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Bolsonaro planeja um golpe? Por Ricardo Leitão

Articulista diz que não há compromisso de Bolsonaro com a democracia

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jamildo

Publicado em 14/07/2021 às 10:09 | Atualizado em 14/07/2021 às 14:55
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Desde 1985, fim da ditadura de 1964, o Brasil se empenha em consolidar a democracia. São 36 anos, ao longo dos quais o país superou crises econômicas e sociais, e na política, entre muitos episódios desafiadores, testemunhou os impeachments dos presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff.

No entanto, em nenhum momento, qualquer que fosse o obstáculo institucional a ser suplantado, liderança alguma cogitou buscar saídas fora dos limites do Estado Democrático de Direito.

Até surgir Jair Bolsonaro, o pior presidente da história da Brasil, investigado por suspeita de terrorismo quando oficial do Exército; defensor de torturador no plenário da Câmara dos Deputados e agora envolvido nas investigações sobre corrupção no Ministério da Saúde. Não há compromisso de Bolsonaro com a democracia. O que o move, compulsivamente, é a permanência no poder. Para tanto, o fim justificará quaisquer meios, incluindo os ilegais.

Aos fatos mais recentes. Bolsonaro chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, de “idiota” e “imbecil”; dedicou aos senadores integrantes da CPI da Covid os seus excrementos fecais e continua a boicotar, em público, todas as medidas de contenção da pandemia – medidas decretadas pelo seu próprio desgoverno.

No entanto, em conjuntura que se agrava e já colocou em confronto senadores da CPI e comandantes das Forças Armadas, em nenhum momento ele agiu como moderador de ânimos.

Do contrário: divulgou em suas redes sociais nota oficial dos militares, que acusa de “vil” o trabalho dos senadores na investigação da corrupção no Ministério da Saúde.

Quem dessa forma atua quer extrair benefícios pessoais da conflagração, não busca soluções por meio do diálogo democrático. Com tal propósito – que pode levar até ao golpe – Bolsonaro soma forças dentro e fora do seu desgoverno. Os cargos mais importantes no Palácio do Planalto estão ocupados por bolsonaristas de raiz. Para a chefia do Ministério da Defesa foi deslocado o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, que lidera fiéis comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

São dirigidas ou presididas por aliados bolsonaristas a Advocacia Geral da União; a Procuradoria Geral da República; a Diretoria da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Informação; a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado. Na Câmara, a mais importante comissão, a de Constituição e Justiça, é presidida pela deputada Bia Kicis, conhecida em Brasília como a pitbull parlamentar do presidente.

Aumenta o numero de partidários de Bolsonaro entre oficiais das polícias militares estaduais. Eles seriam capazes de mobilizar contingentes fardados e armados e se unir a milicianos da extrema direita, em defesa de Sua Excelência, em choques nas ruas contra manifestantes da oposição. A perda de controle sobre as PMs é um risco que já preocupa os governadores.

Golpes prosperam com articulações política, social e empresarial; grandes manifestações públicas; mídia favorável; apoio (ou conivência) das Forças Armadas; alianças internacionais e causas, mesmo que não sejam justas nem verdadeiras. Até aqui, o que tem Jair Bolsonaro? Aparentemente, não dispõe de articulação política, social e empresarial que sustente um golpe.

A iniciativa nas ruas passou a ser da oposição. Nenhum veículo de comunicação, acreditado na opinião pública, acompanha seu projeto autoritário. Sobram-lhe as Forças Armadas e causas mobilizadoras da população.

Embandeirar causas certamente é mais fácil do que desvendar o pensamento dos militares, diante da situação crítica que atravessa o Brasil. Racionando por exclusão, eles não querem a volta da esquerda ao poder, com Lula ou outro candidato desse campo.

Contudo, seria um erro concluir que, levados por essa rejeição à esquerda, apoiariam um golpe de direita. Prefeririam o modelo democrático, como em 2018. Assim, seguem por enquanto com Bolsonaro, que porém tem de se mostrar capaz de derrotar a esquerda. Se não for, será substituído por outro candidato, em condições de cumprir a missão patriótica.

Motivos para pregar um golpe Sua Excelência arranjará, se necessário sacando da realidade paralela em que surfa, delirante. O que apresenta aos seguidores, no momento, é a possibilidade de fraudes na eleição do próximo ano, caso não seja adotado o voto impresso. O voto eletrônico foi adotado no Brasil em 1996 e jamais se documentou qualquer episódio de fraude.

A cada pleito as urnas são checadas e auditadas. Em 2018, Bolsonaro se elegeu com votos eletrônicos e, evidentemente, nunca protestou. O que não o impede de sacar agora a ameaça golpista: “Se não tiver voto impresso, não vai ter eleição em 2022”.

Com o endosso de partidos de todas as correntes políticas, a resposta do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, foi curta e clara: “É uma atitude leviana contestar eleições previstas na Constituição. Trata-se de um crime de responsabilidade”.

Como se sabe, crime de responsabilidade abre caminho para abertura de processo de impeachment de Bolsonaro – o que, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, já é apoiado por 54% dos brasileiros.

Como demonstração de suas relações tensionadas com o presidente, o vice-presidente Hamilton Mourão contestou publicamente Bolsonaro: “Mesmo que não seja aprovado o voto impresso, as eleições serão realizadas, eu garanto”, afirmou Mourão. “Cumpro o meu papel pelo Brasil”.

Na tentativa de baixar a temperatura do debate político, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, arrancou de Bolsonaro, em conversa a dois, que os limites entre os Poderes republicanos serão respeitados. A essa altura, a questão é o valor de um compromisso do presidente da República.

Considerado pelos eleitores – ainda de acordo com as pesquisas – como desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário e burro, Bolsonaro vai buscar outra causa para o seu pretenso golpe, se o delírio do voto impresso não funcionar a contento.

Seu pânico é permanecer atolado no desgoverno que lidera; no derretimento de sua popularidade; no crescimento do desemprego e da inflação, e terminar isolado nos destroços da direita. Pesa ainda sobre os seus ombros a tragédia dos quase 550 mil mortos na pandemia, pelo que é acusado como responsável pela maioria da população. Outros vão além e o acusam de genocídio.

Ainda assim, o presidente está ferido, mas não morreu. A história da política registra moribundos que ressuscitam – sendo José Sarney, no Brasil, um dos exemplos. Bolsonaro vai usar de todos os recursos que puder empalmar para se manter no poder. Não tem qualquer plano, qualquer programa, qualquer projeto para o futuro do Brasil.

É só o poder pelo poder, continuando a ser exercido na companhia de pessoas assustadoramente desqualificadas. Acuado, o golpe pode ser a sua bala de prata. Seus áulicos só esperam que o comando da carteirada institucional não seja entregue ao general Eduardo Pazuello, notável ex-ministro da Saúde. Na pressa, ele vai terminar invadindo a Argentina.

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