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O quadrilátero bolsonarista

O fulcro da questão é que, em momento algum, após ter sido eleito, Bolsonaro discursou para além dos bolsonaristas

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Jamildo Melo

Publicado em 05/08/2021 às 12:00
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Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog

Muitos consideraram que Bolsonaro recuaria de suas investidas contra o sistema eleitoral pregando o voto impresso e auditável após o fiasco de sua live em 29 de julho, na qual havia garantido que apresentaria provas de fraudes em relação à urna eletrônica e o resultado das eleições passadas. Neste último final de semana, contudo, houve manifestações - pequenas, vale ressaltar - apoiando o presidente em sua cruzada e, ainda, novas falas de Bolsonaro afirmando que se não houver "eleições limpas" poderemos não ter a ida às urnas em 2022.

Na referida live não houve o mínimo sinal de provas, apenas fake news já anteriormente desmentidas pelas agências checadoras e pelas instituições, como, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na referida transmissão, havia a necessidade de, para acompanhar a fala de Bolsonaro, retransmitir a live, bem como não havia espaço para fazer perguntas. Ao admitir que não tinha provas de fraudes acabou enfraquecido politicamente, contudo, continua "mítico" para seus apoiadores. Houve até bolsonaristas nas redes sociais que estavam impressionados que, durante a live, o TSE desmentia, simultaneamente, ponto a ponto tudo o que Bolsonaro dizia. Para estes fiéis escudeiros, há traidores ao lado do presidente e que vazaram o conteúdo da live. Em verdade, tudo o que foi apresentado já era de amplo conhecimento e nada de concreto em relação às aludidas fraudes.

O fulcro da questão é que, em momento algum, após ter sido eleito, Bolsonaro discursou para além dos bolsonaristas. A opção política de Bolsonaro foi, sempre, pelo confronto, com diuturnos ataques às instituições e à democracia brasileira. Por isso, a narrativa presidencial é direcionada para os já convertidos, membros de sua claque, ou seja, no plano político há ex-bolsonarista, mas não há neo-bolsonarista. Sua opção em atacar a "velha política" e, ao mesmo tempo, estar de braços dados com o Centrão, no núcleo de seu governo, bem como as suspeitas de corrupção na compra de vacinas fizeram com que muitos eleitores o abandonassem, disparando os índices de reprovação do governo.

Com mais de um ano para as eleições, Bolsonaro, assim como Trump, indica o que teremos em 2022 numa suposta derrota de seu projeto de reeleição. Aliás, até aqui, o único projeto claro e em andamento é permanecer no poder. Os alicerces iniciais: liberalismo (com Paulo Guedes) e combate à corrupção (com Sérgio Moro) já ruíram faz tempo. Sobrou, então, o cercadinho na saída do Palácio e as motociatas, ambientes nos quais o presidente sente-se seguro, confortável mesmo e sem o risco de ser questionado por adversários ou jornalistas.

Com sua aprovação em queda, possibilidade de derrota num eventual segundo turno e, até uma chance de nem chegar ao segundo turno, deixou o presidente acuado e assaz agressivo. Os resultados da pandemia, com mais de 500 mil mortos, atrasos na compra de vacinas, ataques à ciência e, segundo a CPI, fortes indícios de corrupção, fazem com que Bolsonaro e os bolsonaristas temam pelo futuro próximo. Neste cenário, Lula continua o principal adversário, mas na hipótese de Bolsonaro não ir para o segundo turno, Lula também despenca, já que as posições do bolsonarismo e do lulopetismo se retroalimentam na polarização vigente.

O fiasco da live na qual as provas não foram (e nunca serão, já que não existem) apresentadas demonstra, cabalmente, que Bolsonaro e os bolsonaristas estão presos num quadrilátero que, como nos filmes de ficção e desenhos animados, formam um campo de força. O quadrilátero é formado por: 1) fake news; 2) pós-verdades; 3) teorias da conspiração e 4) negacionismo. Já passou de metade do mandato e quase toda a sua narrativa e, infelizmente, muitas ações políticas estão dentro desse quadrado.

Como escrevi alhures, Bolsonaro não recua e sempre dobra a aposta nos ataques, no seu presidencialismo de confrontação. Mesmo sem provas acerca de fraudes em relação às urnas eletrônicas há uma narrativa construída e esta continuará a servir de base para ataques ao STF, as eleições e à própria democracia. Em 2022, independente do resultado das eleições, teremos o maior teste para nossas instituições, para a harmonia entre os Poderes e para a própria democracia, tão combalida ultimamente.

Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.

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