AMÉRICA LATINA

Quais são os paralelos possíveis entre as eleições no Chile e no Brasil?

Disputa entre ultradireitista e esquerdista tem ligações com o Brasil, 'pero no mucho'

Augusto Tenório
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Augusto Tenório
Publicado em 28/11/2021 às 15:32 | Atualizado em 28/11/2021 às 15:39
ERNESTO BENAVIDES / AFP
ULTRADIREITISTA Kast, da Frente Social Cristã, venceu o primeiro turno de novembro com 27,91% dos votos - FOTO: ERNESTO BENAVIDES / AFP
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Enquanto no Brasil tenta-se entender o cenário posto para as eleições de 2022, o Chile passa por uma disputa peculiar pelo Palácio de La Moneda, a ser decidida no dia 19 de dezembro. Paralelos entre Santiago e Brasília são possíveis, mas assim como a cuíca e o samba impõem cadência própria, é preciso entender as diferenças para ser possível comparar a situação do país com o Brasil e a própria América Latina.

Do outro lado da Cordilheira dos Andes, o ultradireitista José Antonio Kast (Partido Republicano) e o esquerdista Gabriel Boric (Convergência Social) lutam pela presidência de um país ausente nas urnas. Lá, chega-se ao segundo turno após 53% de abstenção do na votação de novembro.

Dessa forma, apesar de a disputa apertada — Kast ficou em primeiro lugar com quase 28% dos votos válidos, diferença menor que 4% em relação a Boric — destacar a polarização, esse sentimento na verdade cresce no vácuo deixado pelos eleitores apáticos ao pleito. A divisão real, como conta o cientista político Antônio Lavareda, deve começar agora.

CLAUDIO REYES / AFP
ESQUERDISTA Gabriel Boric é ex-líder estudantil e promete mudanças com tranquilidade e gradualmente - CLAUDIO REYES / AFP

"O país vai se polarizar agora, no segundo turno, pois são dois os concorrentes e os eleitores vão precisar votar ou no candidato da extrema-direita ou no da esquerda", pontua. Mas, não somente no aspecto de uma política não polarizada, desde o primeiro turno o Chile se diferencia do Brasil.

De acordo com o economista Sérgio Buarque, o problema chileno é essencialmente político e, em parte, social. "Não é possível, sequer, afirmar a existência de uma crise econômica, abstraindo a recessão de 2020, causada pela pandemia de covid-19. A carga tributária no Chile é baixa, o que oferece espaço para elevar a taxa tributária, proposta pelo Boric. Lá tem espaço pra isso, enquanto aqui seria um desmantelo aumentar. O quadro econômico é muito diferente, o que faz, portanto, as restrições serem menores para o próximo governo", avalia.

Questionado, então, sobre as causas das recentes convulsões sociais chilenas, Buarque aponta duas "bombas-relógio" herdadas da ditadura de Augusto Pinochet, marcada pela violência social e modelo liberal econômico: o regime privado de previdência e o modelo de crédito impagável para acesso ao ensino superior. Foram essas questões que levaram aos protestos estudantis de 2011, fortalecendo a esquerda nos movimentos de 2019.

Diferentemente do restante da América Latina, onde o crescimento da extrema-direita é visto como reação à crise econômica trazida pelo fim do ciclo de alta das commodities e à eclosão de escândalos de corrupção nos governos de esquerda, no Chile enxerga-se esse fenômeno como resposta à "desordem" dos protestos da última década.

Nesse sentido, Kast explora a onda de violência mostrada no ano retrasado e se vende como único candidato capaz de restaurar a ordem no país. Boric, por sua vez, surgiu enquanto liderança nos protestos que explodiram no início da década passada.

Para Lavareda, porém, a polarização do segundo turno resulta também da fragmentação política, fenômeno também presente no Brasil. "Uma força extrema e outra força chegam ao segundo mesmo após apresentarem tamanhos relativamente reduzidos", aponta Lavareda.

A apatia dos chilenos com as urnas contrasta com a repercussão internacional da eleição. Isso porque Kast, já chamado de "Bolsonaro chileno" nas redes sociais, mostra-se na verdade uma versão mais radicalizada do presidente brasileiro. Além dos elogios ao ex-ditador Pinochet (1915-2006), o candidato da extrema-direita chegou a incluir no plano de governo medidas como "incentivos econômicos aos casais".

Apesar disso, caso eleito, Antonio Kast enfrentaria dificuldades de impor a sua agenda conservadora. Primeiramente porque, assim como Bolsonaro no Brasil, teria de criar uma coalizão com um congresso nacional equilibrado. Além disso, o próximo presidente chileno vai governar segundo os preceitos e regras de uma nova constituição, a ser redigida por uma constituinte formada majoritariamente pela esquerda ou independentes.

Boric, por sua vez, representa justamente o movimento de renovação de esquerda, presente de forma expressiva entre os eleitos para a formação da nova constituinte. Apesar de estar alinhado com os preceitos esperados pela nova carta, a principal dificuldade do esquerdista é ser eleito. Seu adversário é apontado como favorito, mesmo numa disputa apertada.

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