Opinião

Quem garante a democracia é o povo. Por Ricardo Leitão

Para articulista, resta a Jair Bolsonaro apostar todas as fichas na radicalização e na polarização com a esquerda – estratégia que o elegeu em 2018

Imagem do autor
Cadastrado por

Jamildo Melo

Publicado em 29/09/2021 às 9:09 | Atualizado em 29/09/2021 às 9:14
Notícia
X

Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

O golpismo está tão entranhado na cabeça de Jair Bolsonaro que parece um prego cravado em sua testa. Nesse caso, ele pode até tentar disfarçar com um pedaço de esparadrapo. No golpismo é mais difícil: ele é compulsivo, soando falsas as loas em defesa da Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Qualquer confronto faz emergir o filhote da ditadura, sem qualquer objetivo a não ser permanecer no poder, a qualquer preço.

Assim foi na entrevista que concedeu à revista Veja, na edição dessa semana, quando tentou acalmar tensos e angustiados com a falta de rumos do Brasil. Bolsonaro anunciou inexistir a possibilidade de dar um golpe de Estado (“Não vou melar a eleição”), assegurando que “com as Forças Armadas fiscalizando as urnas eletrônicas teremos eleições limpas no próximo ano”. Em um país republicanamente sólido, afirmações como essas justificariam um processo político.

As Forças Armadas, por si só, não garantem eleições livres, limpas e democráticas. Eleições livres, limpas e democráticas quem garante é o povo, se necessário ocupando as ruas, exigindo os seus direitos. Ao submeter a realização do pleito a algum tipo de chancela das Forças Armadas, o presidente arma uma arapuca autoritária: sim, os brasileiros poderão votar em 2022, no entanto caberá aos líderes militares decidir se a conjuntura permite o chamado “livre exercício do sufrágio universal”.

Desde a redemocratização, em 1985, não há mobilizações articuladas nas Forças Armadas contra eleições, o que é bom para os militares e ótimo para o Brasil. Isso não evitou que Bolsonaro, na marcha batida pelo golpe, pensasse contar com os comandantes em suas fileiras. Em episódio inédito, de efeitos negativos entre os fardados, substituiu o ministro da Defesa e os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica por desconfiar que seus antecessores não estavam empenhados em sua reeleição.

As Forças Armadas se mantiveram em silêncio quando Bolsonaro, no Sete de Setembro, pronunciou discursos golpistas em Brasília e em São Paulo. Diante de multidões portando cartazes que pediam a volta da ditadura, o presidente instigou-as a descumprir decisões do Supremo Tribunal Federal e insultou o Tribunal Superior Eleitoral. Supreendentemente, não foi preso em flagrante, por atentado à Constituição.

À frente de um desgoverno pessimamente avaliado, desabando nas pesquisas eleitorais e dependente de uma bancada parlamentar voraz por verbas públicas, Jair Bolsonaro vive o seu pior momento, aos mil dias de gestão. O bom mocismo que escolheu para se apresentar agora, refletido na entrevista à Veja, é tão autêntico quanto a carta que dirigiu aos brasileiros, desculpando-se pelos discursos no Sete de Setembro. O golpismo continua tão entranhado na cabeça quanto um prego cravado na testa.

Sua Excelência sabe que a cada dia diminuem as chances de ser reeleito. O relatório final da CPI da Covid reunirá provas suficientes para que seja processado por crime de responsabilidade, um passo para o impeachment. As enormes crises que gerou e agravou vão acompanhá-lo até o término do mandato. Dentro das regras democráticas, a derrota em 2022 parece inevitável; fora das regras (ou como ele diz, “Fora das quatro linhas”) é pagar para ver.

A 12 meses das urnas do próximo ano, pouco resta a Jair Bolsonaro além de apostar todas as fichas na radicalização e na polarização com a esquerda – estratégia que o elegeu em 2018. Portanto, é de se esperar mais provocações golpistas; mais ameaças ao Supremo Tribunal Federal; mais desordem institucional. É disso que se alimenta o presidente, é isso que nutre a torpeza do bolsonarismo.

O que temos? A capacidade de conter e vencer o golpismo. Quem garante a democracia é o povo.

Tags

Autor