Em 2018 a mobilidade urbana foi planejada da janela do carro

Publicado em 01/01/2019 às 17:00 | Atualizado em 12/05/2020 às 13:15
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2018: Um ano que não deixará saudades para a mobilidade urbana. Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem  

 

O ano de 2018 se vai sem deixar saudades para a mobilidade urbana sustentável. Aquela que não prioriza o transporte individual (automóveis) e que busca cidades mais humanas e melhores. Não avançamos (quase) nada no País e, especialmente, na Região Metropolitana do Recife. Sem recursos orçamentários, mais uma vez o transporte público, a ciclomobilidade e a mobilidade a pé ficaram em segundo plano. Nem mesmo obras faraônicas para o carro foram executadas – para sorte das cidades. Novamente os gestores públicos não saíram do discurso moderno e obrigatório da mobilidade sustentável, ainda incapazes de transformá-lo em prática.

Tivemos algumas pequenas e pontuais vitórias, mas que representam muito pouco diante da dimensão do que se precisa para que o trabalhador não leve quatro horas para ir e voltar do emprego. A divisão modal (por tipo de transporte) nas grandes cidades brasileiras se manteve intacta nos últimos anos e ainda mais em 2018, numa persistência que demonstra a ausência de prioridade ao transporte coletivo por ônibus. O metrô também não avançou em nada – ao contrário, mais uma vez correu o risco de reduzir a operação – numa clara demonstração de que o transporte de alta capacidade e sobre trilhos nunca foi e ainda não é prioridade no Grande Recife.

A ciclomobilidade também parou no tempo. Tivemos algumas pequenas conexões criadas que não totalizaram dez quilômetros de estrutura ciclável. E na mobilidade a pé o cenário não foi melhor. Ao contrário. A Avenida Norte se livrou dos famigerados gelos-baianos e ganhou iluminação voltada ao pedestre, mas a travessia ainda é difícil e polêmica. O caminhar nas cidades da RMR continua sendo difícil pela ausência de calçadas, inseguro porque faltam prioridade semafórica e travessias seguras, e quente porque as ruas não têm arborização. Ou seja, em 2018 os gestores públicos e as pessoas que poderiam mudar essa realidade continuaram vendo e planejando a mobilidade das cidades da janela do carro. Sem andar de ônibus, de bicicleta ou a pé.

Fotos: Guga Matos/JC Imagem

 

TRANSPORTE PÚBLICO

Os avanços para o transporte público foram mínimos. A Prefeitura do Recife, de fato, comprou a briga para manter os 500 metros da Faixa Azul na Avenida Antônio de Góis, no Pina, mas paramos nisso. Não avançamos no projeto de faixas exclusivas e, muito menos, nos corredores. Apesar de os ganhos de velocidade serem inquestionáveis: mais de 100%. Em implantação desde 2013, ainda são apenas 30 quilômetros. O sistema BRT, que completou quatro anos de operação incompleta em 2018, segue sucateado, sem recursos e – ACREDITEM – ainda sem a prioridade no viário.

O serviço por ônibus também perdeu o seguro de responsabilidade civil, que garantia aos passageiros e operadores a certeza da indenização no caso de acidentes. E a segunda etapa da licitação das linhas de ônibus – que se arrasta desde 2013 – segue sem previsão de passar a valer, o que elimina as chances de o sistema ter, entre outras vantagens, uma frota refrigerada. E, para fechar o ano, a implantação, ainda sutilmente, da dupla função para os motoristas de ônibus, que passaram a atuar também como cobradores em pelo menos 23 linhas do sistema.

Entre as coisas boas, a realização, após 21 anos, de uma nova pesquisa de origem e destino da Região Metropolitana do Recife, instrumento essencial ao planejamento do transporte das cidades. Outra boa notícia foi a inauguração do TI CDU, antes conhecido como TI da IV Perimetral e integrante do Corredor de BRT Leste-Oeste, após seis anos de paralisações e obras. E, não poderia deixar de ser citado, o início da operação – mesmo que ainda em teste e bem tímida – do Simop (Sistema Inteligente de Monitoramento da Operação).

 

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APLICATIVOS DE TRANSPORTE

A regulamentação dos aplicativos de transporte privado de passageiros foi, sem dúvida, algo a ser reconhecido. Não importa se você usa ou não o serviço. Os apps chegaram para ficar e, sem a perspectiva de terem regras, poderiam virar um problema, como já tem sido apontado em estudos americanos. A regulamentação dos aplicativos, pelo menos no Recife, demorou e foi polêmica, mas aconteceu. E, apesar de terem sido criadas regras e feitas diversas exigências – o que as empresas operadoras dos apps e muitos motoristas não queriam –, a nova legislação atendeu a muitos dos pedidos de quem opera nos aplicativos, como a ampliação do ano da frota de veículos de cinco para oito anos, o fim da exigência do dístico (uma espécie de identificação por QRCode que seria instalada nos carros) e, principalmente, o não congelamento da quantidade de motoristas parceiros, algo que os taxistas brigavam para que fosse imposto há muito tempo. Outra vitória foi o fato de que os veículos poderão ter placas de qualquer cidade de Pernambuco e, não, apenas do Recife.

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FISCALIZAÇÃO DE VELOCIDADE

Foi um dos grandes temas do ano. A decisão do prefeito Geraldo Júlio de atender a um pedido do vereador Marco Aurélio (PRTB) para deixar de multar os motoristas que excedessem a velocidade das vias por um período de teste de 30 dias gerou polêmica e reação da sociedade civil organizada. Decisão tomada apesar de a fiscalização eletrônica ter proporcionado reduções de até 80% no número de acidentes. Mas, em nome da segurança viária, a gestão municipal voltou atrás e desistiu da medida. Para alívio, inclusive, da prórpia equipe técnica da prefeitura que estavam e estão elaborando o Plano de Mobilidade Urbana que prevê a redução da velocidade máxima das ruas da cidade para 50 km/h.

 

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TRÂNSITO

Em 2018, pelo segundo ano consecutivo, o Recife deixou para trás metrópoles do porte de São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste brasileiro, quando o assunto foi mobilidade ruim. A capital pernambucana foi eleita, novamente, a que tem o pior trânsito nos deslocamentos entre as cidades brasileiras nos horários de pico da manhã (7h às 10h) e da noite (17h às 20h). O resultado fez parte da segunda edição do Índice 99 de Tempo de Viagem (ITV 99), estudo realizado pelo app de transporte urbano e que funciona como termômetro dos congestionamentos do País, medindo as dez maiores capitais do Brasil.

O Recife apareceu em primeiro lugar no ranking nacional. As viagens na cidade, nos horários de pico, levam, em média, 77% mais de tempo do que aquelas em situação de tráfego livre. Já Porto Alegre e Salvador, que ocupam o segundo e o terceiro lugares, apresentam taxa de lentidão de 74% e 71%, respectivamente. O índice da capital pernambucana, entretanto, melhorou um pouco em relação à pesquisa de 2017. Embora o Recife também tenha liderado o ranking nacional no ano passado, a medição do ITV 99 foi de 85%, ou seja, os deslocamentos nos horários de pico estavam 85% mais demorados na cidade no ano passado.

 

Cicclofaixa do Bongi foi inaugurada em agosto, com menos de 3 km. Recife avança lentamente na prioridade viária à bicicleta. Foto: Guga Matos/JC Imagem

 

CICLOMOBILIDADE

Não só o Recife, mas toda a Região Metropolitana viveu um ano de marasmo para a ciclomobilidade. A capital ganhou apenas dois pequenos trechos de ciclofaixas – Bongi e Setúbal –, totalmente desconectadas de outras rotas e que não totalizaram, juntas, sequer dez quilômetros de estrutura ciclável. O PLano Diretor Cicloviário (PDC), concluído desde 2014, continuou esquecido. A ciclovia da Avenida Mário Melo, na área central da cidade, promessa da prefeitura ainda para 2017, continuou como promessa.

Entre os aspectos positivos, a consolidação do Bike PE, sistema de compartilhamento de bicicletas públicas, que chegou aos cinco anos com utilização 168% maior do que o sistema anterior. A apresentação do projeto da nova Avenida Conde da Boa Vista, corredor de transporte essencial da cidade, também foi positivo para a ciclomobilidade. Embora as bicicletas não tenham tido espaço no corredor, a promessa é de que ganharão uma rede entre dez e 12 quilômetros em vias do entorno.

 

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MOBILIDADE A PÉ

A situação não foi diferente para o caminhar. Seguimos sem calçadas, travessias seguras e arborização. O bom é que, apesar da polêmica, a Avenida Norte perdeu os gelos-baianos e o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) desistiu de multar pedestres e ciclistas. O projeto da nova Avenida Conde da Boa Vista também trouxe esperança para o caminhar, já que o discurso da prefeitura é de que os pedestres serão as estrelas da requalificação da avenida. Um estatuto do pedestre está para ser discutido na Câmara de Vereadores, mas com um texto brando e sem garantias de que será aprovado e, muito menos, efetivado.

 

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Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem  

 

Abaixo, a visão do ano que passou e as perspectivas para 2019 feita pela Ameciclo. Confira!

"Balanço 2018, expectativa 2019

O ano de 2018 não deixa saudades, a única vitória realmente contabilizada foi a derrubada da tentativa do desligamento das lombadas. A campanha #desligamentonão foi vitoriosa e conseguiu fazer a Prefeitura voltar atrás de uma atitude que arriscaria a vida das pessoas que circulam na cidade.  No setor do planejamento, o Recife oscila entre a demora e a pressa. O Plano Diretor demorou muito tempo para ser licitado e pouco tempo para ser discutido. Às pressas, o processo de participação foi completamente prejudicado. Muitas reuniões sucessivas, pouca profundidade no processo, inclusive pulando etapas decisivas e legais para entregar à Câmara de Vereadores um planejamento pouco popular. O Plano de Mobilidade, por outro lado, segue um processo amplo e participativo, porém demorado para sua aprovação, talvez, esperando o real prazo final da legislação para a sua entrega. No entanto, as sugestões da sociedade nas audiências foram adotadas e o plano está priorizando os modos ativos e coletivos de transporte.

Na participação nos processos de execução, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano e seus órgãos abdicaram da conversa com a Ameciclo. Apesar do crescimento da estrutura, em nenhum momento a organização foi consultada para sugerir melhorias. Sem consulta ou informação, os projetos surgem nas vias já prontos e com falhas a serem apontadas. Há vias que nem foram informadas à imprensa de suas alterações. As poucas reuniões que os grupos articulados pela mobilidade conseguiram foram para discutir a Av. Agamenon Magalhães ainda no primeiro semestre. A Ameciclo esteve em uma das reuniões para dar contribuições ao projeto na área de mobilidade ativa como convidada de um dos movimentos.

No entanto, a execução ainda não aconteceu e já foi anunciado pelo secretário João Braga que a ciclovia não será colocada. No campo da execução, além de não ter acontecido nem a ciclovia na Av. Agamenon Magalhães, nem as faixas exclusivas de transporte coletivo, priorizaram mudanças com binários no entorno. Essa seria a primeira etapa do projeto, priorizando a aceleração do fluxo dos automóveis para somente depois realizar as mudanças previstas na avenida que já tem 12 faixas. Essas mudanças aconteceram na Encruzilhada, Ilha do Leite e Benfica, com uma série de binários que desconsideram a colocação de ciclovias, apesar de projetos de planejamento como o Parque  Capibaribe contemplá-las. Um verdadeiro atraso que gera grandes dificuldades para quem usa o modo ativo de transporte. A estrutura cicloviária cresceu a passos de formiga e sem vontade.

Os poucos quilômetros de estrutura são uma vitória, mas continuam sendo colocados em vias mais calmas, fazendo zig-zag e, em especial no caso de Setúbal, desconsiderando o Plano Diretor Cicloviário. A Conde da Boa Vista é mais um exemplo de um processo sem participação e Ameciclo - Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife sem contemplar o planejamento acordado pelo Plano Diretor Cicloviário. Sob a desculpa do fluxo, os automóveis foram mantidos nas vias, mas as ruas não foram sequer acalmadas para garantir a segurança dos ciclistas que continuarão circulando na via. As ciclofaixas anunciadas para o entorno também não tiveram nenhum processo aberto de participação e a sugestão de melhorias.

Por parte do Governo do Estado, a finalização da etapa 2 do Eixo Cicloviário Recife-Olinda finalmente aconteceu. Os passos para a implantação do Plano Diretor Cicloviário também não seguem como prioridade e pouco se tem a acrescentar. O Escritório da Bicicleta não seguiu um calendário fixo de reuniões, o que não ajuda a sedimentar a conquista de novas estruturas. O sistema de bicicletas compartilhadas novo foi finalizado e tem conseguido mais viagens que o anterior, com bicicletas e estações mais confiáveis, porém com uma tarifa bem maior e fim de algumas gratuidades. Um novo sistema sem estações, de patinetes elétricos e bicicletas, já está em fase embrionária de lançamento.

O ano de 2019 não nos trás muitas esperanças. Sendo a única esperança é de que estejamos errados acerca dessa primeira frase. A ida do Plano Diretor para a Câmara dos Vereadores é uma possibilidade de contribuição popular tardia na lei que deverá mudar o Recife pelos próximos 10 anos. Mais aguardado ainda, o Plano de Mobilidade pode dar uma oxigenada, caso venha a ser aprovado nos termos de hoje e cumprido pela Prefeitura, já que ele inclusive inclui o Plano Diretor Cicloviário. Há a perspectiva da implantação de algumas ciclovias pela Secretaria de Meio Ambiente, a partir do Plano Diretor Cicloviário, conforme embasado no Plano de Baixo Carbono da Prefeitura do Recife. O novo sistema de bicicletas compartilhadas pode colocar mais ciclistas nas vias, aumentando a demanda por estrutura cicloviária. Poderá haver mudança na estrutura do Governo do Estado, uma vez há uma nova composição de forças que elegeu essa segunda gestão, o que pode incluir o futuro do Escritório da Bicicleta e do Pedala PE.

A nossa esperança é pouca, uma vez que a prefeitura e governo ainda tem entraves para ver a bicicleta como aliada na política urbana, diminuindo os engarrafamentos, melhorando a qualidade do ar, diminuindo as mortes no trânsito, ajudando na economia e melhorando a qualidade de vida como um todo. Isso é comprovado por diversos estudos aplicados em diversos países e sugerido pela Organização das Nações Unidas em seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e no Plano de Redução de Mortes no Trânsito. Mas ainda é preciso força para desatar os nós que fazem essas gestões pararem no tempo e não seguir com os planos de um Recife do futuro."

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