ENCONTRO

Lucas Lyra conhece pais de vítimas da violência no futebol

Torcedor recebeu a visita do pai de Paulo Ricardo e da mãe de Veronaldo Silvino

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 25/12/2016 às 9:00
Ricardo Labastier / JC Imagem
Torcedor recebeu a visita do pai de Paulo Ricardo e da mãe de Veronaldo Silvino - FOTO: Ricardo Labastier / JC Imagem
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Natal é tempo de encontros. Momento de celebrar, sobretudo, a vida. Devido à simbologia da data, as pessoas costumam se reunir em gesto de gratidão. Aproveitando o ensejo, o Jornal do Commercio promoveu um encontro entre famílias que tiveram vidas modificadas pela violência no futebol e se uniram para se fortalecer. E foram além. Juntas descobriram que têm algo muito especial para agradecer uma à outra. Hoje, as vítimas dos crimes desejam que o sentimento de paz, tão falado nesta data festiva, enfim, invada os estádios pernambucanos.

Na data e horário marcados, José Paulo Gomes apareceu no prédio na Torre onde está morando Lucas Lyra, o torcedor alvirrubro que levou um tiro na nuca na frente dos Aflitos em 2013. Ao entrar no apartamento um olhar ao longe e, na camisa, a foto do filho Paulo Ricardo Gomes, rubro-negro morto com uma vaso sanitário jogado da arquibancada do Arruda em 2014. Ao abraçar a irmã de Lucas, Mirela Lyra, foi impossível segurar as lágrimas. “Toda a nossa família ainda sofre bastante com a perda de Paulo Ricardo daquela forma tão trágica. Até hoje sentimos falta e choramos ao ver foto dele. É duro viu”, disse José Paulo, sendo consolado.

Depois, seu José Paulo se refez, pois tinha um propósito especial naquela tarde: conhecer Lucas e receber dele um agradecimento. Indicando o caminho do quarto do irmão, Mirela explicou o “obrigado” em questão. “Antes de ser vítima das torcidas organizadas, Paulo Ricardo chegou a doar sangue para Lucas. Um gesto de amor de uma pessoa que nem imaginava que, mais tarde, também entraria para essa dolorosa estatística de violência”, disse. Quando teve alta do hospital, em agosto desse ano, depois de três anos e meio de internação, Lucas manifestou a vontade de agradecer pessoalmente a José Paulo pelo gesto do filho.

O momento chegou. Assim que entrou no quarto José Paulo deu um aperto de mão tímido em Lucas. Porém, depois a conversa fluiu. Afinal, mais do que se conhecer, eles já se reconheciam na mesma dor. “Eu acompanhei toda essa luta de Lucas, desde a internação até a saída do hospital. É um prazer conhecê-lo pessoalmente. Fiquei muito feliz em vê-lo se recuperando bem e saber que meu filho de alguma forma ajudou nisso”, disse José Paulo, que, no dia 2 de setembro de 2015, quando completou 58 anos, viu o trio responsável por ter matado seu filho ser condenado em júri popular.

O tempo passou. A saudade não. “O vazio é grande. Eu sei que Paulo Ricardo não volta mais, mas me sinto bem em lembrar que antes de morrer fez esse gesto de amor por alguém que nem conhecia. Quem doa sangue, doa vida. Por isso, vejo um pouco de Paulo Ricardo agora em Lucas”, contou José Paulo, entre lágrimas.

O choro de José Paulo foi enxugado pela terceira participante do encontro. Hozineide Xavier, mãe do rubro-negro Veronaldo Silvino da Silva, que ficou tetraplégico depois de, em 2007, ser atingido por uma pedrada na cabeça, arremessada da mesma arquibancada do Arruda, onde, anos depois, foi jogado o vaso sanitário contra Paulo Ricardo. Triste coincidência. Triste sina de nove anos de uma mãe. “Depois que levou a pedrada na cabeça, meu filho vive preso numa cama como se fosse um bebê, só que com 31 anos. Sou só eu para cuidar dele. Sou enfermeira, fisioterapeuta, fonoaudióloga, tudo para ele”, disse. Ela reclama que a única ajuda financeira recebida é de apenas um salário mínimo pago pela Federação Pernambucana de Futebol, enquanto os gastos com medicamentos, alimentação especial e outros cuidados com o filho ultrapassam a R$ 2.500,00.

Ao contrário do crime que vitimou Lucas, o responsável pelo arremesso da pedra da arquibancada do Arruda nunca foi identificado, preso e julgado. Assim, ela depende basicamente da ajuda de amigos, vizinhos e doações (conta-corrente: 09585-2/agência: 7376). “Quando eu vejo uma família passar pelo mesmo sofrimento que eu devido à violência no futebol, isso me parte o coração. Se meu filho está já há nove anos comigo nesse estado, é porque Deus tem um propósito imenso para mim e para ele. O importante é ter fé. E ver Lucas bem, conversando, sorrindo, renova as minhas esperanças de, se Deus quiser, ver o meu filho um dia assim também”, afirmou Hozineide.

ABAIXO-ASSINADO

Em fevereiro deste ano, uma audiência no Tribunal do Júri da Capital determinou que o autor do disparo contra Lucas, o ex-segurança da empresa de ônibus Pedrosa, José Carlos Feitosa Barreto, irá a júri popular. Contudo, a data ainda não foi marcada. A família Lyra está fazendo um abaixo-assinado virtual para pressionar a Justiça de Pernambuco a julgar o caso. 

Enquanto isso, Lucas segue se recuperando e cada vez mais fortalecido com encontros como esse. “Estou feliz em conhecê-los, porque são guerreiros também, assim como eu. Eu tenho fé que Deus vai ajudar na recuperação de Veronaldo e queria ter agradecido pessoalmente a Paulo Ricardo e, infelizmente, não tive essa oportunidade, mas, graças a Deus, pude fazer isso ao pai dele”, contou Lucas.

Questionado em relação à proximidade do fim de ano, o que ele pediria para 2017, Lucas não titubeou: “A única coisa que peço é paz, que as pessoas desarmem seus corações para ir aos estádios”. 

 

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