A velhíssima política chega ao Planalto. Por Ricardo Leitão
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao Blog
Na campanha presidencial de 2018 Jair Bolsonaro alardeou cinco compromissos como os mais importantes da sua futura administração: a construção de uma “nova política”, o combate à corrupção, a redução do desemprego, a mitigação da violência urbana e a restauração da imagem do Brasil no exterior.
Passados dois anos e meio do pior governo da história do país, os cinco compromissos foram rebaixados à categoria de promessas de palanque. A degradação ambiental piorou o que restava da imagem externa; cresceram a violência e o desemprego; a corrupção derrubou ministros e envolveu oficiais das Forças Armadas. Mas a “nova política está de pé”, argumentavam os áulicos. Estava. Com a posse do senador Ciro Nogueira como ministro da Casa Civil, Bolsonaro entregou o comando político do governo ao ajuntamento mais reacionário e oportunista do Congresso – o Centrão.
Reconhecido por seu pragmatismo, o Centrão não é direitista, esquerdista ou centrista – é radicalmente governista. Apoiou Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Em 2018, votou nos dois turnos no petista Fernando Haddad. Na campanha, chamava Bolsonaro de “fascista”. Agora, se aconchega no colo de Sua Excelência.
O Centrão comandará a política do governo Bolsonaro a partir das decisões de três grandes lideranças, atuando isoladamente ou em articulação. Além de Ciro Nogueira, na poderosa Casa Civil, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Com o poder dos três irá se defrontar um Bolsonaro pressionado por 126 pedidos de impeachment; perda da popularidade; desvantagem nas pesquisas eleitorais e premido pelas investigações da CPI da Covid no Senado.
Se o balanço é tão desvantajoso, por que o presidente nomeou Ciro Nogueira para a Casa Civil? Porque está com medo. Medo do que poderá descobrir a CPI controlada por senadores da oposição; medo da decadência acelerada de seu desgoverno; medo da derrota em 2022. E, principalmente, pavor de um processo de impeachment – do que podem livrá-lo as salvadoras hostes do Centrão.
Formado por siglas de grande, médio e pequeno portes, como o PP, o PL e o PTB, o Centrão soma hoje cerca de 160 parlamentares, na Câmara e no Senado. Só no Partido Progressista, presidido por Ciro Nogueira, são 7 senadores e 41 deputados federais. Aliados a partidos bolsonaristas, o ajuntamento tem número suficiente para bloquear, nas comissões e no plenário, a progressão de um processo de impeachment de Bolsonaro. Lembrando ainda que a abertura desse processo é decisão monocrática do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Jair Bolsonaro marcha em um terreno pantanoso e apenas a sua fragilidade explica o risco que corre. Até as emas do Palácio da Alvorada sabem que o apetite do Centrão por cargos e verbas públicas é pantagruélico. A depender das perspectivas do cardápio, seus integrantes não relutam em se servir em outras cozinhas. Por exemplo: apoiaram o segundo governo de Dilma Rousseff, ocuparam cargos, porém votaram a favor do impeachment da petista.
Movimentam-se em campos heterodoxos. Estiveram no epicentro do “mensalão”, via José Janene, e do “petrolão", via Paulo Roberto Costa. Nesse campo, Ciro Nogueira dá sua contribuição pessoal. Em 2020 a Procuradoria Geral da República apresentou denúncia contra ele, acusado de receber propina de R$ 7,3 milhões da Odebrecht. Também é investigado por receber outra propina – de valor não declarado – para que seu partido não apoiasse o impeachment de Dilma Rousseff.
Será ingenuidade pensar que, na balbúrdia em que foi mergulhado o Brasil, o Centrão será tomado por brios patrióticos e jogará todas suas fichas na recuperação do desgoverno de Bolsonaro. Não vai. O agrupamento desconhece brios dessa natureza. É mais fácil suas lideranças relembrarem a Sua Excelência o acontecido com Dilma Rousseff e, um dia, submissos à ”pressão das bases”, saltarem fora do barco furado.
É grande a possibilidade dessa fragílima aliança de um presidente fraco e autoritário com um agrupamento parlamentar forte e experiente, em meio a uma crise generalizada, se sustentar até as urnas de outubro de 2022. Sua Excelência arrisca ver esgarçado o remendo de emergência que costurou no Congresso. O Centrão não perderá: na metodologia clássica da velhíssima política fisiológica, vai mobilizar os poderes e as verbas que adquiriu com Bolsonaro para municiar seus candidatos e ampliar sua base parlamentar. Negociará então seus votos com o presidente empossado em janeiro de 2023 – seja quem for.
Além de pragmático, o Centrão também é previdente. Ao assumir a Casa Civil o senador Ciro Nogueira passou seu lugar no Senado a Eliane Nogueira, primeira suplente – por acaso, sua mãe. Tudo no estilo daquelas célebres famílias sicilianas.
Ricardo Leitão é jornalista.