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Escola de Sargentos. Fórum diz que obra destruirá 150 hectares de Mata Atlântica em Pernambuco

Estado de Pernambuco ganhou disputa do Exército, mas enfrenta reação de ambientalistas

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Jamildo Melo

Publicado em 30/10/2021 às 11:02 | Atualizado em 30/10/2021 às 11:49
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Por Filipe Aléssio, em artigo enviado ao blog

O Estado de Pernambuco e o Exército Brasiliero selaram um acordo para implementação de uma Escola de Sargentos no coração da Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, que engloba um dos maiores remanescentes contínuos de Mata Atlântica do Nordeste. Pernambuco estava disputando receber a nova sede da Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira com outros dois estados do país, Paraná e Rio Grande do Sul. É uma obra grandiosa e importante, que vai trazer desenvolvimento necessário e inquestionável para Pernambuco e para a Região Metropolitana de Recife.

O projeto prevê a construção da escola, com pavilhões de cursos, uma vila olímpica, uma vila militar e um estande de tiro. Todas estas estruturas ocupariam, aproximadamente, uma área de 140 hectares do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC) e abrigaria uma população residente de até 10 mil pessoas. O problema é que esta área já tem dono. Ou melhor, dona: a Mata Atlântica. E os governantes teimam em desrespeitar os domínios de um dos biomas mais ameaçados e biodiversos do mundo, sem aprender com os erros e lições do passado.

Cana de açúcar

O CIMNC foi criado em 1944 para a construção do então Campo de Instrução do Engenho Aldeia, que depois veio a ser batizado com o nome do responsável pela obra, General Newton Cavalcanti. Na época, a região era ocupada por ao menos 10 engenhos de cana-de-açúcar, que foram desapropriados, totalizando uma área de 7 mil hectares. A finalidade original do Campo de Instrução foi o treinamento e envio de tropas para a Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Atualmente o CIMNC ainda serve para o treinamento do Exército brasileiro. A maior parte de sua área é recoberta por Mata Atlântica em estado secundário de sucessão ecológica e 20 manchas interconectadas de florestas de mata primária, incluindo o Refúgio de Vida Silvestre Mata de Miritiba, com 273,4 hectares.

A extensa cobertura de vegetação nativa do CIMNC deve ser considerada um patrimônio natural e histórico do Estado de Pernambuco que deve ser protegido por sua importância para a conservação da biodiversidade e salvaguarda de serviços ecossistêmicos essenciais fornecidos por uma vasta rede hidrográfica, que alimenta importantes reservatórios, abastecendo boa parte da Região Metropolitana do Recife.

Vários trabalhos científicos foram realizados na área e demonstram a sua rica biodiversidade. Nas matas do CIMNC foram catalogadas 24 espécies diferentes de besouros rola-bosta, 119 espécies de aves (sendo cinco ameaçadas de extinção), 30 espécies de anfíbios (3 espécies ameaçadas), 53 espécies de répteis (4 espécies ameaçadas) e aproximadamente 33 espécies de mamíferos. Toda esta riqueza de fauna é protegida sob uma vegetação característica de Mata Atlântica com mais de 92 espécies de árvores. Pesquisas indicam que toda a região do CIMNC tem um grande potencial de sequestro e de manutenção dos estoques de carbono a longo prazo, contribuindo para a diminuição dos gases do efeito estufa na atmosfera e a consequente regulação da temperatura e umidade do ar.

Diante dos índices alarmantes de desmatamento da Mata Atlântica e de outros biomas florestais no Brasil, é no mínimo afrontoso o Governo do Estado de Pernambuco propor a supressão de mais de 150 hectares de floresta para expandir a malha urbana da Região Metropolitana, notadamente às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP26), que será realizado nos próximos dias em Glasgow, na Escócia. De acordo com o projeto apresentando para a candidatura de Pernambuco para receber a Escola de Sargentos, um dos compromissos do Estado seria a construção do polêmico Arco Metropolitano, uma via teoricamente expressa, que ligaria o polo industrial da região norte da RMR com o Porto de Suape, cortando ao meio a APA Aldeia Beberibe, podendo causar um impacto sem precedentes na região. Coincidentemente, o Arco Metropolitano tangencia a área especulada para receber a Escola de Sargentos.

Arco Metropolitano

Vale lembrar que o projeto de traçado do Arco defendido pelo Governo do Estado foi alvo de uma ampla mobilização da sociedade civil organizada que ainda luta contra o projeto, dando origem ao movimento “Arrudeia”, que faz alusão a uma proposta alternativa ao traçado do Arco, passando por fora da APA. Com o sequestro do discurso da sustentabilidade e de um ordenamento territorial que nunca foi posto em prática, governantes, engenheiros e empresários defendem o Arco Metropolitano citando a utilização de novas tecnologias de construção, assegurando que os remanescentes de mata serão poupados com a construção de elevados e até mesmo de túneis. É difícil imaginar a construção de um complexo militar no meio de uma floresta sem desmatar a floresta.

É inconcebível que, em uma paisagem dominada por engenhos de cana-de-açúcar, governantes ainda prefiram desmatar preciosas áreas de mata para o desenvolvimento urbano. A palavra “ainda” remete a uma cultura e uma história de desvalorização de áreas naturais, notadamente de florestas, que sempre foram consideradas apenas como matéria-prima para o comércio de madeira e nada mais. Exemplos desta desvalorização histórica da Mata Atlântica não faltam em Pernambuco e no Brasil. Muito próximo ao CIMNC existe a Estação Ecológica de Caetés, uma Unidade de Conservação estadual que protege 150 hectares de Mata Atlântica, que também faz parte da APA Aldeia Beberibe.

Divulgação
Maquete da nova escola - Divulgação

Manguezais

Se não fosse a mobilização popular e a luta de ambientalistas na década de 1980, a área hoje seria um dos maiores aterros sanitários da Região Metropolitana de Recife, poluindo rios e vidas. No Rio de Janeiro, a Floresta do Camboatá, um dos últimos trechos de Mata Atlântica de terras baixas da região, seria transformada em um autódromo. Neste caso também houve uma grande mobilização e luta social para barrar o projeto.

Está mais do que na hora dos governos e dos empresários pararem de olhar para as florestas úmidas e outros biomas e ecossistemas (Caatinga, manguezais) como meros acessórios inúteis de uma paisagem que precisa ser substituída pelo desenvolvimento. Em plena era do conhecimento e da bioeconomia, florestas em pé valem muito mais do que as terras arrasadas que estão se multiplicando pelo país. É necessário que a proposta locacional da nova Escola de Sargentos em Pernambuco seja revista para que esta obra tão importante para o estado não destrua ainda mais a nossa Mata Atlântica, patrimônio natural insubstituível.

Biólogo e diretor de Meio Ambiente do Fórum Socioambiental de Aldeia

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