Pesquisas eleitorais

Federações criam desequilíbrio nas eleições proporcionais

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Jamildo Melo

Publicado em 23/12/2021 às 15:28 | Atualizado em 23/12/2021 às 15:46
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Por Maurício Costa Romão, em artigo especial para o blog de Jamildo

Nos debates sobre as federações partidárias, recentemente instituídas por lei, tem passado despercebida uma grave distorção que o mecanismo acarreta nas eleições proporcionais no Brasil: a indevida vantagem competitiva aos conjuntos federados.

De fato, como boa parte das siglas concorrentes não conseguirá formar alianças, por motivos diversos, incluindo exigüidade de tempo (o registro tem que ser feito até 6 meses antes das eleições), ausência de afinidades programáticas, exigências de verticalidade e de permanência na aliança por no mínimo quatro anos, gera-se, naturalmente, um desequilíbrio de forças eleitorais em favorecimento às siglas federadas.

Um exemplo prático extraído das eleições para deputado federal em Pernambuco ajuda a esclarecer este ponto.

Admita-se, à guisa de exercício ilustrativo, que as siglas PSB, PT, PCdoB, PSOL e PV passem das tratativas preliminares em andamento à celebração de uma federação para 2022. Estas siglas, em 2018, elegeram 8 deputados federais no estado (5 do PSB, 2 do PT e 1 do PCdoB).

Suponha-se, ademais, para facilitar a explanação, que nenhum outro bloco federado seja composto, não importando os motivos, e que as 33 siglas que disputaram a eleição passada em Pernambuco sejam as mesmas que concorrerão no próximo ano.

Quer dizer, 5 partidos formarão uma coligação e os demais 28 não. Estes, dependerão de suas votações individuais para ascender ao Parlamento. Aqueles, contarão com a votação unificada do bloco para fazê-lo.

Imagine-se, ainda, que todos os 33 partidos, em 2022, repetirão suas votações de 2018, tendo-se assim, por via de conseqüência, o mesmo quociente eleitoral (QE), de 173.215 votos, nos dois pleitos. É uma suposição bem restritiva, mas inevitável para o experimento.

Pois bem, dada a configuração delineada, de uma bancada de 25 deputados de Pernambuco, o quinteto federado elegeria 12 deputados (13 deputados, na verdade, mas o 13º do bloco, candidato do PSB, tinha votação abaixo de 10% do QE*): PSB (6), PT (4), PSOL (1) e PCdoB (1).

As demais 13 vagas ficariam com o PP (3), Patriotas (2), PDT (1), PSL (1), PSC (1), PRB (1), PR (1), DEM (1), SD (1) e PPS (1)**.

A distorção se evidencia de pronto, com a federação ocupando quase metade das vagas legislativas. Dos 28 partidos não federados 7 teriam musculatura de votos para ultrapassar individualmente o QE e conquistar vagas, 3 não conseguiriam sobrepujar o QE, mas obteriam vaga pela concessão da legislação de 2017, e 18 partidos não elegeriam ninguém.

Mesmo considerando certo abrandamento nas hipóteses que formataram o exercício do texto, como a constituição de mais federações, ou que as votações dos partidos sejam diferentes nas duas eleições, ou que a União Brasil seja sacramentada, etc., ainda assim, o escopo substantivo do exercício empreendido continuaria válido, com mudanças marginais: os blocos federados permaneceriam tendo grande regalia competitiva sobre os partidos.

Com efeito, (a) a federação tem mais chances de ultrapassar o quociente eleitoral porque sua votação é a do arranjo coligado, enquanto que partidos não federados só podem fazê-lo individualmente, com sua própria vertebração de votos; (b) candidatos de partidos federados têm mais possibilidades de se eleger com menos votos do que candidatos de partidos não federados; (c) partidos federados podem ascender ao Parlamento mesmo não atingindo o quociente eleitoral, o que é vedado aos não federados, a menos que estes tenham votação maior ou igual a 80% do quociente eleitoral e, simultaneamente, consigam estar entre as siglas que obtiveram as maiores médias na distribuição das sobras de voto.

O princípio republicano da igualdade de chances, como se vê, é completamente violado.

Enfim, a federação partidária promove a volta das coligações proporcionais, de forma disfarçada, através dos requerimentos da verticalidade e da união prolongada entre siglas, e o faz desequilibrando a concorrência eleitoral em relação aos partidos, mediante privilégios às agremiações que conseguem aderir ao formato estabelecido.

Por outro lado, as agremiações que têm dificuldades de celebrar federação devido a problemas como, por exemplo, complexos arranjos políticos locais ou por não encontrar parceiros com afinidades programáticas ou ideológicas dispostos a permanecerem unidos nas eleições de 2022 e 2024, levam flagrante desvantagem.

A lei que criou a federação de partidos está sendo julgada no STF quanto à sua constitucionalidade. Espera-se que a colegialidade da Corte Maior restabeleça os princípios isonômicos que devem presidir a competição eleitoral no país.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. 

*A Lei 13.165/15 estabelece a cláusula de desempenho individual em 10% do QE. Só assumem vaga no Legislativo candidatos que atingem este patamar mínimo. No exemplo acima, a 13ª vaga da federação, que seria de um candidato do PSB, estaria destinada ao PSL, detentor da seguinte maior média de votos, mas neste partido também não havia candidatos que preenchessem o requisito de 10% do QE. A maior média a seguir foi atingida pelo PSC, que igualmente não atendia à legislação. Finalmente, a vaga seria ocupada pelo PP.

**Estes três últimos partidos, DEM, SD e PPS, não atingiram o QE, mas seriam beneficiados pela abertura da legislação de permitir que todos os partidos possam disputar sobras de voto e ascender ao Legislativo desde que tenham votação no mínimo de 80% do QE, e que esta votação esteja entre as maiores médias na distribuição das vagas por sobras de voto. O PSD, a propósito, estaria entre estas siglas, satisfazendo o requerimento das maiores médias, mas sua votação não atingiria 80% do QE.

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