OPINIÃO

A violência policial não impediu os catalães de votarem

O líder catalão anunciou que levará a mensagem do plebiscito ao Parlamento da Catalunha

JC Online
Cadastrado por
JC Online
Publicado em 01/10/2017 às 19:45
Raymond ROIG / AFP
O líder catalão anunciou que levará a mensagem do plebiscito ao Parlamento da Catalunha - FOTO: Raymond ROIG / AFP
Leitura:

Por Taíza Brito

Especial para o JC

A violenta ação policial do estado espanhol contra quem foi votar no referendo sobre a independência da Catalunha – com 844 feridos – fracassou. Foram fechados 400 colégios eleitorais dos 2,3 mil habilitados. Ainda não há resultados oficiais, mas estima-se que haverá vitória do sim com margem superior a 80%. Mais de 5,3 milhões de eleitores estavam aptos a votar. O resultado oficial deve ser divulgado nas próximas 48 horas.

Em pronunciamento às 22h30 (17h30 no horário de Brasília), o presidente Carles Puigdemont disse que os catalães ganharam o direito de ser um estado independente em forma de república. “Hoje ganhamos muitos referendos, ganhamos o direito de ser ouvidos e de ser escutados pelo mundo. Nossa população mostrou isso de forma clara”, exortou.

O líder catalão anunciou que levará a mensagem ao Parlamento da Catalunha ainda esta semana, após a finalização da contagem de votos. O que abre caminho para a declaração de independência, segundo a Lei do Referendo, que é considerada ilegal pela Espanha.

Puigdemont disse que a União Europeia (UE) não pode ficar olhando para outro lado, nem continuar considerando a Catalunha como um assunto interno da Espanha. “O que houve aqui foi uma grave violação dos direitos humanos por parte de um estado hostil, que não sabe dialogar. Também somos cidadãos europeus e exigimos respeito”.

O presidente agradeceu aos que foram votar, especialmente aos feridos. “Homens e mulheres viveram uma jornada cheia de esperança, mas também de sofrimento. Agradeço aos que defederam nosso direito ao voto e às mais de 800 pessoas atacadas brutalmente”.

A fala de Puigdemont foi acompanhada por uma multidão na Praça Catalunha, em Barcelona, e em telões em várias cidades do território. Em Madri, muita gente ocupou a Praça do Sol para dar suporte ao direito de autodeterminação da Catalunha, o que se repetiu em Valência e Bilbao. As entidades soberanistas e centrais sindicais convocaram greve geral para a próxima terça-feira, como forma de protestar contra a atuação da polícia.

O primeiro ministro da Espanha, Mariano Rajoy, também se pronunciou à noite. No discurso, ignorou as vítimas da repressão e afirmou que o que houve na Catalunha não pode ser qualificado como referendo. Comemorando “a vitória das forças policiais que agiram profissional e proporcionalmente”, Rajoy instou Puigdemont a “voltar à realidade” nesta segunda-feira.

Rajoy lamentou que tenha sido proporcionada uma grande “frustração aos catalães”, que ao seu ver foram enganados. “Amanhã (segunda) é dia de volta à normalidade. Meu governo está aberto ao diálogo”, completou.

 Resistência

Desde as 5h da manhã, os eleitores catalães se posicionaram diante das escolas dispostos a resistir e a votar. Dentro dos colégios eleitorais haviam professores, pais e alunos que ocuparam os locais desde a sexta-feira para garantir a abertura das mesas de votação.

Às 9h, com o início da votação, a polícia espanhola começou o ataque, batendo com violência em quem encontrava pela frente. Foram muitos os casos de gente com os dedos das mãos quebrados, como Marta Torrecillas, 33, que estava no Instituto Pau Claris, em Barcelona. Vídeos publicados nas redes sociais mostram pessoas sendo jogadas escadas abaixo e outras golpeadas por bastões ou arrastados pelos cabelos ou pelas pernas.

Os eleitores se defendiam levantando os braços e gritando que eram gente de paz, enquanto outros sentavam-se no chão. Mas não houve piedade. A polícia bateu em idosos, jovens e crianças. Em alguns pontos usou gás de pimenta e bolas de borracha, que têm uso proibido na Catalunha. Tudo isso para confiscar cédulas eleitorais e urnas, muitas arrancadas à força dos mesários.

Entre os alvos, os locais onde votariam Puigdemont, o vice Oriol Junqueras e a presidente do parlamento, Carme Forcadell. Contudo, ao ativar o censo universal, com um sistema informático que permitiu que os cadastrados votassem em qualquer seção, os líderes catalães depositaram seus votos em outros colégios.

Em alguns locais, policiais foram expulsos com ajuda dos bombeiros e agentes dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã. Em cidades do interior, caminhões e tratores foram usados para bloquear a passagem da polícia. Os agentes espanhois destruíram mobiliário e equipamentos de diversas escolas. A secretaria de Educação da Catalunha, Clara Ponsatí, foi agredida tentando proteger a sede da instituição que serviu de colégio eleitoral.

Observadores internacionais convidados pela Diplomacia Pública da Catalunha foram alvo da repressão, com alguns expulsos das escolas ou atacados com balas de borracha. O grupo que veio da Grã-Bretanha, formado por eurodeputados e cientistas políticos, promete denunciar o estado espanhol à Corte Penal Internacional de Haya por “flagrante violação dos direitos humanos”.

Muitos líderes europeus levantaram a voz contra Rajoy, reputando a ação como indigna de um estado Europeu. Foi o caso da primeira ministra escocesa Nicola Sturgeon e de seu homónimo na Bélgica, Charles Michael. O jogador de futebol, Gerard Piqué, que votou, chorou ao defender o direito dos catalães de pronunciarem-se sobre a independência. A imprensa estrangeira fez duras críticas à Espanha. O The Guardiam titulou: “O estado espanhol perdeu”, enquanto a cadeia de notícias CNN destacou como país “Vergonha da Europa”. 

 

Últimas notícias