ARTIGO OPINATIVO

Bolsonaro chafurda no lixo da ditadura. Por Ricardo Leitão

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JC

Publicado em 24/06/2021 às 11:24
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao Blog

O governo de Jair Bolsonaro passou a defender, no Supremo Tribunal Federal, que civis sejam julgados e punidos pela Justiça Militar por supostas ofensas a instituições militares e às Forças Armadas. A posição do governo está baseada em pareceres das áreas jurídicas do Ministério da Defesa, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, além da Secretaria-Geral da Presidência da República. O relator da ação no Supremo é o ministro Gilmar Mendes.

Trata-se de um assunto tenebroso. Durante a ditadura militar (1964 – 1985) a Justiça Militar (com mínimas exceções, já nos estertores da repressão) tornou-se instrumento de perseguição a civis considerados de oposição ao regime. Junto com os atos institucionais, a censura, a cassação de mandatos políticos, as prisões, exílio, torturas e assassinatos, consolidou a base que sustentou os golpistas no poder durante 21 anos.

Pior presidente da história do Brasil desde a redemocratização, Jair Bolsonaro volta a chafurdar nesse lixo, em atitude coerente: é defensor do AI-5, a mais nefasta “legislação” da ditadura; homenageou torturador no plenário da Câmara dos Deputados; ironizou a morte de militantes da esquerda calcinados em fornos industriais; insuflou ataques de seguidores ao Congresso e ao STF, e ataca jornalistas, especialmente mulheres.

Mesmo levando-se em conta currículo tão expressivo, a defesa do julgamento e punição de civis pela Justiça Militar ultrapassou os limites, com potencial para criar e acirrar um conflito entre civis e militares. Não bastam meio milhão de mortos pela pandemia, 13 milhões de desempregados, a volta da inflação e o Brasil sendo tratado como um pária internacional? Para Jair Bolsonaro, não. Ele se alimenta da crise, cresce no caos e acredita que a polarização política o manterá vivo até as eleições presidenciais do próximo ano. Na sua mente à espera de uma avaliação psiquiátrica, de um lado estão os bolsonaristas; do outro, o resto. E em “defesa da família, da Pátria e da propriedade” eles estão prontos para o que der e vier.

De que lado estão as Forças Armadas, sem as quais não há golpes bem sucedidos no Brasil? Sua Excelência sabe muito bem disso. Abriu generosos espaços, no Palácio do Planalto, para generais camaradas e entregou a outros a direção de ministérios e empresas estatais. Atento aos murmúrios nos quartéis substituiu de uma só vez o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, por suspeitar que não estariam devidamente empenhados em seu projeto de reeleição.

Ao mesmo tempo, governadores, principalmente os da oposição, constataram que seguidores do presidente se infiltraram nas Polícias Militares estaduais e seriam capazes de mobilizá-las em confronto nas ruas. Estima-se, por outro lado, que 2 milhões de armas estejam nas mãos da população, um recorde. Quantas dessas mãos são de fiéis bolsonaristas, dispostos a matar e a morrer pelo “mito”?

Autoritário, demofóbico, o presidente não constrói pontes; ergue muros – porque é o que interessa na estratégia da polarização. As pontes lançadas timidamente pela oposição são muito frágeis. Parece até que a polarização também convém, como se, para derrotar Bolsonaro, bastasse apenas ser “o mais eficiente anti-Bolsonaro”.

Quem conhece o caminho, muitas vezes pedregoso, que leva ao Palácio do Planalto sabe que não é assim. É preciso colher o algodão, tecer o fio e costurar o pano. Grandes mestres nessa arte, como Tancredo Neves e Miguel Arraes, mostraram como fazer. Uma arte sofisticada, que exige atributos como firmeza e coerência de princípios. Não é arte para o primarismo de Sua Excelência, que empalmou o poder pela via democrática e agora ameaça a democracia, ao chafurdar no lixo da ditadura.

A escavação alcançará os porões da repressão e levará a um novo golpe? Os mais pessimistas acham ser desnecessário: o bolsonarismo já domina instituições essenciais no Estado brasileiro. Controla a Procuradoria Geral da República, a Advocacia Geral da União, a Agência Brasileira de Informações, a Polícia Federal, as presidências da Câmara e do Senado e terá as Forças Armadas do seu lado se a clivagem eleitoral em 2022 se der entre o presidente e Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT. Por enquanto, só escapa o Supremo Tribunal Federal.

Os menos pessimistas fazem contas e relembram que faltam “só 18 meses” para o fim do mandato de Bolsonaro e até lá, com sua resiliência secular, os brasileiros serão capazes de esperar, derrotá-lo nas urnas e recomeçar a construir o país.

No entanto, há os realistas, que também fazem contas. Eles atentam para as pesquisas que indicam o apoio de um terço do eleitorado à reeleição do presidente; calculam que haverá uma recuperação da economia no segundo semestre, reduzindo o desemprego, e que a disseminação da pandemia vai ser contida. Tudo isso favoreceria Bolsonaro, que largaria para a disputa do próximo ano em condições de chegar, no mínimo, ao segundo turno.

A reeleição de Jair Bolsonaro, depois do desastre de sua primeira gestão, será um atentado contra o futuro dos brasileiros – porém faz parte da disputa democrática. O risco que corre a democracia é uma derrota do presidente da República. Ele já anunciou que irá contestar o resultado das urnas se, no pleito, não for adotado o voto impresso, medida em discussão no Congresso. A adoção do voto impresso já foi contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral e apontada como uma tentativa de tumultuar a eleição.

Não há previsões otimistas para os próximos 18 meses. Com o seu desgoverno se despedaçando e as investigações da CPI da Covid começando a bater em seus coturnos, Jair Bolsonaro está cada vez mais nervoso. Quando isso acontece, as reações são imprevisíveis. Já afirmou que iria “chamar o meu exército”; que “daqui só quem me tira é Deus” ou “eu faço o que quiser”.

Com certeza, acredita nisso. Seu problema é como fazer – porque haverá milhões para fazer o contrário. Essa é a nossa esperança.

*Ricardo Leitão é jornalista.

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