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Empresa pagou R$ 717 mil a associação de médicos sediada em Pernambuco para divulgar 'tratamento precoce'

A farmacêutica gastou R$ 717 mil para patrocinar médicos a recomendarem a invermectina, como o manifesto do "Médicos pela Vida"

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Jamildo Melo

Publicado em 11/08/2021 às 16:47 | Atualizado em 11/08/2021 às 17:11
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Farmacêutica visou lucro a custa de brasileiros, disse Omar Aziz

Em resposta a Renan Calheiros, Jailton afirmou que a farmacêutica gastou R$ 717 mil para patrocinar médicos a recomendarem a invermectina. Sobre o manifesto do Médicos pela Vida, Jailton atribui a responsabilidade aos médicos que assinaram o documento.

As afirmações do depoente chocaram o presidente da CPI, Omar Aziz, que lembrou que o manifesto foi publicado após o caos sanitário em Manaus no início do ano.

— Nem isso [o caos] sensibilizou o laboratório. Visou lucro mancomunado com médicos. Se isso não é crime, não tem nenhum crime para investigar — disse Omar, acrescentando que o faturamento da empresa saltou de R$ 200 milhões para R$ 534 milhões, à custa da vida de brasileiros .

Com Agência Senado

No UOL

A farmacêutica Vitamedic gastou cerca de R$ 717 mil para patrocinar a publicação em jornais de um "manifesto" do grupo "Médicos Pela Vida", composto por profissionais de saúde apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defendia o chamado "tratamento precoce" com o uso de medicamentos que formam o kit covid, como cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D.

Estes remédios não têm eficácia comprovada para o tratamento da covid-19.

A ação e o valor foram informados pelo executivo Jailton Batista, designado pela Vitamedic para depor hoje em audiência na CPI, no Senado.

A Vitamedic está entre as principais farmacêuticas que vendem ivermectina no Brasil. A empresa entrou na mira do colegiado depois de confirmar, por meio de documentos, que a venda de caixas de ivermectina (um dos remédios do kit covid) cresceu 1.230% em 2020 na comparação com o ano anterior.

O Médicos pela Vida ganhou projeção entre os bolsonaristas depois de participar de uma audiência no Palácio do Planalto em 8 de setembro do ano passado. Uma das linhas de investigação da CPI da Covid indica que o grupo atuou informalmente, por intermédio do deputado Osmar Terra (MDB-RS), em assessoramento eventual ao chamado "gabinete paralelo".

De acordo com a testemunha, a Vitamedic foi procurada pelos médicos entusiastas dos mesmos medicamentos que, mesmo sem eficácia comprovada no tratamento do coronavírus, são incentivados por Bolsonaro e outros governistas (a exemplo da cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outros).

O objetivo do contato teria sido para custear a publicação de um "manifesto" em defesa do "kit covid".

"Eles [Médicos pela Vida] pediram o patrocínio e a Vitamedic assim o fez", afirmou Batista ao relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

O executivo destacou que a empresa não buscou informações acerca do "mérito" do dito "manifesto". Pressionado pelos membros do colegiado, ele disse que, independentemente da "opinião" dos médicos parceiros, já havia uma forte demanda de mercado. A publicação ocorreu em fevereiro deste ano.

"Não entramos no mérito do conteúdo", observou o depoente.

Batista buscou defender que o conteúdo do manifesto não era somente sobre a ivermectina.

"Ele fala de corticoides e produtos para melhorar a imunidade, produtos anticoagulantes, tem uma série itens aí. Ele não é um manifesto em favor da ivermectina, eu queria deixar claro isto, que ele é um documento, inclusive, cujo conteúdo é de inteira responsabilidade dos próprios médicos e não da nossa empresa."

Jailton Batista negou que tenha articulado a propaganda da ivermectina com o presidente Bolsonaro.

Em abril desse ano, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou uma ação civil pública no Rio Grande do Sul contra o grupo Médicos pela Vida em razão da publicação do manifesto. O órgão considerou à época que a veiculação do documento —cujo conteúdo contraria o resultado de estudos científicos— causava "dano potencial à saúde e dano moral coletivo".

Entre outras medidas, a ação civil pede o pagamento de indenização no valor sugerido de R$ 10 milhões, como forma de reparação. O processo está em andamento.

O MPF também solicitou à Justiça que Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) seja condenada a adotar todas as providências de polícia administrativa em relação às peças publicitárias de autoria do Médicos pela Vida.

Na CPI, senadores da oposição criticaram duramente a atitude da Vitamedic por, mesmo que indiretamente, estimular o uso de um remédio sem eficácia comprovada em meio à gravidade da pandemia.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que vai pedir que a CPI encaminhe uma denúncia contra a Vitamedic e seus representantes por uma série de supostos crimes a partir do financiamento do manifesto, como curandeirismo, advocacia administrativa, corrupção ativa e passiva, e publicidade enganosa.

Ele ainda disse que o que a Vitamedic "fez com o Brasil é cringe". Na internet, o termo cringe ganhou força em junho ao ser usado para designar algo que é digno de "vergonha alheia" e se tornar a gíria da geração Z (nascidos entre o fim dos anos 1990 e o ano 2010) usada para descrever os não mais tão jovens membros da geração millennial (nascidos entre o fim dos anos 1980 e o fim dos anos 1990).

Em inglês, é um verbo, mas ganhou status de adjetivo nas redes sociais e virou fenômeno de pesquisas nas plataformas de buscas.

Senadores governistas reclamaram de haver uma suposta criminalização do chamado "tratamento precoce" quando há prescrição do médico responsável.

A CPI aprovou hoje requerimento para promover uma acareação entre o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), com previsão para acontecer em 18 de agosto.

Eles deverão falar frente a frente sobre supostas irregularidades no caso da compra da vacina indiana Covaxin, denunciada por Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde.

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