Opinião

Bolsonaro pregou no deserto. Por Ricardo Leitão

Relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgado enquanto ocorria a Conferência Mundial do Clima, informou que, em outubro, foram desmatados 877 quilômetros quadrados de florestas na Amazônia Legal, aumento de 5% em relação a 2020 e recorde para o mês desde 2015

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Jamildo Melo

Publicado em 16/11/2021 às 18:53 | Atualizado em 16/11/2021 às 18:55
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Com as conexões cerebrais supostamente em situação regular, apesar do calor do deserto, Jair Bolsonaro assegurou a empresários árabes, no Oriente Médio, que 90% da floresta amazônica estão preservados, porque na região chove muito e o ar fica úmido, impedindo os incêndios. Como ninguém riu, é possível que o presidente acredite no que estava dizendo – como porta-voz do Brasil oficial.

Este mesmo Brasil já se apresentara, semanas antes, na Conferência Mundial do Clima, na Escócia, quando o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou que “o futuro do País é verde”. E, em seguida, garantiu que, para reduzir o aquecimento global, o desgoverno Bolsonaro se comprometia com as seguintes taxas de diminuição do desmatamento na Amazônia: 15% em 2024; 40% em 2025 e 2026; 50% em 2027 e desmatamento zero em 2028. Ao que se sabe, também ninguém riu.

Felizmente, o Brasil real não tardou. Relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgado enquanto ocorria a Conferência Mundial do Clima, informou ao distinto público: em outubro, foram desmatados 877 quilômetros quadrados de florestas na Amazônia Legal, aumento de 5% em relação a 2020 e recorde para o mês desde 2015. A Amazônia Legal compreende 59% do território brasileiro, englobando áreas do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão. A região segue queimando, ao contrário da pregação delirante de Bolsonaro nos desertos do Oriente Médio e das visões do “Brasil de futuro verde” do ministro do Meio Ambiente.

Para o desastre, internacionalmente condenado, é incomparável a contribuição do desgoverno bolsonarista. Ela inclui a paralisação da fiscalização e da aplicação de multas contra criminosos ambientais; esvaziamento de órgãos de fiscalização, como o Ibama e o ICMBio, e o apoio a projetos, em tramitação no Congresso, que anistiam roubo de terras, acabam com o licenciamento ambiental e ameaçam os territórios indígenas.

Em 2019, na gestão do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales (investigado por envolvimento com contrabandistas de madeira), o Ibama registrou 12.375 multas; neste ano, até setembro, 9.182 – metade da média registrada entre 2000 e 2010. A redução da fiscalização – efusivamente comemorada pelos criminosos ambientais – foi uma promessa de Bolsonaro na campanha eleitoral. Promessa cumprida. No primeiro ano de seu desgoverno, a devastação das florestas na Amazônia Legal atingiu uma área de 10.900 quilômetros quadrados. Foi o maior número constatado em uma década e o dobro do verificado em 2012 e 2013. Como atestam os dados do Inpe para o mês passado, a tragédia continua.

Entre cientistas e ambientalistas não há expectativa de mudanças. Enquanto Bolsonaro acreditar no que prega para árabes no deserto, é muito difícil o Brasil real, do chão queimado da floresta, prevalecer sobre o Brasil oficial dos salões acarpetados e refrigerados. Destaca Sérgio Margulis, economista do Banco Mundial, há quatro décadas atuando na área de desenvolvimento sustentável: “O Brasil está desperdiçando dois de seus mais importantes diferenciais no debate internacional sobre o futuro climático – suas fontes renováveis de energia e a maior biodiversidade do planeta. É um absurdo incendiar a floresta para plantar pasto de vaca.”

Contudo, a vaca está vencendo, ao lado de garimpeiros ilegais e contrabandistas de madeira. Não há e nunca houve política ambiental no desgoverno Bolsonaro. A situação é ainda agravada pela ojeriza de Sua Excelência ao conhecimento científico e à sua incapacidade de dialogar com instituições da área ambiental. O “futuro verde” é mais uma fake news, e o desmatamento zero em 2028 – dentro de 6 anos, portanto – um objetivo a ser alcançado com preces ao poderoso Tupã, deus dos índios.

Ainda assim, a Conferência Mundial do Clima se prestou, no Brasil, a aquecer o debate sobre os desafios ambientais no País. Mesmo que tarde, ele é obrigatório e perderá votos o candidato a presidente que não assumir posições claras sobre o assunto. Vão impulsioná-lo o ar que se torna irrespirável nas grandes cidades; os rios poluídos; os animais em extinção; as árvores carbonizadas; a mobilização dos jovens pela saúde da Terra.

É quando, pregando para os árabes no deserto, Jair Bolsonaro baterá continência ao horizonte e bradará: “O futuro do Brasil é verde!”

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