deformação inimaginável

Especialista diz que reforma eleitoral busca socorrer parlamentares com dificuldades de reeleição em 2022

A presidente do Podemos, Renata Abreu, fez o relatório com os retrocessos

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Jamildo Melo

Publicado em 10/08/2021 às 15:05 | Atualizado em 10/08/2021 às 15:29
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MAS E DAÍ, QUEM SE IMPORTA COM ISSO?

Por Maurício Costa Romão, especial para o blog de Jamildo

O relatório da deputada Renata Abreu sobre mudanças nas regras eleitorais foi aprovado nesta segunda-feira (9/07/21) por 25 votos a 11, na comissão de reforma eleitoral e está pronto para votação em plenário da Câmara dos Deputados.

Em termos de sistema eleitoral, o texto institui o distritão em 2022, traz de volta as coligações proporcionais e impõe o modelo de “voto preferencial” para a eleição de cargos majoritários a partir de 2024.

O distritão

O mal para o sistema político-partidário-eleitoral brasileiro que o distritão representa já foi exaustivamente exposto pelos especialistas. Tal reclamo não sensibilizou a maioria dos membros da comissão de reforma porque os propósitos que os moviam eram outros.

Para justificar a proposta de mudar agora de sistema de voto mesmo após as grandes melhorias havidas no sistema proporcional, através da reforma de 2017, a deputada-relatora construiu a narrativa de que a implantação do distritão apenas para a eleição do próximo ano seria um “aprendizado” para o sistema definitivo em 2024, o distritão misto (uma deformação inimaginável do modelo original).

Na verdade, o que se pretendia era socorrer parlamentares com dificuldades de reeleição em 2022, após o fim das coligações, e dar sobrevida financeira a partidos impossibilitados de atenderem aos requisitos de desempenho eleitoral estabelecidos na cláusula de barreira.

Pois bem, um destaque na votação do relatório retirou o distritão misto de cena, mantendo-se, entretanto, o distritão (18 votos a 14), agora não mais provisório. A narrativa de aprendizado caiu por terra. O intento casuístico ficou escancarado. Mas e daí, quem se importa com isso?

As coligações proporcionais

Suprimidas as coligações proporcionais, que eram a maior deformação do sistema de voto em uso no Brasil, alguns parlamentares com problemas de subsistir fora do conforto das alianças, inventaram a “federação de partidos”, objeto do Projeto de Lei 2.522/2015, aprovado para discussão em regime de urgência no plenário da Câmara (9/06/21).

Na proposta, os partidos, resguardadas suas autonomias estatutárias, poderiam unir-se, funcionando como se um partido fosse, votando matérias conjuntamente, e obrigados a permanecerem em aliança durante o período da legislatura.

Parecia, assim, algo relevante, que merecia prosperar. Eis senão quando, ao explicitarem o texto que dava operacionalidade à propositura (art. 1º, § 8º do projeto mencionado), descobre-se que tudo não passava de um engodo. Era uma forma camuflada de retorno das coligações proporcionais.

NARAJA ARAUJO/AGÊNCIA CÂMARA
Renata Abreu, presidente nacional do Podemos - NARAJA ARAUJO/AGÊNCIA CÂMARA

A deputada-relatora nem se deu ao trabalho de usar desse subterfúgio, abandonou a federação, com a qual flertara anteriormente, e foi direto no assunto: propôs a volta pura e simples das coligações proporcionais do jeito que sempre foram, uma excrescência, para dizer o mínimo. Ao final, conseguiu aprovar (por 20 votos a 12) o desditado mecanismo. Mas e daí, quem se importa com isso?

O voto preferencial

Com o injustificável argumento de redução de despesas (narrativa sem sentido depois da aprovação do bilionário Fundão), porque eliminaria o segundo turno, a deputada Renata Abreu fez passar na comissão da reforma o sistema de voto alternativo ou voto preferencial para a eleição de presidente, governador e prefeito, começando em 2024.

No mecanismo, o eleitor vota ordenando suas preferências em até 5 candidatos. Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta (mais de 50% dos votos válidos) na contagem das primeiras escolhas válidas dos eleitores, elimina-se o menos votado da lista e se transferem os votos dados a ele para a escolha seguinte do eleitor. O processo continua até que um dos candidatos obtenha mais da metade dos votos válidos.

O mecanismo proposto é extremamente complexo e exige certo nível de formação e compreensão dos eleitores, devido ao intricado processo de transferência de votos, ademais de nas eleições gerais o pleito para presidente ser realizado simultaneamente com o de governadores.

O sistema não garante que o mais votado do pleito seja eleito e também não foi testado em países com as dimensões e complexidades eleitorais brasileiras, já que fora concebido para pequenos distritos ou colégios eleitorais reduzidos (premiação do Oscar, eleição de membros da Academia Brasileira de Letras, escolha nas primárias do candidato do partido Democrata, em Nova York, etc.).

Toda essa reforma, no que concerne à mudança de sistemas de voto, é absolutamente desnecessária, intempestiva, confusa e vergonhosamente casuística. Mas e daí, quem se importa com isso?

Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos

 

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