Quando a robótica é mais propaganda que aprendizagem, quem perde? Por Karla Falcão

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jamildo

Publicado em 08/02/2021 às 18:00
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Por Karla Falcão, em artigo enviado ao blog

Trinta e oito milhões de reais. Esse é o valor que a Prefeitura do Recife gastou durante a gestão do ex-prefeito Geraldo Júlio com o programa de Robótica nas Escolas municipais. Parece que finalmente nossas crianças estão conectadas com o século XXI!

Como eu gostaria que isso fosse verdade e que todo esse recurso tivesse, realmente, revertido em aprendizagem, em oportunidade para os jovens do Recife. Analisa comigo e, ao final desse artigo, tire sua conclusão.

Para que uma política pública seja realmente eficiente é fundamental respeitar três fases: formulação, implementação e avaliação. No programa de robótica, parece que a avaliação da Prefeitura não passa de uma conta de padaria mal feita visando apenas iludir o cidadão com as melhores (e mais caras) produções de propaganda.

Entre 2013 e 2016, quando tive a oportunidade de fiscalizar todas as unidades de ensino do Recife na construção do Raio-X das Escolas e Creches, acompanhei de perto os primeiros anos de implementação da robótica nas escolas. E o que vi me deixou intrigada. Primeiro devido ao alto custo dos materiais, mas também pela falta de preparação das escolas para acolher o programa. Era muito comum ver os materiais sem uso, porque a Prefeitura não havia fornecido as diretrizes para a execução do programa. Também não era incomum os materiais serem usados como brinquedos e não como recursos pedagógicos, exatamente pela falta de suporte aos professores. Buscamos os números da própria Prefeitura pra (tentar) entender tudo isso.

Enviamos pedido de informação à Secretaria de Educação questionando o impacto do programa de robótica no aprendizado dos estudantes por escola. A resposta sugeria que as notas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e a premiação de menos de 1% dos alunos da rede em campeonatos de robótica eram prova de que o programa garantia impacto positivo em toda a rede. Tergiversaram, para usar uma palavra bonita, como as que o PSB usa nas suas propagandas.

Sou professora e celebro todo o avanço e o esforço dos nossos alunos e professores. Cada premiação mostra aonde poderíamos chegar em peso, não em 1%. Aos divulgar esse índice como prova do bom desempenho do programa, a Secretaria ou aposta na baixa capacidade dos recifenses, ou debocha de quem perguntou.

Quem se debruçando sobre os resultados da rede no que diz respeito aos dados de aprendizagem nas avaliações nacionais, vê facilmente que o baixo rendimento é gravíssimo. A falta de evidências na avaliação do programa de robótica leva a crer que a Prefeitura não está investindo R$ 38 milhões em educação, mas em um conceito de programa que é feito para virar publicidade. Em segundo plano fica o impacto na aprendizagem (se é que fica!).

Segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), no 5º ano apenas 7 entre cada 100 alunos têm aprendizado adequado em Português; e apenas 8 em cada 100 alunos com aprendizado adequado em Matemática. Nos anos finais a situação é ainda mais dramática: só 1 em cada 100 atinge o nível considerado satisfatório em português; enquanto 2 em cada 100 têm rendimento satisfatório em Matemática. Como aprender robótica sem saber ler e sem saber matemática básica?

Agora pense comigo: já pensou o impacto desses R$ 38 milhões investidos na criação de novas vagas para aquelas crianças que ainda não estão nas escolas? R$ 38 milhões investidos na formação continuada das professoras para que toda criança tivesse o direito real de saber ler, escrever e entender matemática básica? Já pensou aonde chegariam nossas crianças? Não só 1% delas, mas todas?

É criminoso o que está sendo feito com essa geração. E o custo da negligência é muito maior que dinheiro: são talentos desperdiçados e vidas perdidas. Mas essa realidade, claro, jamais vai para a propaganda.

Karla Falcão é professora, fiscal de contas públicas e empreendedora social. Coordenou o Raio-X das Escolas e Creches do Recife, plataforma idealizada pelo ex-vereador e ex-presidente da Comissão de Educação da Câmara Municipal do Recife André Régis. É co-fundadora do Livres e líder RAPS e RenovaBR

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