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Não será por falta de aviso

A defesa do voto impresso é exemplo do tumulto em que Jair Bolsonaro pretende, desde já, mergulhar o processo eleitoral. Ele sabe que são poucas as possibilidades de aprovar o projeto de lei. Pouco importa.

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Jamildo Melo

Publicado em 22/07/2021 às 11:10
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Informam as oitivas do futuro que Jair Bolsonaro articula duas opções para a campanha presidencial do próximo ano. A chamada opção B seria disputar o pleito de acordo com as regras e acatar o resultado.

A opção A – que se fortalece com a perspectiva de derrota em 2022 – seria desde já tumultuar o processo, denunciar “fraudes” na eleição e, no limite, liderar um golpe “em defesa da democracia”.

O cenário parece delirante mas comparando-se, sem paixão, o que até agora fez Bolsonaro em favor das duas opções, é fácil deduzir que seus coturnos marcham rumo à opção A.

O presidente da República – o pior da história do Brasil – não foi, não é e nunca será um democrata. Sua vitória em 2018 decorreu de conjuntura político-econômica que não vai se repetir. Os eleitores estão conscientes do estelionato eleitoral de que foram vítimas e agora rejeitam o “mito’.

Sua Excelência não tem qualquer recato em deixar evidente sua preferência pela opção que pode descambar na volta da ditadura. Se isso acontecer, pode-se afirmar que não será por falta de aviso do presidente.

Ao deixar o hospital em São Paulo, onde aliviou os padecimentos intestinais, ele foi claro: “Ninguém vai me tirar da minha cadeira”. Um desdobramento da declaração de dois meses antes, quando avisou que “só Deus me tira daqui”. Supõe-se que a “cadeira” seja o assento presidencial e o “aqui” o Palácio do Planalto, onde se acomoda a tal cadeira.

Porém não bastou. Do alto de um autoritarismo escandaloso, Bolsonaro afirmou e reafirmou que não haverá eleições em 2022 se não for adotado o voto eletrônico.

“O voto impresso, auditável, é a única garantia que teremos contra a fraude eleitoral”, sustenta.

A afirmação foi repelida pelo Tribunal Superior Eleitoral, partidos políticos, instituições, mídia.

Ainda assim, a Câmara dos Deputados, por pressão de parlamentares bolsonaristas, votará projeto que institui o voto impresso neste mês de agosto.

A defesa do voto impresso é exemplo do tumulto em que Jair Bolsonaro pretende, desde já, mergulhar o processo eleitoral. Ele sabe que são poucas as possibilidades de aprovar o projeto de lei. Pouco importa.

A permanência do voto eletrônico lhe dará argumento para alegar, falsamente, que a eleição foi fraudada e, então, se recusar a reconhecer a derrota – com todos os desdobramentos negativos que tal decisão provocará. Foi o que fez Donald Trump, nos Estados Unidos, depois de derrotado por Joe Biden.

Como se sabe, Trump é líder político e intelectual (?) de Bolsonaro.

Ações anteriores do presidente da República sempre indicaram que transmitir o poder, democraticamente, nunca esteve em seus planos: apoia milicianos que pedem a volta da ditadura militar de 1964 e participa de suas manifestações nas ruas; desrespeita a Constituição; ofende parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal; homenageia torturador; investe contra os direitos humanos e a liberdade de expressão.

Em três décadas como deputado federal, nunca apresentou qualquer projeto que possa ser identificado como de valor democrático.

Muito pode acontecer nos 15 meses que separam os dias de hoje das urnas de outubro de 2022. No entanto, as pesquisas eleitorais, mesmo distantes da decisão final do voto, já são indicadores que levam Bolsonaro a deixar os coturnos de molho.

Nas simulações, ele perde para qualquer um dos adversários, no primeiro ou no segundo turno. A perspectiva da derrota e sua obsessão pelo poder podem levá-lo a uma aventura golpista – como informam cada vezes mais as oitivas do futuro.

A questão é saber quem seguirá Sua Excelência nessa trilha soturna. Para ele, o essencial é ter de seu lado as Forças Armadas; o apoio popular viria como consequência. Contudo, não há segurança quanto à unanimidade da caserna.

Do contrário: entre os comandantes militares tidos como profissionais no Exército, na Marinha e na Aeronáutica, cresce a consciência de que Sua Excelência se transformou em um estorvo, do qual devem se afastar.

Se possível com mais rapidez, depois das denúncias de corrupção no Ministério da Saúde, lotado por fardados da reserva.

Nesse momento, por paradoxal que pareça, o presidente torce para que seu adversário seja o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele acredita que o crescimento da candidatura do PT reforçará o apoio das Forças Armadas a ele, Bolsonaro, como o candidato da direita mais capacitado para vencer Lula e a esquerda.

Entretanto, Jair Bolsonaro tem de comprovar ser o mais capacitado para a missão – o que não está parecendo. As Forças Armadas podem então encontrar outro nome, da chamada “direita democrática”, sem os miasmas da corrupção que agora rondam o presidente.

Sua Excelência insistirá. Nunca foi de recuos. E se o que restar for uma tentativa desesperada de um golpe, ele vai tentar. Não será por falta de aviso.

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