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Dilma Rousseff batalha agora pela História

Primeira mulher eleita para presidir o Brasil, Dilma será julgada por seus erros, mas não terá pecha de corrupta

Paulo Veras
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Paulo Veras
Publicado em 01/09/2016 às 7:32
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“Meu mandato deve incluir a tradução mais generosa desta ousadia do voto popular que decide convocar uma mulher para dirigir os destinos do País”, disse Dilma Rousseff no dia 1º de janeiro de 2010. Quis o destino que a primeira mulher eleita para presidir o Brasil perdesse o cargo em meio a uma grave crise política e econômica, transformando em uma incógnita o legado da sua gestão e a visão que a história irá contar sobre sua mais nova ex-presidente.

Diferentemente do que aconteceu com Fernando Collor em 1992, porém, Dilma não será vista como alguém que esteve envolvida diretamente em casos de corrupção, acreditam especialistas ouvidos pelo JC. Isso não quer dizer que a agora ex-presidente será absolvida de seus erros, entre eles as reiteradas inabilidades políticas e as falhas de gestão.

“Ela vai ser julgada severamente pela história pela condução incompetente e desastrada da economia. Dilma desrespeitou os princípios básicos da macroeconomia, como o equilíbrio fiscal e de preços. Deixa um legado que nós vamos levar anos para superar”, aposta o economista e consultor Jorge Jatobá, especialista em finanças públicas.

Em alguns anos, o discurso político sobre a derrocada de Dilma ser um golpe, como prega o PT, vai virar debate acadêmico. O primeiro livro acadêmico a ser lançado sobre o tema, a obra do Grupo Historiadores pela Democracia, está longe de ser um consenso. Argumentos como o de que o impeachment seria também um movimento de setores do Congresso para barrar as investigações da Operação Lava Jato carecem de comprovação mais robusta, inclusive documental. Por outro lado, no meio jurídico, não há unanimidade sobre a confirmação do crime de responsabilidade.

“Nos próximos cinco ou seis anos vai haver uma discussão ainda muito motivada por paixões. A tendência é que isso seja contado e recontado. Como se tem duas versões e formas de análise, não vai ser uma história única, como foi o impeachment de Fernando Collor quase uma unanimidade”, explica o professor Luiz Antônio Dias, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que vê o impeachment como um golpe.

Para o sociólogo Brasílio Sallum Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP) que estudou por anos a deposição de Fernando Collor, o argumento de que o impeachment atual é um golpe pode mobilizar a militância petista, mas não é majoritário e dificilmente vai cristalizar.

“O PT vai continuar participando da vida pública. Agora mesmo, o partido se recusou a aderir à ideia de novas eleições que a Dilma defendeu na carta à Nação. Eles ajudaram a eleger Rodrigo Maia (do DEM) para a presidência da Câmara, para continuar participando das comissões e relatorias, porque esse é o jogo. Para poder se manter na vida pública, o PT vai ter que continuar participando do regime”, argumenta.

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Historiadora e doutora em Ciência Política, a professora Céli Regina Jardim Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acredita que embora seja difícil prever o que a História irá pensar, o tempo deixará evidente que uma das razões para Dilma ter sofrido o impeachment é o sexismo do sistema político brasileiro. “Já vi muitas pessoas, inclusive ligadas ao PT, dizendo: ‘também, essa mulher...’. Há uma fragilidade maior na defesa da Dilma porque há um certo preconceito por ela ser mulher”, argumenta.

Especialista na participação de mulheres na política, Céli defende, por outro lado, que a deposição política da primeira mulher eleita para governar o Brasil não vai ser um problema para que outras mulheres cheguem à presidência no futuro. “No Brasil, ninguém vai deixar de votar em uma mulher para votar em um homem que seja majoritariamente contrário às suas ideias”, explica.

LIÇÕES DO SEGUNDO IMPEACHMENT

Não são só os 24 anos que separam as quedas de Ferrando Collor e Dilma Rousseff. Ao contrário dele, que renunciou quatro meses após o início do processo de impeachment, a ex-presidente teve apoio de uma base social formada pelas centrais sindicais e movimentos sociais para arrastar por meses sua deposição. Mesmo assim, é possível traçar paralelos históricos e tirar algumas lições dos processos que encerraram dois governos em nossa democracia recente.

“Claro que há uma grande diferença no sentido de, ao menos por enquanto, ela não estar envolvida diretamente com corrupção, enquanto ele era acusado disso. Mas os dois têm características muito similares em vários aspectos, como o perfil muito voluntaristas no exercício da Presidência. Ele desconsiderou em demasia os demais poderes do País e ela também. No fundo, Dilma ajudou a produzir as condições para o seu próprio impeachment. E eu não estou apenas me referindo aos abusos de poder que são puníveis como crimes de responsabilidade. Collor e Dilma desconsideraram em demasia os interesses dos outros atores políticos, sediados no Congresso e no Judiciário. Eles também são portadores de interesses que quando não são considerados, produzem governos absolutamente frágeis”, argumenta o sociólogo Brasílio Sallum Jr.

As trajetórias de Dilma e Collor guardam particularidades. Jovem, Fernando Collor esperou 15 anos para voltar ao poder. Elegeu-se senador por Alagoas em 2006, após duas derrotas eleitorais. No Congresso, passou a integrar a base de apoio do governo e foi reeleito fazendo campanha para Dilma e com o apoio do PT alagoano. A petista, porém, não terá as mesmas restrições impostas a Collor.

Numa decisão surpreendente, o Senado preservou seus direitos políticos para ocupar cargos públicos, apesar de não poder se candidatar. Diferentemente de Dilma, o ex-presidente dispunha de um eleitorado cativo em seu Estado natal, enquanto a petista não havia disputado eleições antes de 2010.

Doutor em filosofia com estudos na área de ética e política, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano tem uma visão mais pessimista e acredita que o Brasil não aperfeiçoou suas instituições desde o impeachment de Collor. Para Romano, a falta de um líder nacional torna a saída da crise uma incógnita.

“O processo já é um legado da péssima situação institucional de todo o Estado brasileiro. As instituições estão mais frágeis do que nunca, os três poderes estão em crise e a cidadania se afasta das autoridades constituídas. Estamos operando na quase ilegitimidade geral. Daí que o legado a ser visto pode ser o surgimento de salvadores da pátria e de regimes não democráticos e não liberais”, alerta o pesquisador.

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