CONTAS PÚBLICAS

A dificuldade dos municípios para fechar as contas

Municípios são cada vez mais dependentes de repasses da União e dos Estados

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 25/11/2018 às 9:10
Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Municípios são cada vez mais dependentes de repasses da União e dos Estados - FOTO: Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
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Mais de 70% dos municípios pernambucanos estão descumprindo o limite de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com pessoal. O Estado tem 184 cidades mais Fernando de Noronha. Desse total, 139 ultrapassaram o limite de 54% que podem gastar com folha de pagamento – no Poder Executivo – em 2017, segundo informações da Secretaria do Tesouro Nacional (Siconfi) fornecidas pelas próprias prefeituras.

E são vários os motivos que contribuem para esse cenário: a crise reduziu a arrecadação de vários tributos – incluindo os que alimentam o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) –, a capacidade de arrecadação própria de grande parte das cidades é baixa, as prefeituras são um grande empregador, principalmente nas cidades do interior, tudo isso aliado, muitas vezes, à pouca capacidade de gestão dos prefeitos de fazerem mais com menos.

“O comprometimento com gastos de pessoal é um dos principais pontos que mostram o quanto o orçamento de uma prefeitura está engessado. E quanto mais isso ocorre, sobram menos recursos para atender às necessidades da população”, diz a analista de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) Nayara Freire. A Firjan é responsável pela elaboração do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), que dá uma nota à gestão das cidades utilizando os seguintes critérios: receita própria, gastos com pessoal, investimentos, liquidez (a capacidade de ter caixa) e o custo da dívida.

Entre as dez piores notas do IFGF no ano passado, estão cidades como Escada, Gameleira e Ribeirão, todas na Zona da Mata Sul, região pobre do Estado. Essas cidades comprometem, respectivamente, 63,82%, 69,91% e 74,32% da Receita Corrente Líquida (RCL) com despesa de pessoal, segundo um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) elaborado com dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

A cidade de Escada emprega cerca de 1,2 mil pessoas, de acordo com o secretário de Administração daquele município, Altamiro Fontes. “Dependemos quase 100% do FPM. Estamos nos virando nos 30. E ainda recebemos a prefeitura com mais de R$ 20 milhões de débitos das gestões anteriores. Estamos recebendo, em média, R$ 400 mil a menos por mês de FPM em 2018. Não tem copo descartável, não tem água. Mas estamos mantendo a oferta dos serviços do município”, resume Altamiro. “A municipalização da saúde sobrecarrega o município, que passa a ter uma responsabilidade maior no custeio desse serviço. Os valores repassados são os mesmos desde 2010, quando a cidade tinha cerca de 43 mil habitantes. Hoje, tem 47 mil”, revela o secretário de saúde de Ribeirão, Edney Santana.

Ele cita outros números. “Em 2010, eram cinco pacientes que faziam hemodiálise. Atualmente, são 20. Hoje, são mais de 30 pacientes com câncer e não eram dez há oito anos”, conta. Edney cita que o município recebe, desde 2010, cerca de R$ 180 mil por mês da União para oferecer os serviços de média e alta complexidade no qual a prefeitura entra com um aporte mensal superior a R$ 200 mil.

Esse serviço inclui as especialidades médicas, o raio-x e o laboratório mantidos pela prefeitura. “Municipalizaram os serviços de saúde e esqueceram de aumentar os repasses”, se queixa Edney. “O município está próximo à falência. Se continuar desse jeito, daqui a pouco não vai mais ter candidato a prefeito”, dispara Altamiro. Segundo ele, o município recebe cerca de R$ 7 milhões por mês de FPM e tem a previsão de arrecadar, durante todo 2018, R$ 1,2 milhão de receita própria, formada pelos impostos e taxas cobrados pelo município. “Aqui, pouca gente tinha costume de pagar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)”, conta.

Ribeirão é uma cidade pobre. A atividade econômica é restrita ao comércio e à movimentação da moagem de duas usinas sucroalcooleiras da região, que ocorre no máximo durante um semestre a cada ano. Quase metade da população da cidade, ou seja, 48,8% está em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, de acordo com informações do IBGE de 2016. Ainda naquele ano, a proporção de pessoas ocupadas com relação ao total de moradores era de 7%.

GAMELEIRA

Outra cidade que também depende do FPM é Gameleira. “A crise impactou todos os municípios. Dependemos dos recursos do FPM para complementar os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e de Valorização dos Profissionais da Educação. De janeiro a outubro deste ano, recebemos R$ 9 milhões do Fundeb e pagamos R$ 11 milhões”, cita a secretária de Educação de Gameleira, Fabíola Nunes Santos.

Somente na área de educação, a gestão municipal emprega uma média de 600 funcionários. A Prefeitura de Gameleira chegou a desativar, este ano, duas escolas na área rural do município, nos sítios de Burarema e de Oncinha. A dona de casa Ana Claudia Santos tinha dois filhos que estudavam na escola de Burarema, que era mantida pelo município. “Achei ruim, porque eles estudavam pertinho de casa. Agora, eles vão à escola num ônibus bancado pelo município”, afirma. As duas escolas foram fechadas por questões de êxodo rural, de acordo com Fabíola, e o fechamento das duas unidades não teve qualquer ligação com medida de redução de gastos.

“As crianças dessas duas escolas estudavam em sala multiseriada (na qual os estudantes são de séries diferentes). Decidimos concentrar numa escola em que os alunos ficaram em uma só série e na mesma faixa etária. Os professores foram transferidos para a escola que recebeu os alunos das que foram desativadas. E ainda estamos gastando mais com combustível”, declara Fabíola, sem citar números exatos. Entre os domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, estão 51,5% da população de Gameleira.

A reportagem do JC entrou em contato com o secretário de Finanças de Gameleira para obter mais informações sobre a cidade, mas não foi atendida. A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Escada, que não disponibilizou porta-voz para falar pelo município até o fechamento desta edição.

O presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota, argumenta que os municípios pequenos precisam de gente para prestar serviço, não podem terceirizar porque “sai mais caro” e defende que a única forma de equilibrar as contas dos municípios é refazer o pacto federativo para que os municípios tenham mais recursos disponíveis. Ele também alega que aumentou o comprometimento da receita com pessoal porque ocorreram quedas nos repasses dos recursos.

“Sempre é necessário melhorar a gestão. Por isso, estamos fazendo seminários de boas práticas de gestão, como pesquisa de preços e outras iniciativas que resultem num custo mais baixo para as prefeituras”, conta. O nome desse projeto é Gestão Cidadã. Foi iniciado ano passado e difunde técnicas de controladoria e gestão para os secretários de administração dos municípios.

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