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A esperança derrotou Bolsonaro. Por Ricardo Leitão

Desde 1998, ano da instituição do exame nacional, não há registro de interferências de um presidente da República no quesito das provas do Enem

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Jamildo Melo

Publicado em 23/11/2021 às 17:26 | Atualizado em 23/11/2021 às 21:55
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Jair Bolsonaro, presidente da República, tentou implodir a edição de 2021 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma das maiores aferições mundiais do nível no conhecimento de estudantes de 17 a 24 anos. Apesar do tumulto provocado por Sua Excelência, a esperança de 3,1 milhões de jovens de ingressar no ensino superior terminou vencendo. A primeira etapa do exame, realizada no domingo passado (21), foi concluída sem problemas. A etapa final ocorrerá no próximo domingo, 28, quando as portas da vida profissional começarão a se abrir para os milhões de aprovados.

Misterioso o fato de Bolsonaro tentar boicotar o Enem – e não é de agora. Desde 2019 ele critica o enfoque “ideológico” das questões e os quesitos sobre questões de gênero e de racismo. Na prova de 2020 reclamou do debate a respeito das diferenças salariais entre homens e mulheres e, neste ano, pediu ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, que qualquer referência ao Golpe de 1964 fosse substituída por “Revolução de 1964”. Dias antes do início das provas, se gabou: “O Enem agora tem a cara do Governo”. Um ato falho, pois como ter essa informação prévia se a elaboração dos quesitos é cercada de extremo sigilo?

O descuido de Sua Excelência motivou reações imediatas. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) entrou na Justiça para tentar esclarecer o vazamento; o mesmo fez a Defensoria Pública da União; caminho adotado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal e uma comissão da Câmara dos Deputados. Se as investigações constatarem alguma evidência de vazamento, o Enem de 2021 será anulado? Jair Bolsonaro ficará feliz, por seu boicote ter efeitos? E como ficarão os 3,1 milhões de estudantes, suas famílias e suas esperanças?

O Enem foi instituído em 1998, com objetivo de avaliar o desempenho escolar dos alunos ao término da educação básica. Em 2009, o exame aperfeiçoou sua metodologia e passou a ser utilizado como mecanismo de acesso à educação superior. As notas do Enem podem ser usadas para ingresso no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e no Programa Universidade para Todos (ProUni). Os participantes do Enem podem ainda pleitear financiamento em programas do Governo, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Ou seja: um conjunto de iniciativas que favorecem principalmente os estudantes mais pobres.

Desde 1998, ano da instituição do exame nacional, não há registro de interferências de um presidente da República no quesito das provas do Enem. E muito menos com os tumultos causados pelas tentativas de intromissão de Bolsonaro. O primeiro deles foi o pedido coletivo de exoneração de 37 técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inpe) – órgão responsável pela elaboração e aplicação das provas –, denunciando assédio moral para seleção do conteúdo dos quesitos. Contaram com a solidariedade dos funcionários da instituição e de ex-ministros da Educação, desde o governo Fernando Collor, preocupados com a sobrevivência do Inpe – uma referência em pesquisas e análises.

Vieram em seguida as reclamações de Bolsonaro, acusando o exame de promover o “esquerdismo” e contestando a sua capacidade de avaliar o conhecimento dos estudantes. Foi coadjuvado pelo ministro da Educação, que se notabilizou por afirmações do seguinte quilate: “A universidade deveria ser para poucos”. Ou então: “Devemos evitar a inclusão, nas avaliações escolares, de questões que sejam peculiares a determinados guetos ideológicos”.

Essa nova crise do Governo - a da educação – não vai terminar com a realização, sem problemas, da segunda etapa do Enem. Ela permanece com a péssima relação de Bolsonaro com os trabalhadores da área educacional e com os cientistas; os cortes de recursos para bolsas e pesquisas; a desidratação das verbas destinadas à merenda escolar e ao pagamento de professores.

Por que o desprezo de Sua Excelência à educação? Será que nunca lhe ensinaram que para um rapaz e uma moça pobres ter educação pode significar vencer ou não vencer na vida? Vão lhe fazer estas questões na campanha do próximo ano. Na falta de respostas convincentes, ele pode alegar que educou muito bem seus filhos 01, 02 e 03. Estarem os três sendo investigados são apenas travessuras da criançada.

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