A guerra das CPIs e o governo Bolsonaro
Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog
Foi determinada a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) por decisão monocrática do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso.
Os incautos ou mesmo os mal-intencionados, num primeiro momento, entenderam a ação de Barroso como uma ingerência do Poder Judiciário (STF) em relação ao Poder Legislativo (Senado) para se atingir o Poder Executivo (Presidencia da República).
Contudo, distante das paixões que obnubilam a visão, cabe destacar que Barroso agiu a partir de uma provocação ao Judiciário, ou seja, a decisão teve origem em mandado de segurança de dois Senadores: Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, ambos do Cidadania.
Segundo entendimento de Barroso, a CPI deveria ser instaurada por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, porque cumpria os requisitos legais: número mínimo de assinaturas (1/3 dos senadores), indicação de fato determinado a ser apurado e definição de prazo certo para sua duração.
Em jurisprudência do próprio STF, outras CPIs já haviam sido determinadas por decisão da Corte, inclusive, numa delas, o então deputado Jair Bolsonaro foi favorável à decisão do STF.
Assim, o escopo da CPI no Senado é o de "apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados".
Aqui, portanto, tem a gênese da guerra das CPIs que, em voga, repercute nos meios políticos e jurídicos.
Sabendo de tudo o que fizeram e do que deixaram de fazer, Bolsonaro, bem como o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não desejam, em nada, uma comissão constituída de parlamentares que os investiguem.
Até porque as falas de Bolsonaro e Pazuello e suas ações foram amplamente registradas em lives, entrevistas e postagens nas redes sociais.
A reação política do governo veio, num primeiro momento, na intenção de convencer uma parte dos senadores a retirarem suas assinaturas. Pelo visto, até aqui, tal estratégia não surtiu efeito.
No último final de semana (10 e 11 de abril), o presidente Bolsonaro foi gravado numa conversa que teve com o senador Jorge Kajuru, o mesmo que levou ao STF o mandado de segurança para a criação da CPI.
No referido diálogo, o presidente pressiona o senador para que entre com pedidos de impeachment contra Ministros do STF e, com isso, tinha (ou tem) a crença de que a Corte arrefeceria em relação à confirmação, pelo pleno, da decisão monocrática de Barroso.
Bolsonaro até sugere fazer do limão uma limonada.
Como em política o susto e até a sinceridade, quase sempre, são combinados, não se sabe, ao certo, qual a intenção de Kajuru ao divulgar o teor da conversa com Bolsonaro.
O que se pode, certamente, constatar é que o Chefe do Executivo, Bolsonaro, sugere conduta a um senador (Legislativo) objetivando atacar o Judiciário (ministros do STF).
É pouco?
Para juristas, Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade.
Já, na segunda-feira, 12 de abril, outras estratégias são postas à mesa para tentar diluir a CPI e tirar Bolsonaro de seu foco.
Uma delas consiste em ampliar a CPI determinada por Barroso para incluir, na investigação, supostos desvios de recursos federais por parte de governadores e prefeitos.
Essa é uma fala recorrente de Bolsonaro e dos bolsonaristas: a situação pandêmica está neste nível de desgraça por conta da corrupção de prefeitos e governadores e não por conta da gestão do Governo Federal.
A segunda estratégia consiste na criação de uma nova CPI ampla já na origem, investigando estados e municípios, bem como o Governo Federal, levada a cabo pelo governista, Senador Eduardo Girão (Podemos), contando com 34 assinaturas.
É certo que quaisquer atos de corrupção - de desvio de recursos públicos - deve ser denunciado e investigado.
O cidadão, tendo conhecimento de tais fatos, pode, também, procurar a Justiça e, mais ainda, funcionário público que, tendo conhecimento de corrupção e não denunciando, cometeria prevaricação.
No entendimento do governo, ampliar a investigação para governos estaduais e municipais seria capaz de amainar os ímpetos dos membros da comissão já que senadores possuem estreitos laços com esferas estaduais e municipais.
Seja qual for o resultado da instalação de uma ou de duas ou de várias CPIs, atores políticos e ministros do STF asseveram que há dificuldades para colocar em funcionamento uma comissão na situação de trabalho remoto por parte dos senadores.
Obviamente, muitos trabalhadores estão em home office, mas a dinâmica de uma CPI, ouvindo depoimentos, por exemplo, deve ser presencial, para se evitar que os depoentes sejam auxiliados, direcionados ou constrangidos.
A CPI das fake news, por exemplo, está parada há um ano por conta da pandemia. Por isso, paira no ar a ideia de que, mesmo sendo criada, a CPI só seria realizada após o retorno à normalidade, sendo possível encontros presenciais.
De uma forma bem clara, os episódios em tela - das CPIs - são, mais uma vez, retratos de uma opção por parte do Governo Bolsonaro.
O bolsonarismo que abocanhou o governo e as instituições é ótimo no quesito confrontar, mas tem sido péssimo no campo da gestão e da governabilidade.
As escolhas de Bolsonaro e de seu núcleo ideológico duro conseguem manter os bolsonaristas, nas redes e nas ruas, em alerta, prontos para a "batalha"; todavia, os números de doentes e mortos na pandemia, desprezo na compra de vacinas, atrasos na vacinação, de uma economia combalida, do aumento dos preços e da inflação, do desemprego, da fome, do isolamento internacional e do governo refém do Centrão, da tão atacada "velha política", é sinal de que toda opção traz, em seu bojo, consequências a curto, médio e longo prazo.
Rodrigo Augusto Prando é Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.