Opinião

Quantas crianças vão morrer? Por Ricardo Leitão

Surge agora a questão da vacinação de crianças

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Jamildo Melo

Publicado em 28/12/2021 às 16:48 | Atualizado em 28/12/2021 às 17:10
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, está sendo chamado de Marcelo Queirodes. É uma referência a Herodes, o rei da Judeia de 37 aC a 40 aC, então território do Império Romano. Segundo a Bíblia cristã, foi em seu reinado que nasceu Jesus Cristo. Informado que Cristo seria o futuro rei dos judeus, Herodes ordenou o assassinato de todas as crianças de até 2 anos para livrar seu poder de qualquer ameaça. Narra a Bíblia que Cristo escapou da matança, sob a proteção de Maria e José, seus pais.

O apelido de Queiroga não lhe faz justiça (alguns dirão que também não faz justiça a Herodes). Mas reflete a indignação de milhões de pais e parentes de crianças com a incúria com que o desgoverno de Jair Bolsonaro está tratando a vacinação de brasileiros de 5 a 11 anos contra a covid-19.

A aplicação de imunizante nessa faixa de idade já ocorre em dezenas de países e já somam milhões as crianças vacinadas, sem qualquer efeito colateral relevante. No Brasil, a imunização foi aprovada e recomendada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e entidades médicas de pediatria há 15 dias. Caberia então ao Ministério da Saúde adquirir a vacina, disponível no mercado, e distribuí-la imediatamente aos estados, que fariam que chegasse aos braços dos menores de 5 a 11 anos.

Nada disse aconteceu. Bolsonaro afirmou ser contrário a vacinar crianças e partiu para um período de férias no litoral de São Paulo. Coube então a Queiroga adotar as chamadas manobras protelatórias. Primeiro, o ministro informou que iria solicitar uma inédita revisão da decisão técnica da Anvisa. Em seguida determinou uma também inédita consulta pública a respeito da vacinação em crianças de 5 a 11 anos. Por fim, antecipou que apenas em 5 de janeiro o ministério comunicará a sua posição final. E se, até lá, crianças de 5 a 11 anos morrerem por falta de imunizantes?

A relação do desgoverno com a covid-19 é doentia. Bolsonaro comparou a pandemia a uma “gripezinha”; boicotou a compra de vacinas; estimulou aglomeração; chamou de “maricas” os que se preocuparam com o vírus; mentiu ao dizer que se transformaria em jacaré ou iria contrair Aids quem se vacinasse; nunca foi solidário com a tragédia dos mortos e infectados e deixou que o Ministério da Saúde se transformasse em um balcão de negócios de quadrilhas com ligações internacionais.

A rejeição à vacinação de crianças retrata um desgoverno em decadência, absolutamente alheio às crises sanitária, econômica e social em que está mergulhado o Brasil. A situação piora quando Bolsonaro decide interferir no Orçamento da União, com propósitos despudoradamente eleitorais: forçou o Congresso a aprovar um aumento salarial exclusivo para policiais federais, desencadeando uma crise entre servidores da Receita Federal e do Banco Central. Espera-se que Sua Excelência tenha saídas, quando retornar das férias, que resolveu prolongar, dessa vez no litoral de Santa Catarina.

Não é provável porque, a 12 meses do fim de seu mandato e de 10 meses das eleições presidenciais do próximo ano, Bolsonaro está no pior momento de seu desgoverno. O País permanece sem rumo e sem capacidade de investimento. Em 2022, serão apenas R$ 44 bilhões para investir em estradas, energia, saneamento, transportes, instalações educacionais e de saúde, entre outras áreas. Será o menor valor desde 2010 e um dos menores desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Para tentar chegar minimamente competitivo às urnas de outubro de 2022, Bolsonaro se sustenta em um tripé: a liberação de R$ 16,5 bilhões para emendas orçamentárias do interesse de parlamentares aliados; a distribuição dos recursos do Auxílio Brasil, o novo nome do Bolsa Família; e o discurso conservador. São bases frágeis. Os aliados, mesmo alimentados com as emendas, permanecerão aliados até o momento em que a candidatura presidencial de Sua Excelência naufragar de vez. As estimativas do próprio desgoverno são que, ao fixar como meta o atendimento de 17 milhões de famílias pelo Auxílio Brasil , outras 3,7 milhões ficarão de fora, protestando em um ano eleitoral. O discurso conservador, por fim, arrisca ressoar apenas em sua base conservadora.

Quanto à corrida eleitoral, Bolsonaro termina o ano em pleno desconforto. O desemprego e a inflação lhe mordem, porém as conclusões da CPI da Pandemia podem ter sido mortais – principalmente pelas comprovações de corrupção no desgoverno. De favorito da direita em 2022 ele passou à condição de “candidato sob observação”. Se der um passo errado, o ex-juiz Sergio Moro toma o seu lugar.

E se tantos incômodos não bastassem, surge agora a questão da vacinação de crianças. Melhor seria se tivessem sido tratadas com pílulas de cloroquina, como orientou que fosse feito. Estariam todas bem e ele deixaria de sonhar com Herodes. Nas férias pelo litoral de São Paulo nada disso aconteceu. Por que o Queirodes não resolve logo um assunto tão pequeno?

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