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O golpe está nas ruas. Por Ricardo Leitão

O que vem por aí é uma incógnita

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Jamildo Melo

Publicado em 08/09/2021 às 21:58 | Atualizado em 08/09/2021 às 22:02
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Terça-feira, 7 de setembro de 2021, feriado dos 199 anos da Proclamação da Independência. Insufladas por Jair Bolsonaro, multidões ocupam as ruas para defender um golpe de Estado no Brasil. Bradam pela volta da ditadura, pela destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal e afrontam o Congresso. As faixas que erguem também têm os dizeres em inglês e espanhol, como para alardear ao mundo que uma ruptura institucional está em curso no País.

O mundo já estava alerta. No dia anterior, 6 de setembro, cerca de 150 políticos e intelectuais de 26 países divulgaram carta chamando a atenção internacional para “uma insurreição que coloca em risco a democracia no Brasil”. Entre os signatários, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz. “O presidente da República e seus aliados articulam-se contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, alimentando os temores de um golpe”, registra trecho da carta.

No dia 7, ao discursar em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro confirmou as piores expectativas. Atacou o Supremo e o Congresso, chamou de “canalhas” ministros do Tribunal e avisou que “só morto” deixaria o poder. Uma escalada no tom de ameaças anteriores, que incluíram tentativa de desacreditar as eleições do próximo ano e lançar ultimatos: “Jogo dentro das quatro linhas (da Constituição). Mas se for para o bem do povo, o limite pode ser outro”. Como nesse enquadramento autoritário não sofreu advertência nem punição, acelerou até o Sete de Setembro e radicalizou a pregação golpista, sob aplausos das multidões sideradas.

Lideradas por Jair Bolsonaro, as hordas ocupam ruas de dezenas de cidades, entre elas as de todas as capitais. Não interessa se as multidões foram maiores ou menores do que as que se reuniram em outras oportunidades. Interessa muito mais é que a pauta golpista tomou grandes espaços – como na avenida Paulista, em São Paulo –, os noticiários nas emissoras de televisão e as primeiras páginas dos jornais.

Argumenta-se que foi uma demonstração de fraqueza, não de força, de Sua Excelência. Cada vez mais isolado, ele precisava comprovar força nas ruas para convencer aliados e adversários que ainda está no jogo de 2022. No entanto, suas afirmações desequilibradas – como, em São Paulo, dizer que não cumprirá decisões do Supremo Tribunal Federal – podem lhe custar até um processo de impeachment. Havendo silêncio, a pauta golpista avançará nas ruas. Existe até dia marcado para a nova manifestação nacional: 15 de novembro, feriado da Proclamação da República.

Quem então marchará com os bolsonaristas envoltos em bandeiras do Brasil, desgraçadamente sequestradas pela direita? Bolsonaro está blefando, ao dar ultimatos aos democratas? Qual sua força política para liderar um golpe de Estado? É triste e assombroso constatar que, na segunda década do século 21, em um país que tem uma das maiores economias do mundo, perguntas como essas não tenham ainda respostas. Qual será o sentimento dos que foram perseguidos, presos e torturados na ditadura de 1964 e que agora se deparam com a perspectiva de outra ditadura, liderada por Jair Bolsonaro?

O temor é real e justíssimo. Contudo, os tempos são desafiadores e exigem resistência, unidade, determinação e perseverança para vencer o golpismo. Bolsonaro não vai recuar. Se não houver opção, ele recorrerá às armas para se manter no poder. Político profissional, nunca foi um democrata. Parlamentar federal, defendeu no plenário da Câmara dos Deputados a ditadura , a tortura e torturadores.

Não vai recuar, mesmo que o caos de seu desgoverno desidrate o apoio popular que lhe resta e não haja soluções para a tragédia da pandemia, a inflação, o desemprego, a fome, os apagões, as queimadas e o crescimento econômico medíocre. Mesmo sem aliados internacionais; mobilização das Forças Armadas; apoios de empresários, da mídia e da classe média – mesmo assim ele vai tentar o golpe. Sua imersão permanente em uma realidade paralela, misturada ao negacionismo militante, talvez o faça acreditar no dia em que desembarcará de um tanque de guerra, em frente ao Palácio do Planalto, e assumirá permanentemente o poder.

Manobras golpistas ou delírios à parte, o que de concreto tem o presidente da República para “só morto” deixar o cargo? No momento, pouco. Contudo, na política vale a capacidade de acumular forças, de prever em que sentido os ventos sopram e a hora certa de lançar as cartas na mesa. Sua Excelência sabe disso e nisso aposta. Em torno de sua candidatura à reeleição, tenta reunir todas as forças do centro-direita; candidato, terá condições de influenciar o sentido dos ventos da sucessão, e as ruas ocupadas por multidões bolsonaristas são a sua carta final na mesa.

De princípio, na atual conjuntura, é o que lhe resta, a 15 meses do fim de seu desgoverno e a pouco mais de um ano da eleição presidencial de 2022. O Sete de Setembro acelerou o seu desvario. O que vem por aí é uma incógnita.

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