Apps de transporte não podem virar táxi

Publicado em 13/05/2019 às 10:34 | Atualizado em 12/05/2020 às 11:23
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Foto: Diego Nigro/Arquivo JCImagem  

 

Mesmo sem força, o movimento mundial dos motoristas de aplicativo da quarta-feira (10) acendeu um alerta. Os apps estão se transformando em táxis? Viraram categoria e, a partir de agora, vão lutar por direitos nas ruas? Usarão a força de categoria para exigir benefícios e privilégios? Vão, e a sociedade pode ir se acostumando com isso. Ache bom ou ruim. O pensamento de alguns líderes dos motoristas, avalizados por manifestações como a recente para exigir o reajuste do valor das corridas, mostram que sim. Viraram categoria e até uma federação foi criada recentemente. A relação entre motoristas parceiros e as empresas de aplicativos – Uber e 99 Pop no caso do Brasil – mudou. Ser um motorista de aplicativo passou a ser visto como profissão. Está perdendo o caráter de provisoriedade do início.

Ficou para trás o tempo em que os apps eram apenas um complemento de renda. Caronas pagas que o condutor daria a caminho do trabalho ou da faculdade. Lembram? Esqueçam porque tudo mudou. Com o desemprego em alta – 14 milhões no País – e a estimulante possibilidade de ser o próprio patrão, as pessoas encontraram nos apps de transporte privado de passageiros o emprego oportuno. Pesou, ainda, o caráter de legalidade que o serviço foi adquirindo após a chegada ao Brasil, ainda em 2014, pela cidade do Rio de Janeiro. Hoje, os apps de transporte privado de passageiros estão regulamentados ou já com leis municipais aprovadas em pelo menos 51 cidades, sendo 13 delas capitais. Não há um caminho de volta. Chegaram, se estabeleceram e vão ficar.

 

 

Somente a Uber tem 600 mil motoristas e 22 milhões de clientes cadastrados na plataforma no Brasil, tendo faturado, apenas no País, R$ 3,7 bilhões em 2018. No mundo, está presente nos seis continentes, em 700 cidades e realizando 14 milhões de viagens por dia. Para se ter uma ideia da força, o Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP) faz 25 mil viagens/dia com uma frota de três mil ônibus. Os dados da Uber são da própria empresa, que teve que abri-los para apresentar no processo de IPO (Initial Public Offering), sigla para Oferta Pública Inicial (ou OPI). O passo inicial para vender ações na bolsa de valores de Nova Iorque. Foi essa estratégia financeira da empresa, inclusive, que motivou o #UberShutDown, o movimento criado para desativar a plataforma como protesto pela lucratividade da empresa.

Mas a questão é que ser um motorista de aplicativo de transporte privado não era para ser um emprego fixo. Por isso os motoristas são estrategicamente denominados de parceiros, não de funcionários. Até porque, como profissão única, não é rentável. É economicamente inviável. Pelo menos com os valores cobrados dos passageiros e as taxas descontadas dos motoristas. Para ser uma opção viável financeiramente é preciso trabalhar muito, muito. Fala-se em doze horas por dia. E com o aumento dos combustíveis, principalmente da gasolina, ficou ainda mais difícil. Em paralelo, as empresas têm cobrado percentuais mais altos das corridas.

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“A gasolina e o etanol aumentaram mais de 50% nos últimos quatro anos. Está inviável. Ao mesmo tempo, a Uber e a 99 mudaram a forma de desconto, usando a tarifa variável, que considera a quilometragem e o tempo das corridas, chegando a descontos de até 45% do valor pago pelo passageiro. No começo tínhamos uma taxa fixa, que era de 25% na Uber e de 13% na 99, descontada sobre o valor bruto. As corridas eram de, no mínimo, R$ 6,50. Agora, estão abaixo dos R$ 5. É insuficiente. Por isso realizamos o movimento. Mas defendemos que haja um subsídio bancado pelas empresas para que o passageiro não seja penalizado. Afinal, as empresas estão ficando milionárias, enquanto nós temos que trabalhar mais e mais a cada dia”, argumenta o motorista de aplicativo Thiago Silva, uma espécie de líder da categoria em Pernambuco e recentemente nomeado diretor de relações institucionais da nova Federação de Motoristas por Aplicativos do Brasil (Fembrapp).

   

 

Para se ter ideia do injusto e discrepante cálculo de remuneração do serviço, basta dizer que as corridas de aplicativos custam, em média, 20% mais baratas do que as de táxi e que, mesmo assim, os motoristas parceiros ficam com apenas 75% do valor. Ou seja, enquanto uma corrida de táxi custa R$ 42, por exemplo, a mesma num app sai por R$ 33. E, desse valor, o motorista recebe apenas R$ 25. Concluindo: a corrida sai R$ 17 mais barata. Os taxistas dizem que já sabiam do que aconteceria. “Como esse motorista vai bancar o custo de operação? Ganhando essa tarifa não vai. E nós sabíamos disso desde o começo. Alertamos porque sabíamos que a conta não fecha quando falamos de automóveis, um equipamento que custa caro e se deteriora com o uso. Agora eles estão confirmando o que sempre dissemos. E não se trata de mimimi”, diz o taxista Wellington Lima, que preside uma das cooperativas de táxis de shoppings.

E para reforçar o caráter de permanência que os apps de transporte privado de passageiros têm adquirido surge o Supremo Tribunal Federal (STF), que esta semana confirmou a legalidade do serviço.

 

A VOZ DAS EMPRESAS

As empresas de aplicativo de transporte privado continuam falando pouco. Aliás, pouquíssimo e, mesmo assim, só quando interessa a elas. Geralmente, a comunicação com a imprensa é por notas oficiais. Principalmente quando o assunto tenta expô-las de alguma forma. A reportagem tentou obter um retorno com a Uber, sem sucesso. A empresa silenciou no dia do #UberShutDown e, agora, de novo. Apenas a 99 Pop se posicionou por nota. Informou que a remuneração de seus motoristas parceiros contempla duas variáveis: tempo e distância percorrida, além de uma tarifa mínima. Os ganhos do condutor são calculados de forma independente do valor pago pelo passageiro. “A empresa reforça seu compromisso de trabalhar para aumentar a renda dos condutores por meio de um número maior de chamadas e da cobrança de taxas menores em comparação à concorrência.”

 

 

A REGULAMENTAÇÃO DOS APPS NO RECIFE

Por email, a CTTU informou que está dando continuidade ao processo da regulamentação do transporte por aplicativo. Neste sábado (11/5) foi publicado o Edital de Credenciamento Nº 003/2019 para as empresas de Transporte Remunerado Privado Individual de Passageiros (TRPIP) que operam por aplicativos. A medida é mais um avanço para regulamentação da Lei Municipal nº 18.528/2018. Os representantes das empresas operadoras deverão fazer a entrega da documentação na CTTU, a partir do dia 23 de maio, das 9h às 16h, para que seja feita a vistoria dos documentos. A CTTU terá, a partir desta etapa, 120 dias para dar início à fiscalização.

No dia 13 de abril o Decreto nº 32.381/2019, que regulamenta a Lei Municipal, tinha sido publicado no DO. O texto detalhou as normas para o fornecimento do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros intermediado por aplicativos. O próximo passo para a regulamentação da lei será a publicação do Edital de Credenciamento para as empresas de aplicativos, que tem previsão de publicação para o mês de maio. A partir de então, as empresas operadoras terão 120 dias para promover as adaptações necessárias conforme as regras dispostas na legislação municipal. Após essa etapa, a fiscalização será iniciada pela CTTU.

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