Legislação de táxis do Recife é frouxa e desatualizada

Publicado em 30/10/2016 às 21:40 | Atualizado em 13/07/2018 às 10:15
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Foto: Diego Nigro/JC Imagem Foto: Diego Nigro/JC Imagem   Não é à toa que o serviço de táxi do Recife tem sido alvo de tantas reclamações e vem perdendo passageiros espontânea e rapidamente para aplicativos de transporte – o Uber é o maior deles. A legislação que fixa as normas para a exploração do sistema é frouxa e ultrapassada. Omissa e benevolente no papel, difícil de se fazer cumprir nas ruas, ainda mais com uma fiscalização sem fôlego. E as falhas existem desde o princípio. A Lei Municipal 17.537 de 2009 permite, mas não delimita, por exemplo, a quantidade de permissões adquiridas por pessoas jurídicas, o que gera monopólios de praças e força a precarização do serviço com a subcontratação de motoristas. O JC teve acesso à relação das 6.126 permissões do serviço e identificou dezenas de autorizações em pelo menos três CNPJs diferentes.
A lei municipal é de 2009 e está totalmente desatualizada. Têm absurdos que já deveriam ter sido revistos e que forçam a precarização da contratação. Se um dia esse serviço for chamado à luz da lei, estará totalmente ilegal", Ivan Cunha, consultor
Oficialmente, existem 508 permissões de táxis dadas a pessoas jurídicas no sistema municipal, controladas por apenas 105 empresas. E as distorções não param por aí. Antes de mais nada, é preciso destacar que o Sistema Municipal de Táxi do Recife (SMTX) nunca foi, sequer, licitado. Ou seja, os taxistas têm a delegação do poder público, mas não a legalidade, como explica Ivan Cunha, consultor em gestão da mobilidade e ex-presidente da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), de 2001 a 2003, na sua recém-criação. “A lei municipal é de 2009 e está totalmente desatualizada. Têm absurdos que já deveriam ter sido revistos e que forçam a precarização da contratação. Se um dia esse serviço for chamado à luz da lei, estará totalmente ilegal”, alerta Cunha. As permissões de táxi existentes na capital foram dadas pelo poder público, sem processo licitatório, e há mais de 20 anos não se abriu novas adesões. O fato de o poder público, via legislação, não delimitar a quantidade de permissões adquiridas por pessoas jurídicas alimenta um comércio clandestino de aluguel de permissões, com motoristas pagando diárias para rodar que variam, hoje em dia, de R$ 100 a R$ 200. A prática faz com que os condutores saiam às ruas desesperados por corridas para cobrir o aluguel da praça e conseguir um lucro real por fora. “E isso compromete a qualidade do serviço oferecido. Faz com que os motoristas recusem corridas curtas, por exemplo”, critica o produtor cultural Jamerson de Lima, que tomou a iniciativa de pedir, via Portal da Transparência, o número de taxistas denunciados e punidos pela prestação ruim do serviço. Acesse a Lei Municipal 17.537/2009, que rege o Sistema Municipal de Táxi (SMTX) do Recife AQUI Confira a relação completa das 6.126 permissões de táxis dadas no Recife:  
A atitude cidadã não só confirmou o que já se sabe – que as punições são irrisórias –, mas também que a população critica, critica, mas é omissa na hora de denunciar. “Começa pela dificuldade de obter informações do poder público. Levei 60 dias e só consegui uma resposta porque fui muito insistente. E me mandaram números preocupantes: o total de queixas representa menos de 5% da frota de táxi do Recife e, desse total, menos de 2% já foram punidos”, lamenta. Mais uma vez, voltamos à legislação para justificar o sentimento de impunidade. Embora tenha feito algumas exigências de documentos e certidões para cadastramento dos taxistas no passado, as punições são frouxas e de custo baixo. Variam de R$ 46 a, no máximo, R$ 231. As distorções da Lei Municipal 17.537 não param por aí. Não é exigido que o permissionário titular atue como taxista e não é delimitado um número de motoristas auxiliares por permissão. A folga sob todos os aspectos é tanta que se reflete nos números de autuações: 102 em 2015 e 127 nos seis primeiros meses de 2016. Apenas. Cassação de permissão? Nunca houve, pelo menos até hoje, segundo a CTTU.   Foto: Ricardo B.Labastier/JC Imagem Foto: Ricardo B.Labastier/JC Imagem Mau humor e corrida recusada porque “táxi não é barco”

A denúncia que a funcionária pública federal Maria José Bezerra Pereira, 73 anos, pretende fazer ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra um taxista que recusou uma corrida num dia de chuva torrencial, no Largo da Encruzilhada, Zona Norte do Recife, está pronta. O motivo principal não foi nem tanto a recusa – proibida pela Lei Municipal 17.537, mas com multa prevista de apenas R$ 115. O que pesou mesmo foi a ousadia do taxista em ir atrás da servidora depois que ela ameaçou denunciá-lo.

“Ele disse, de forma grosseira, que não me levaria porque o carro dele não era barco. Eu anotei o TP (termo de permissão) e a placa do veículo e prometi fazer uma denúncia à CTTU. Chovia tanto e fiquei tão molhada que tive que tirar os sapatos e esperar que meu filho fosse me buscar. Quando chegamos em casa, o taxista estava dentro do prédio, à minha procura”, conta. O motorista alegou que tinha ido até o local para se desculpar e pedir que não fizesse a denúncia. Chegou ao endereço da servidora porque já a conhecia de outra viagem. “Meu filho teve que colocá-lo para fora do prédio”, resume. A decisão de recorrer ao MPPE foi tomada depois que Maria José se frustrou com a falta de pulso da CTTU. “No mesmo dia fizemos a denúncia ao órgão, mas só tivemos retorno em julho, via Portal da Transparência. A CTTU disse que chamou o taxista e o advertiu verbalmente. O problema é que advertência verbal nem consta como penalidade na lei. Ou seja, demonstra total desinteresse e omissão do poder público em apurar as denúncias”, critica a aposentada.   MP021012022 A Prefeitura do Recife tem plena consciência de que a legislação do serviço de táxi é permissiva e está ultrapassada. Pelo menos no discurso do secretário de Mobilidade Urbana, João Braga, garante estar atenta ao problema e promete que até fevereiro de 2017 mudanças importantes acontecerão no sistema. A pretensão do município é lançar um novo modelo de operação e controle popular do serviço oferecido, que seria fiscalizado por meio de um aplicativo. A Lei Municipal 17.537/2009 também estaria sendo revista. “De fato, a legislação hoje em vigor está ultrapassada. Temos discutido essa questão não só com o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, mas também com o Sindicato dos Taxistas e até com o promotor Humberto Graça (da Promotoria de Transporte do MPPE). A própria categoria concorda que é chegado o momento de se atualizar e de prestar um serviço cuja qualidade possa ser avaliada e classificada pela sociedade”, explica João Braga. JC-CID1030_TAXI_blog O app, que segundo Braga vem sendo desenvolvido com o conhecimento do Sindicato dos Taxistas, permitirá que o poder público tenha controle real da operação e da oferta do serviço nas ruas e, ainda, que a população possa avaliá-lo. “As tecnologias estão aí para serem utilizadas e sabemos que, nos tempos atuais, a sociedade tem o direito e exige a avaliação do serviço de táxi por se tratar de um serviço público. Iremos promover uma grande mudança com esse app”, promete. A pouca punição de taxistas e o fato de não haver restrição sobre a quantidade de permissões adquiridas por pessoas jurídicas são consequências, segundo o secretário, da legislação. “Não temos como ser mais rigorosos porque a lei não permite. Por isso precisamos alterá-la”, afirma João Braga. É esperar para ver.   Fulano é exceção: em vez de brigar com o Uber, foi em busca de qualificar o serviço oferecido. Fotos Guga Matos/JC Imagem Taxista Antonio Isolino é exceção: em vez de brigar com o Uber, foi em busca de qualificar o serviço oferecido. Fotos Guga Matos/JC Imagem   Bom exemplo de taxista Por Felipe Vieira Antonio Isolino não tinha do que reclamar como taxista. Ele conseguia faturar cerca de R$ 300 por dia, e com carro próprio, o que o livrava das temíveis diárias que muitos motoristas pagam aos donos dos veículos que dirigem. Até que o advento do Uber, em março deste ano, mudou tudo. “Num dia bom, eu passei a ganhar R$ 100, no máximo R$ 150. A queda foi grande e afetou a situação financeira da minha família”, diz. Em vez de lamentar ou perseguir motoristas do Uber pelas ruas, ele decidiu investir no próprio serviço para correr atrás do prejuízo. A ideia é simples: se o aplicativo mundial de carros compartilhados conquistou clientes devido ao preço e a mimos como água e bombons, o taxista tem que fazer o possível para resgatar e fidelizar o passageiro perdido. Ele, então, criou o que chama de Táxi Prime. Carro impecavelmente limpo, água mineral, doces, internet wi-fi, máquina para receber pagamentos em todos os cartões de crédito, inscrição em todos os aplicativos de táxi disponíveis e, sim, alguns descontos nas tarifas. “O taxista ainda inspira uma confiança maior por ser um profissional que conhece a cidade. Quando oferecemos as mesmas vantagens do Uber, as pessoas preferem ficar conosco”, acredita. O investimento inicial para melhorar o serviço foi de cerca de R$ 200. Isolino comprou os suportes para os bancos traseiros do carro, onde passou a colocar doces, confeitos e água mineral. Paga R$ 29 por mês pela máquina que o permite aceitar todos os cartões de crédito e usa os dados do plano do próprio celular para oferecer internet wi-fi para os clientes, através de um roteador instalado no veículo. “Consegui imprimir mil cartões de apresentação por R$ 70 e comecei a fazer meu próprio marketing.” GM101016020 Alguns hábitos simples também mudaram, como o vestuário. “Eu não dirigia desarrumado, com barba por fazer. Mas agora que tenho um serviço de excelência, tenho que dar um exemplo ainda maior.” Antônio usa camisa de manga longa – abotoada – com gravata, além de calça e sapatos sociais. “A aparência faz muita diferença. O carro tem que estar sempre limpo e o motorista, bem vestido. Se for educado e atencioso, o cliente vai pedir seu serviço de novo, eu garanto.” O resultado desse upgrade foi sentido no bolso. Isolino garante que voltou ao patamar de faturamento diário que tinha antes da chegada do Uber, e ainda espera melhorar. “Quem usa o serviço, volta. Eu termino recebendo muitas ligações de clientes por dia.” Para dar vazão à demanda, ele já “cadastrou” quatro outros taxistas. Mas todos precisam ter o mesmo padrão de serviço. “Eles perceberam que não adianta nada oferecer apenas água, ou apenas a internet, ou somente estar bem-vestido. Tem que ser tudo junto”, explica. Ele admite que o Uber cresceu em um vácuo criado pelos próprios taxistas, e que é hora de recuperar o tempo perdido. “O tempo passou e não houve reciclagem da categoria. Quase ninguém se preocupa em atender bem o cliente.” O recado que ele dá aos colegas de profissão é simples. “Existe espaço para todos, nós e o Uber. Mas é preciso que os taxistas se conscientizem de que devem oferecer um serviço diferenciado, ou vão ficar reclamando para o resto da vida.” GM101016019  

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