Opinião

O desgoverno derrete. Por Ricardo Leitão

Articulista destaca que pesquisas concluem que dois terços dos eleitores desaprovam gestão, considerando-a "ruim" ou "péssima". Aprovação está em 25%, muito pouco para um presidente que pretende se reeleger, cercado por um emaranhado de crises

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Jamildo Melo

Publicado em 22/12/2021 às 9:24 | Atualizado em 22/12/2021 às 9:43
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Durante os 27 anos de deputado federal, Jair Bolsonaro sempre habitou os porões do baixo clero – nicho parlamentar que se destaca pela mediocridade de seus integrantes. A única vez em que se ergueu das sombras foi ao declarar seu voto de apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador da ditadura militar.

Beneficiado na eleição de 2018 por uma trágica coincidência de populismo da direita e desencontros da esquerda, Bolsonaro chega aos 12 meses finais de sua incúria em derretimento. Todas as pesquisas concluem que dois terços dos eleitores desaprovam sua gestão, considerando-a “ruim” ou “péssima”. Sua aprovação está paralisada em 25%, muito pouco para um presidente que pretende se reeleger, cercado por um emaranhado de crises.

O derretimento do desgoverno repercute de imediato nos índices da corrida eleitoral do próximo ano. Luiz Inácio Lula da Silva aparece em condições de vencer a disputa no primeiro turno, resultado da incompetência de Bolsonaro e da miudeza das intenções de votos nos candidatos da chamada terceira via. É provável que, a dez meses das urnas de outubro de 2022, o quadro se altere – mas, por enquanto, nada contribui para que se altere em favor de Jair Bolsonaro.

Segundo o Instituto Datafolha, 48% dos eleitores entrevistados consideram o presidente o pior da história do Brasil; apenas 17% afirmam ser Bolsonaro um defensor dos pobres e só 19% acham que ele tem capacidade de lidar com a fome. É o mesmo percentual que o considera capaz de fazer o País voltar a crescer. Todos os índices de Lula são melhores, em todas as regiões, faixas de renda, de idade e instrução.

No desgoverno, são cerca de 20 milhões de brasileiros sobrevivendo abaixo da linha de pobreza. A inflação vai superar os 10% neste ano, penalizando especialmente as famílias de menor renda. Para minimizar o escândalo social, Bolsonaro forçou a aprovação, no Congresso, do Auxílio Brasil, o novo nome do Bolsa Família. Com ele, tenta recuperar apoio eleitoral, principalmente no Nordeste, região onde sofre maior oposição. Para aprová-lo, sacrificou a credibilidade econômica que restava de seu desgoverno, driblando o teto de gastos e aplicando um calote bilionário no pagamento dos precatórios (dívidas da União confirmadas pela Justiça em última instância).

O desgoverno também derrete na articulação política. A promessa da campanha eleitoral da extinção do “toma lá, dá cá” virou uma piada nos corredores do Congresso. Bolsonaro está na coleira do Centrão, um ajuntamento de parlamentares de direita que passou a controlar a Câmara dos Deputados e a poderosa Casa Civil. Os líderes do Centrão administram as prioridades do Orçamento – peça-chave da gestão federal – e a liberação de recursos públicos para os deputados, com o que definem votações. Bolsonaro não reage: sabe que o ajuntamento pode deliberar sobre a abertura de um processo para seu impeachment.

O desacerto político alcança outras áreas do desgoverno. O presidente trata o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, como adversário; os ministros não se entendem; são incompetentes as direções da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente e da Segurança; bordejam o rompimento as relações com o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O desenvolvimento de uma “nova economia liberal” não passou de outra promessa esquecida: o desgoverno não conseguiu aprovar no Congresso nenhuma reforma estrutural - como a administrativa, a tributária ou a fiscal.

Bolsonaro se transformou em um pária internacional, tratado como predador dos direitos humanos e da liberdade de expressão, fomentador de golpes de Estado e insuflador da extrema direita. Cancelado nos grandes fóruns, apontado como mentiroso ao discursar nas Nações Unidas. Uma vergonha para a imagem externa do Brasil.

Por aqui, não tem qualquer tipo de diálogo com instituições como universidades, representações culturais, grupos empresariais, entidades populares, sindicatos. Está sendo acusado de nove crimes e é suspeito de prevaricar diante de denúncias de corrupção. Na conjuntura desafiadora em que foi mergulhado o Brasil é, sem menor dúvida, o homem totalmente errado, no lugar errado e na hora errada.

Pior: o desgoverno vai continuar derretendo. Ninguém que saiba fazer contas e que enxergue para além das redes sociais bolsonaristas acredita em um futuro melhor para Sua Excelência. Não há mais tempo a 12 meses do final de seu mandato, em meio a uma campanha eleitoral que promete ser disputadíssima e conturbada. Continuará viva a tragédia sanitária de centenas de milhares de mortos e de milhões de infectados pela pandemia; os milhões de desempregados, miseráveis e esfomeados; a estagflação – o País sem rumo que exibe as digitais do pior presidente da história.

Fosse outro, Bolsonaro jogaria o quepe, talvez alegando que precisava retornar ao seu curso de paraquedismo. Porém é improvável que isso aconteça. Irá até o fim, acreditando que o terço das intenções de votos que, segundo as pesquisas, ele tem, o levará ao segundo turno e daí para o imprevisível. Melhor assim. Ainda mais desastroso seria se, isolado e encarando a derrota irreversível, voltasse a articular um golpe – como fez no Sete de Setembro. Portanto, toda atenção é absolutamente necessária. Ao longo de sua vida Jair Bolsonaro sempre foi um inimigo da democracia. Imagine agora, quando derrete.

 

 

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