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Danos colaterais à caserna. Por Ricardo Leitão

A ocupação fardada não caracteriza um governo militar, mas sem dúvida espelha uma administração militarizada

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jamildo

Publicado em 16/07/2021 às 11:50 | Atualizado em 16/07/2021 às 11:57
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

No futuro, historiadores e cientistas políticos irão mensurar o dano que Jair Bolsonaro ajudou a causar na imagem das Forças Armadas.

Já contribuíra em 1987 quando, tenente do Exército, foi acusado de envolvimento em plano terrorista para explodir bombas em locais estratégicos no Rio de Janeiro.

Considerado culpado no primeiro julgamento e depois inocentado pelo Superior Tribunal Militar, após a decisão da corte deixou a farda, passou para a reserva como capitão e ingressou na política.

Sua campanha a presidente, baseada em um forte discurso antipetista, atraiu de início generais da reserva e, em seguida, oficiais das três Forças, de variadas patentes.

A adesão maciça o fez se comprometer em montar um governo com ampla presença de militares. Compromisso cumprido: hoje, dos 23 ministros, sete são oriundos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

É de 92 o número de militares na direção de empresas estatais federais. Em 2020, 6.152 oficiais ocupavam funções governamentais federais, superando o dobro dos 2.957 registrados em 2016.

A ocupação fardada não caracteriza um governo militar, mas sem dúvida espelha uma administração militarizada. Os eleitores aprovam ou desaprovam?

A maioria desaprova, o que não é bom para a imagem das Forças Armadas.

Segundo pesquisas do instituto Datafolha, um das mais renomados do país, 58% dos entrevistados são contrários à participação de militares em funções civis na administração pública, contra 38% que aprovam. Em comparação com a sondagem anterior, de maio de 2020, a desaprovação cresceu e a aprovação diminuiu.

Como se explica?

As relações de Bolsonaro com o chamado estamento militar estão em curto circuito desde março, quando o presidente promoveu ampla e inédita intervenção no comando do Ministério da Defesa e nas chefias do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Trocou o ministro, general Fernando Azevedo, pelo seu ministro da Casa Civil, o general Valter Braga Netto, e substituiu os comandantes das três Forças.

As mudanças foram mal recebidas, principalmente depois de creditadas à falta de apoio dos que saíam ao projeto de reeleição de Bolsonaro.

A violenta nota oficial do ministro da Defesa e dos comandantes militares contra os senadores da CPI da Covid reacendeu os atritos.

O presidente republicou a nota em suas redes sociais, endossando os seus termos e dando lugar a acusações de golpismo, vindas de todos os segmentos políticos.

Preferiu ficar do lado dos companheiros de farda.

As investigações da CPI da Covid têm um teor explosivo muito maior, ao envolver oficiais militares em um tema que corrói qualquer governo: a corrupção.

Na sua política de entregar o comando de cargos estratégicos a generais, almirantes e brigadeiros, Bolsonaro, em plena pandemia, lotou no Ministério da Saúde o general Eduardo Pazuello.

Especialista em logística, Pazuello desconhecia o tamanho e a importância do SUS, um dos mais importantes sistemas públicos de saúde do mundo. Porém, esse não foi o maior problema.

Problema foi Pazuello, com aprovação de Bolsonaro, ter lotado o ministério com cerca de 60 oficiais, que passaram a ocupar funções e cargos antes exercidos por civis – treinados para trabalhar em uma pandemia fora de controle.

Aconteceu uma tragédia sanitária, de um lado. De outro, um suposto escândalo de desvio de bilhões de reais em recursos públicos na compra de vacinas, alvo da investigação da CPI da Covid.

Entre os suspeitos, o coronel Élcio Franco, secretário executivo do ministério, principal responsável por autorizar a aquisição dos imunizantes, especialmente no mercado internacional.

Pazuello e Franco foram exonerados do ministério e agora estão aninhados em cargos de confiança no Palácio do Planalto, onde despacha o presidente.

O desastre administrativo da gestão do general e o envolvimento do coronel em suspeitas de corrupção danificam profundamente a imagem das Forças Armadas. Eles estavam no ministério não porque fossem os melhores para ocupar aqueles cargos (e não eram), mas porque são amigos de farda de Bolsonaro – que sobre os dois abriu asas protetoras.

Enquanto isso, mais de meio milhão de brasileiros foram mortos pela pandemia.

São 17 meses do desgoverno de Sua Excelência pela frente, minado por crises e com uma eleição radicalizada pelo meio. Em conjuntura tão conturbada a importância do papel das Forças Armadas é evidente.

Seus comandantes devem obedecer ao que determina a Constituição – e o mais importante é a defesa da democracia. Se assim fizerem, restaurarão a imagem que há três décadas tentam recolocar de pé.

Do contrário, o que pode ser restaurado é um passado tenebroso, sob a liderança ainda mais tenebrosa de Jair Bolsonaro.

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