REPRESSÃO

Civis comandam programa de repressão em nome da segurança na China

Pequim atribui os atentados a extremistas e separatistas que já mataram centenas de civis

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Publicado em 26/04/2018 às 11:15
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Pequim atribui os atentados a extremistas e separatistas que já mataram centenas de civis - FOTO: Foto: AFP
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Na China, em uma região vítima da instabilidade social, o governo envia grupos de civis a diferentes localidades para que "conquistem os corações dos moradores" e também para identificar e deter qualquer pessoa considerada uma ameaça para a segurança nacional.

Em Akeqie Kanle, quatro meses após a chegada da "equipe de trabalho" ao pequeno vilarejo do imenso território semidesértico de Xinjiang (noroeste), 117 pessoas - ou seja, 20% dos adultos - foram enviadas para centros de reeducação. 

Este grupo de civis era apenas um dos 10.000 mobilizados em 2017 pelas zonas rurais desta região, onde moram diversas etnias muçulmanas, incluindo os uigurues, e que é cenário frequente de atos violentos. 

O programa, batizado como "Conhecer as condições de vida do povo, melhorar sua vida e conquistar seus corações", mobiliza políticos e professores universitários. Os objetivos proclamados são propagar as mensagens do Partido, reduzir a pobreza rural e promover a "harmonia interétnica". 

Os moradores da região convivem com atentados, que Pequim atribui a "separatistas" ou "extremistas" da minoria uigur, de língua turca, e que deixaram centenas de mortos nos últimos anos.

Os uigures afirmam que são vítimas de discriminações religiosas e no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, as autoridades estão preocupadas com os vínculos de um setor radicalizado desta comunidade e grupos jihadistas internacionais. 

Quando um grupo da Universidade de Televisão e Rádio de Bingtuan chegou no início de 2017 a Akeqie Kanle, sua missão era essencialmente humanitária: de aulas de formação profissional à gestão da comunidade, além de assegurar a alimentação e água potável. 

'Erradicar os tumores'

As metas, no entanto, foram ampliadas rapidamente e passaram a incluir a vigilância da população e interrogatórios. Muitos moradores foram enviados a centros de reeducação. 

"Podemos entender completamente o que acontece em Akeqie Knale, olhar por trás das cortinas e erradicar os tumores", afirmou o serviço de comunicação do centro educativo em uma rede social. 

A universidade e as autoridades regionais de Xinjiang não responderam as perguntas da AFP sobre a operação. 

Mas centenas de documentos oficiais, artigos publicados na imprensa estatal e mensagens do governo nas redeis sociais dão uma ideia clara dos métodos empregados. E do profundo impacto a nível local. 

Akeqie Kanle pertence ao distrito de Moyu, onde três uigures atacaram, no fim de 2016, um escritório do Partido Comunista e mataram dois funcionários. 

O atentado provocou o envio de dezenas de milhares de policiais e militares adicionais a Xinjiang, onde os distúrbios são registrados há uma década. Também foi adotado um sistema de controle das práticas religiosas e de reeducação obrigatória para as pessoas consideradas um risco. 

As câmeras de vigilância foram multiplicadas. E os grupos civis se tornaram os olhos do Partido, com a missão de visitar cada família rural ao menos uma vez por semana para detectar qualquer comportamento suspeito. 

Estas visitas se tornaram diárias no caso de pessoas religiosas, donos de passaportes, homens com idades entre 16 e 45 anos e analfabetos. De acordo com o departamento regional de Justiça estas são as categorias especialmente vulneráveis à influência dos extremistas. 

Em algumas localidades de Xinjiang, as autoridades citaram 25 atividades religiosas ilegais e 75 sinais de radicalização, incluindo alguns atos que parecem insignificantes, como parar de fumar ou a compra de uma barraca. 

De acordo com o site de um governo local, até as transgressões consideradas menores podem resultar em um período de três meses de detenção em um "centro de transformação educativa". 

As pessoas levadas para estes centros passam por exercícios militares, cursos de marxismo e aulas de chinês. 

O número de detidos se tornou tão grande que as escolas começaram a oferecer cursos de recuperação para crianças cujos pais foram internados. 

Além disso, as autoridades mobilizaram grupos de trabalho para ajudar as mulheres sozinhas e os idosos nas atividades agrícolas. 

Os memorandos internos, no entanto, mencionam o ressentimento crescente da população de Xinjiang a com o programa.

O departamento regional de Agricultura explica em seu site as precauções que devem ser adotadas pelas "equipes de trabalho" e como agir em caso de emboscada.  

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