Contorno urbano, o trecho mais perigoso da BR-101 em Pernambuco

Publicado em 29/07/2017 às 18:00 | Atualizado em 13/07/2018 às 16:14
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Fotos: Guga Matos/JC Imagem   São muitas as razões para que os motoristas evitem, de toda forma, trafegar pelo contorno urbano que a BR-101 faz do Recife, entre Jaboatão dos Guararapes e Abreu e Lima, na Região Metropolitana. O risco de acidentes, mutilações e mortes é enorme. A degradação profunda e histórica da estrutura da rodovia transformou o trecho de 30,7 quilômetros no mais perigoso de toda a BR-101 em Pernambuco. Há pelo menos 11 anos, ele responde, sozinho, por quase metade dos acidentes registrados em todos os 213,9 quilômetros da rodovia que cortam o Estado. E os números negativos não param por aí: 44% dos feridos e 27% dos mortos de toda a BR no Estado sofreram acidentes no trecho, que compreende apenas 14% da extensão.
A restauração do contorno urbano da BR-101 precisa ser muito bem feita. Refazer a drenagem, melhorar a iluminação nos perímetros de maior travessia, mais urbanos, ampliar as passarelas e, principalmente, trocar todo o pavimento. E a escolha não pode ser o asfalto. É fundamental que a opção do governo seja pelo concreto”, Maurício Pina  
Quem chegou a essa conclusão foram alunos das Universidades Federal e Católica de Pernambuco (UFPE e Unicap), em avaliações minuciosas do contorno, entre 2005 e 2016, para os TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso). Juntos, descobriram que dos 29.850 acidentes ocorridos em toda a extensão da BR-101 em Pernambuco, 14.189 colisões aconteceram apenas entre Jaboatão e Abreu e Lima. Uma média de 3,24 acidentes por dia. LEIA TAMBÉM BR-101, no Grande Recife, é a rodovia da vergonha Após 20 anos, duplicação da BR-101 em Pernambuco está mais perto do fim BR-101: a rodovia da morte em Pernambuco Bye, bye corredor de BRT na BR-101. Governo do Estado arquiva projeto por causa da crise O estudo também desconstrói o discurso histórico e fácil do poder público de defender a culpabilidade do motorista em praticamente 100% dos acidentes. Comprova que os motoristas erram, mas que, em muitos casos, o fazem em reação às péssimas condições do pavimento ou a situações de insegurança da rodovia. “O pavimento está muito ruim e coloca a vida dos motoristas em risco. Quando começamos a analisar os quilômetros com maior número de acidentes, confirmamos que eles sempre tinham os mais sérios problemas no pavimento. Essa BR foi construída em 1975. Já são 42 anos sem uma troca das placas de concreto. No máximo, uma manutenção equivocada que é jogar asfalto sobre elas. A famosa tapa-buraco”, critica Maurício Pina, professor e orientador da pesquisa.
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Fotos: Guga Matos/JC Imagem
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  Segundo o estudo, o trecho mais perigoso do já perigoso contorno é o Km 68, na Cidade Universitária, na altura da Reitoria da UFPE, que registrou 1.304 acidentes nesses 11 anos de avaliação. “Ele tem de oito a dez vezes mais colisões do que os outros quilômetros. Além de um volume pesado de veículos, principalmente de caminhões, tem o pavimento extremamente comprometido. É mais uma prova que desconstrói o discurso do erro e da imperícia humana. Como explicar que todos os condutores são desatentos no Km 68 e atentos no Km 53, que é um dos que registraram menos colisões no período avaliado?”, indaga o professor. Os outros quilômetros mais perigosos, segundo o levantamento, são os Kms 67 (entre a Avenida Caxangá e o Hospital das Clínicas), 69 (imediações do Colégio Militar), 70 (altura do Hospital da Mulher), e 80 (na Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes. A constatação de que a degradação do pavimento transformou a BR-101 numa rodovia extremamente perigosa foi feita a partir das características dos acidentes. “As colisões são sempre traseiras ou laterais, características típicas de acidentes provocados pelo pavimento ruim. O motorista reduz ao ver um grande buraco e o outro bate atrás. Ou ele desvia e colide lateralmente com o outro”, alerta o engenheiro civil Arnaldo Lapenda, que analisou, junto com a aluna Palloma de Moura, o Km 67, o quinto mais perigoso do contorno. Quilômetro 68, na altura da Reitoria da UFPE, o mais perigoso de todo o trecho   RESTAURAÇÃO O governo do Estado promete para o próximo mês, no mais tardar no início de setembro, o início das obras de restauração do contorno urbano da BR-101. Desde 2012 sob responsabilidade do executivo estadual, a burocracia para o início das obras só foi vencida no fim do ano passado, quando a gestão saiu da Secretaria das Cidades para a Secretaria de Transportes. O projeto de restauração compreende os 30,7 quilômetros do contorno urbano e está orçado em R$ 192 milhões – recursos do governo federal. Professor Maurício Pina e alguns de seus alunos da UFPE e Unicap Maurício Pina confirma o que todo mundo já sabe: que a única solução para o trecho mais perigoso da BR-101 é refazê-lo após mais de quatro décadas de uso e má manutenção. Mas faz ponderações sobre o projeto. “Ele precisa ser muito bem feito. Refazer a drenagem, melhorar a iluminação nos perímetros de maior travessia, mais urbanos, ampliar as passarelas e, principalmente, trocar todo o pavimento. E a escolha não pode ser o asfalto. É fundamental que a opção do governo seja pelo concreto”, alerta o professor. O projeto, entretanto, prevê a reconstrução do pavimento com asfalto. DEGRADAÇÃO QUE MUTILA Ninguém melhor do que o bombeiro civil Ítalo Abner Pereira, 31 anos, para descrever as consequências do descaso histórico das gestões federal e estadual diante do perigoso contorno urbano que a BR-101 faz do Recife. Ele perdeu a perna depois que o irmão tentou desviar de uma grande cratera que os surpreendeu na altura da Guabiraba. Era a noite chuvosa do dia 23 de junho passado, véspera de São João. A moto e os dois foram ao chão. Um ônibus que seguia ao lado, não conseguiu desviar a tempo e esmagou a perna do bombeiro civil.   Abner era passageiro numa moto e teve a perna quase arrancada do corpo depois de cair por causa de um buraco. Foto: Divulgação JC – Como aconteceu o acidente? Ítalo Abner – Eu estava na garupa da moto do meu irmão e seguíamos de Jaboatão dos Guararapes para Paulista. Era à noite e chovia. Passamos por trechos péssimos da rodovia, na altura da Muribeca, já sabendo que a situação era péssima. Quando passávamos pela Guabiraba, na altura da lombada eletrônica, fomos surpreendidos por um buraco enorme. Meu irmão foi tentar desviar a moto e caímos. Um ônibus que trafegava ao nosso lado não conseguiu frear a tempo e bateu na gente. O impacto foi todo na minha perna, que teve de ser amputada. Meu irmão teve ferimentos leves. JC – Então, de fato, o acidente foi provocado mesmo pelo pavimento ruim? Ítalo – Sim, não há dúvidas sobre isso. O próprio registro do acidente feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) confirmou que a causa foram os buracos da BR-101. Meu irmão trafegava certo, na velocidade adequada, quando foi surpreendido por uma cratera. JC – E agora, o que você pretende fazer? Ítalo – Primeiro, estou tentando sair do hospital. Já fiz cinco cirurgias e pretendo colocar uma prótese para retomar minha vida como for possível. Mas vou à Justiça para responsabilizar o poder público. Não importa se a culpa é do governo federal ou estadual. Vou à Justiça contra os dois. Caberia a eles evitar que a BR ficasse na situação em que se encontra.

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