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Titulares e suplentes no Distritão

Ainda tem tempo de os parlamentares da comissão da reforma se conectarem com a realidade e estancarem essa sangria de bom senso

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Jamildo Melo

Publicado em 20/07/2021 às 9:32 | Atualizado em 20/07/2021 às 9:51
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Por Maurício Costa Romão, em artigo enviado ao blog

“Imaginei que a essa altura nada pudesse ser pior do que o distritão. A comissão de reforma política conseguiu inventar algo pior: o voto majoritário para os titulares, combinado com suplentes eleitos por uma regra que não respeita o princípio majoritário”. Jairo Nicolau em “Um sistema eleitoral em busca de um nome e de um sentido”. Poder360, 14/07/2021.

A reforma eleitoral promovida na Câmara dos Deputados, sem debates com a sociedade e levada a efeito de forma açodada para se enquadrar no princípio da anualidade, está gerando modelagens de sistemas de voto as mais esdrúxulas, para dizer o mínimo.

A relatora já flertou com o “voto alternativo” para substituir o modelo majoritário de eleição de cargos executivos, e com três sistemas de eleição de parlamentares, o “distritão proporcional”, o “distritão”, e o “distritão misto”.

O parecer final da relatora abandona o intento de trocar o mecanismo majoritário e se fixa na mudança do atual sistema proporcional de lista aberta, propondo em seu lugar o distritão para a eleição do próximo ano e o distritão misto para os pleitos de 2024 em diante.

O argumento da relatora para essa injustificável troca é o de que o distritão serviria apenas de transição para o distritão misto, já que este modelo exige grande engenharia institucional de delimitação de distritos e não daria tempo de implantá-lo para a eleição de 2022.

Nada mais surreal e ilógico. Por que submeter o país a tão drástica mudança de sistema de voto, adotando um de forma transitória, para logo em seguida implantar outro completamente diferente? O país conviveria com três sistemas eleitorais num espaço de três anos. Uma aberração!

Isso sem se falar de que o distritão misto é extremamente confuso e de difícil operacionalização no Brasil, país federativo, continental, com eleições periódicas, municipais e gerais, estas com dois cargos para deputado. Basta dizer que o complexo modelo tem distritos uninominais para deputado federal e plurinominais para deputado estadual, distritão “puro” nos municípios de até 100 mil eleitores e distritão misto nos demais municípios.

Mas, veja-se o caso do distritão e o problema dos suplentes, objeto da citação introdutória a este texto, da alçada do cientista político Jairo Nicolau, com a maestria de sempre.

Imagine-se que a eleição de 2018 para deputado federal em Pernambuco tenha sido realizada sob a égide do distritão (haveria só duas mudanças no elenco dos 25 parlamentares eleitos, relativamente ao modelo proporcional em uso).

Suponha-se ainda que um deputado, do PRB, 22º mais votado, com cerca de 66 mil votos, tenha perdido o mandato. No distritão da relatora, o suplente deveria ser o candidato mais votado e não eleito do partido. O lógico, todavia, já que o modelo proposto é majoritário, é que o suplente fosse o mais votado entre os candidatos não eleitos, independentemente do partido, quer dizer, o 26º candidato.

Percorrendo a lista de candidatos do TSE, no caso em tela, o suplente do partido que entraria no Legislativo seria um candidato com 1.876 votos. Só que na frente dele, mais votados, têm 83 candidatos de outros partidos, dentre os quais cinco deles com votação superior a 50 mil votos...

Em outras palavras, o princípio básico do modelo majoritário, os mais votados são eleitos, a famosa “verdade eleitoral”, não se aplica para os suplentes, apenas para os titulares. Uma contradição.

Ainda tem tempo de os parlamentares da comissão da reforma se conectarem com a realidade e estancarem essa sangria de bom senso.

Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidostc

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