avelar, via assessoria de imprensa

Em relação ao despacho técnico nº03, do Grupo de Mobilidade do Núcleo de Engenharia do Tribunal de Contas do Estado a Secretaria das Cidades esclarece:
1 – O referido documento trata-se de um despacho técnico do grupo de mobilidade do Núcleo de Engenharia do Tribunal de Contas do Estado e não representa 
2 – Desde a sua fase de concepção até a assinatura dos termos contratuais todos os documentos relativos às obras foram apresentados, previamente, ao Tribunal de Contas do Estado.
3 – A Secretaria das Cidades além de contar uma qualificada equipe técnica, contratou uma empresa gerenciadora para fiscalizar e acompanhar o andamento das obras de mobilidade. Inclusive, integra a equipe da Secretaria diversos técnicos do TCE e da CAIXA.
4 – A Secretaria das Cidades sempre manteve o diálogo com todos os órgãos envolvidos como o Ministério dos Esportes e Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal e com o Tribunal de Contas, encaminhando regularmente notas fiscais, aditivos e medições.
5 – Até o presente momento todos os órgãos envolvidos se manifestaram favoráveis à regularidade das obras. O próprio Tribunal de Contas do Estado aprovou as prestações de contas dessas obras no exercício de 2012 (Processos Nº 1201612-3; Nº 1201616-0; Nº 1201614-7, do relator e Conselheiro Valdecir Pascoal).
6 – A política de disponibilização de informações para a sociedade adotada pelo Governo do Estado na execução das obras da Copa foi reconhecida, em março deste ano, pelo Instituto Ethos que apontou Pernambuco como o estado com maior nível de transparência entre os que vão sediar a Copa de 2014. 
7 - É importante esclarecer que não foi apontado excesso de valores nas referidas obras e que não há questionamentos em relação aos preços unitários dos serviços e quantitativos executados na obra.
Valores - Dos R$ 81,9 milhões apontados no despacho técnico como passíveis de justificativa técnica, R$ 63,3 milhões dizem respeito às alterações qualitativas nos projetos, minimização no impacto causado a população (desapropriações, impacto no trânsito, etc) na construção dos corredores Leste/Oeste, Norte/Sul e Ramal Cidade da Copa. Os outros R$ 12,9 milhões foram empregados para a administração local e manutenção de canteiro conforme decisões do TCE em auditorias especiais nos contratos da Copa. Outros R$ 5,1 foram destinados para melhoria operacional do Sistema.
Elevado do Bom Pastor (obra que integra o corredor exclusivo de ônibus Leste/Oeste) - o investimento foi empregado na construção de mais duas faixas para possibilitar a ultrapassagem e garantir maior velocidade operacional do BRT. Essa alteração conceitual do projeto já foi apreciada pelo TCE por meio do Acórdão 2424/2013.

Construção de estações - As 16 estações que estão sendo construídas na Avenida Conde da Boa Vista e Belmino Correia não tem caráter provisório. São estações convencionais que estão compatibilizadas com o sistema BRT.  As obras estão em andamento e depois do mundial continuarão atendendo à população pelo Sistema BRT. As estações atenderão a uma demanda diária de 90 mil pessoas, tanto na Avenida Conde da Boa Vista como na Avenida Belmino Correia. Não existe necessidade de novos aditivos para a construção das estações.
Redução de obras de arte especiais no Corredor Leste/Oeste - A redução trata da supressão de viadutos (elevados) motivadas pela identificação de conflitos com outros projetos da Prefeitura do Recife e restrições do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). As alterações foram submetidas e aprovadas pelo TCE, anteriormente.
Já no Túnel da Abolição houve uma mudança no método construtivo para evitar a interdição da Avenida Caxangá durante sua execução e também para minimizar ou mitigar qualquer risco de impacto nas vizinhanças - inclusive ao Museu da Abolição.

Adequação de estações – O valor de R$ 5,8 milhões referia-se a 5 estações (Tipo 1), hoje são 14 estações (Tipo 1), por isso o aumento no valor. A mudança no quantitativo deve-se à necessidade de padronização das estações do Corredor, onde foram substituídas 12 estações do tipo 02 que já estavam previstas. Quanto à diferença de valor unitário, deve-se às melhorias qualitativas, como por exemplo, mudança nos sistemas de informação e controle das estações, catracas de acesso, com todos os seus softwares, alteração do Posicionamento das Portas das Estações.

Desapropriações - De fato houve diversas desapropriações nas áreas do Túnel da Abolição e Terminais Integrados. Foram realizadas 131 desapropriações, sendo 20 ações judiciais que impactaram na liberação de frentes de obras (estação Benfica, Túnel da Abolição, TI da III Perimetral, TI da IV Perimetral, Viário da Avenida Caxangá e Avenida Belmino Correia).  Ressalta-se que o TCE já se manifestou sobre este assunto nos autos do processo Nº 1201612-3, “ Somos compelidos a concluir que os atrasos no cronograma da execução da obra decorrem essencialmente de fatos e circunstancias que não caracterizam manifesta negligencia  ou imperícia por parte da administração”.

Pagamentos - Não foram feitos pagamentos antecipados. Os pagamentos foram executados em parcelas fixas mensais conforme o contrato e seguindo a decisão anterior do Tribunal de Contas do Estado. “A administração traz uma gama de argumentos e justificativas que nos conduzem a concluir que não há como impor uma limitação de pagamento à contratada por descumprimento de deliberação do TCU. Com efeito, só caberia impor esse limite, conforme diz o próprio TCU nos casos em que ficasse patente a culpa da administração ou da contratada, o que, REPITA-SE, NÃO RESTOU COMPROVADO NO PRESENTE CASO” (Processo TC Nº 1201612-3).
Alteração dos projetos das estações do Corredor Norte/Sul - A alteração foi necessária no centro urbano da cidade, visando minimizar o tempo de construção de cada estação e reduzir os impactos no trânsito das vias ao longo da obra.

Traçado Ramal Cidade da Copa - inicialmente o ramal passava por uma área mais adensada da cidade Camaragibe onde havia a previsão de desapropriar 800 imóveis, o que geraria um grande impacto social. Sendo necessário, portanto a mudança do traçado para minimizar o número de desapropriações (foram desapropriados apenas 200 imóveis no traçado atual), gerando aproximadamente uma economia de R$ 17 milhões em desapropriações. Essa mudança do traçado, inclusive, foi objeto de apreciação e aprovação do TCE.

Início da operação - Está confirmada a operação dos corredores Leste/Oeste e Norte/Sul em 07 de junho, com 15 estações.

Áudio da entrevista:

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